1 de março de 2024

Tempo de Leitura: 3 minutos

Pesquisa internacional compara opiniões de pessoas autistas/com autismo

Um artigo publicado no site americano, Neurology Advisor, em dezembro de 2023, chamou a atenção por relatar uma pesquisa recente sobre o uso de linguagem que mais se adeque à expectativa de pessoas (adultas) dentro do TEA – Transtorno do Espectro do Autismo.

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A terminologia utilizada na descrição de pessoas com deficiência é frequentemente motivo de um debate contínuo. No caso do TEA, invariavelmente, haverá discussão sobre a forma correta de uso de linguagem: (pessoa) autista ou pessoa com autismo?

Internacionalmente, o uso de “pessoa com autismo” (a pessoa em primeiro lugar) foi adotado como padrão por organizações e profissionais da área, conforme considerações do CDC (Centro de Controle e Prevenção de Doenças) em 2022, e do Departamento de Educação U.S, também datado de 2022. No entanto, como demonstram pesquisas publicadas (e não publicadas) neste sentido, muitas pessoas com deficiências preferem o uso da identidade em primeiro lugar, ou seja: pessoa cega, pessoa surda, pessoa autista.

Pessoas favoráveis ao termo “pessoa com autismo” acreditam que a personalidade de um indivíduo sempre deve preceder a deficiência, o chamado “modelo médico da deficiência” – um termo favorito de médicos, familiares, professores, terapeutas e redatores de artigos sobre autismo -, preferível por focar na pessoa antes da sua deficiência. Sendo assim, autismo seria uma deficiência que a pessoa tem, não quem ela é. 

Atualmente, no Brasil, foi determinado o uso de “pessoa com deficiência” x “deficiente”. Seguindo esta linha, pode-se explicar o consequente uso de “pessoa com autismo” x “autista”.

No entanto, nada é tão simples no autismo! Muitas pessoas, dentro do espectro do autismo, entre elas, ativistas, preferem o termo “autista” (identidade em primeiro lugar). Pessoas adultas diagnosticadas com TEA, militantes de uma organização chamada “Aspies for Freedom” (2005) criaram o, internacionalmente, comemorado Dia do Orgulho Autista (18 de junho). Com um alcance mundial, simpatizantes do termo “autista” aceitam e celebram o que consideram “natureza autista” (condição), sem o estigma de algo que precisa ser “consertado”.  Para estas pessoas, SER autista é natural e, não, uma deficiência. Portanto, sem razão para utilizar o termo que sugere haver patologia.

Nas redes sociais, há anos, o debate é motivo de discussões entre várias comunidades, sem que haja consenso. O mais recente estudo, então, traz um pouco de luz na eterna divergência de opinião.

Publicado no jornal Neurodiversity (Reino Unido) em novembro de 2023, o estudo apresenta resultados curiosos, medidos através de uma amostra de 247 indivíduos autistas – com e sem diagnóstico. No total, 3000 (três mil) participantes preencheram um questionário com o objetivo de validar a Escala de Habilidades Sociais (Adult Social Skills Rating Scales ASSRS) * apresentando questões relacionadas à preferência de linguagem, diagnósticos, localidade e outros itens mais.

Apesar do TEA não ser exigido para a participação, a média do Quociente de Autismo (Autism Quotient – AQ) ** foi de 26,7, indicando autismo (ainda que sem diagnóstico fechado). Os participantes com laudo médico chegaram a 49,80%; os com a possibilidade de TEA levantada na escola, 14,17%; os com autodiagnóstico, 36.03%. Cerca de 90% dos participantes também reportaram um diagnóstico coexistente de depressão, ansiedade, TDAH- Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade – ou dificuldade no aprendizado.

No que concerne a linguagem, as opções no questionário apresentado aos participantes constavam de:

  • Pessoa em primeiro lugar – (ele/ela tem autismo) – 34%
  • Identidade em primeiro lugar – (ele/ela é autista) – 21,9%
  • Sem preferência – 35,6%
  • A pergunta não é relevante – 7,3%
  • Prefiro não dizer – 0,8%
  • Nenhum dos itens acima – 0.4%

Nota-se que nem a presença do diagnóstico, nem a de comorbidades influenciaram o quesito da preferência de uso de linguagem. 

O resultado do estudo mostrou que a terminologia é preferencial, sem que nenhuma pesquisa, até hoje, tenha conseguido estabelecer uma preferência largamente predominante. Portanto, os pesquisadores deste estudo concluíram que, ao falar-se com um indivíduo dentro do Espectro do Autismo, deve-se perguntar a mesma qual a sua opção, modificando a linguagem de acordo com sua escolha individual.

Talvez as considerações pós-estudo sirvam para que o debate geral (quem tem ou não razão), assim como da argumentação para tal, dê lugar ao direito de cada pessoa autista/com autismo ser referida de acordo com sua preferência pessoal.

*Adult Social Skills Rating Scale – equivale ao SSRS – Social Skills Rating System – (Gresham & Elliot, 1990), um questionário de 55 perguntas com informações sobre comportamento social em três campos: habilidades sociais, comportamentos inadequados e competência acadêmica).

**Quociente de Autismo (AQ – Autism Spectrum Quotient Test), Baron-Cohen e pesquisadores do Cambridge Research Centre –  escala desenvolvida com o objetivo de ilustrar as características do autismo em adultos. O teste não dispensa o diagnóstico oficial de autismo.

Recomendo a leitura do estudo em foco que inclui diversos resultados de pesquisas anteriores, para maior esclarecimento.

Estudo: 

https://journals.sagepub.com/doi/full/10.1177/27546330231216548 

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Jornalista, mãe de um autista adulto, radicada na Holanda desde 1985, escritora — autora do livro Caminhos do Espectro (lançado no Brasil em dezembro de 2021) —, especialista em autismo & desenvolvimento e autismo & comunicação, além de ativista internacional pela causa do autismo.

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