1 de março de 2024

Tempo de Leitura: 2 minutos

Estava perdida em meus pensamentos enquanto assistia vídeos em uma rede social, e vi uma postagem que me intrigou.

Mas, antes de contar o porquê, quero lhe propor um exercício. Se você não for autista, enquanto lê este texto, fique com uma das mãos abrindo e fechando. Sério! Pode parecer inusitado, mas depois você vai entender o motivo. Fiquei abrindo e fechando a mão até eu dizer para parar, combinado?!

Publicidade
ExpoTEA

1, 2, 3… valendo!

Voltando ao assunto do vídeo, ele falava sobre como os autistas são incompreendidos pelos neurotípicos e que, provavelmente por isso, eles nos cobrem tanto o comportamento típico, porque para eles é natural, não precisa pensar, eles simplesmente são assim.

Ser autista é cansativo e é estressante, pois, cada pequeno ato é pensado e consciente. Sinto como se houvesse uma consciência coletiva à qual não tenho acesso, uma espécie de manual que todos nascem com ele, pré-instalado de “fábrica”, e eu não. Uma nuvem de compartilhamento de dados entre as pessoas que faz com que elas pensem e ajam de forma semelhante.

Ainda há pouco fui fazer um carbonara (uma receita de macarrão italiano) e não tinha espaguete, acabei fazendo com penne. Onde já se viu, carbonara com massa curta? (1ª quebra de expectativa!) Fui fritar o bacon e, mesmo tendo secado com papel toalha, como manda a receita, ele espirrou bastante óleo, respingou no fogão todo e até no chão (2ª quebra de expectativa!). Fui quebrar uns ovos para o creme de parmesão e alguns estavam estragados… (3ª quebra de expectativa!) Percalços comuns da vida, não é? Não para mim! Fiquei terrivelmente abalada. O coração disparou. Tirei forças não sei de onde para continuar a fazer o prato. Trêmula, o coração apertado e os olhos afogados em lágrimas. Nem senti o gosto da comida. Vontade de me deitar no chão e chorar. E assim meu dia estava arruinado.

“Ah! mas você não devia ligar para uma besteira dessas, você tem que ser mais forte, todo mundo se frustra” … Ainda está com a mão abrindo e fechando? Pode parar. A mão cansou, não é? Talvez também tenha sido difícil manter o ritmo ao prestar atenção à leitura? Enquanto você fazia esse exercício, seus olhos piscaram aproximadamente 35 vezes. Seu coração contraiu e se distendeu em torno de 130 vezes. Seu pulmão inflou e desinflou umas 25 vezes. Mas porque só sua mão cansou? Porque somente a mão foi um processo consciente, todo o resto foi automático.

Ser autista é viver em modo manual e pensar sobre casa decisão. Vivemos exaustos só de existir neste mundo. Qualquer mínimo imprevisto é a gota d’água do transbordo anunciado. Ficamos exaustos de ir a uma sorveteria e pedir um sorvete no balcão. Não pelo ato em si, mas pela ansiedade que isso gera, nos preparamos com antecedência, escolhemos três sabores diferentes caso um falte. Às vezes não conseguimos escolher nenhum porque a disfunção executiva resolveu aparecer. Eu nem estava com vontade de tomar sorvete mesmo!

Antes de pedir para que a gente faça “um esforço” para ter um comportamento típico, lembre-se de como sua mão se cansou após alguns segundos e de como vivemos exaustos assim por toda a nossa vida!

Kamilla Brandão é membro da Liga dos Autistas, UX designer, empresária, medalhista estadual de tiro esportivo, pretensa escritora, aficionada por qualquer coisa que consiga prender sua atenção.

COMPARTILHAR:

O TOC e TEA é possível?

Autista ou pessoa com autismo?

Publicidade
Assine a Revista Autismo
Assine a nossa Newsletter grátis
Clique aqui se você tem DISLEXIA (saiba mais aqui)