1 de setembro de 2022

Tempo de Leitura: 5 minutos

O desafio de guiar jovens com TEA durante a fase mais delicada do desenvolvimento humano

O TEA – transtorno do espectro do autismo é uma deficiência complexa, sem modelo único, o que faz com que cada pessoa autista tenha a sua própria gama de habilidades e de dificuldades. Na adolescência, surge uma nova preocupação para os pais, pois seus filhos mudam, não somente física, mas emocionalmente.

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Enquanto crianças, os pais se ocupam para que recebam uma educação inclusiva e se saiam bem na escola, tanto no aprendizado pedagógico quanto nas habilidades sociais. Nessa época, é difícil imaginar que seus filhos crescerão, o que, um dia, com certeza, acontece. Os anos seguintes à infância irão marcar a vida do autista, quando haverá a busca de sua identidade como qualquer outro jovem.

Se a infância é a fase mais importante do desenvolvimento humano, a adolescência é a mais difícil devido às mudanças físicas, psicológicas e sociais. Na puberdade, o corpo muda, sendo o primeiro sinal visível de que a criança está passando para a fase seguinte. Voz grossa para os meninos, menstruação para as meninas, pelos pubianos, odor corporal mais forte, surgimento da libido sexual e insegurança emocional são algumas das mudanças na puberdade. 

Algumas famílias relatam que o autismo de seus filhos só ficou patente quando entraram nessa fase, o que não é raro no autismo nível de suporte 1, o mais leve. Enquanto pequenos, apesar de alguns desafios na comunicação, socialização e no comportamento, o autismo com pouca necessidade de suporte pode passar imperceptível para pais e professores. No entanto, ao deixarem o ensino fundamental e entrarem na fase seguinte, muitos destes adolescentes passam por uma mudança bem radical, não somente física, mas principalmente emocional. 

O ambiente previsível e seguro que a maioria recebe nos primeiros anos de idade, de repente, se torna maior, caótico, e imprevisível. As escolas de ensino médio não têm o caráter protetor das escolas anteriores, e viram um mundo novo para muitos adolescentes, onde estes já não têm mais a companhia dos amiguinhos da antiga escola, nem a professora compreensiva, ou seja, a distância (comunicação) entre a família e a escola aumenta. Portanto, é nessa transição que muitos jovens autistas começam a apresentar sinais em seus comportamentos que preocupam seus pais, e é bem capaz que esta fase seja o início do diagnóstico de TEA. Os que já possuíam laudos, mas estavam relativamente bem incluídos na escola, ainda assim, podem apresentar uma virada na conduta geral e até mesmo no seu desempenho acadêmico. Sem dúvida é um momento delicado para a família o de buscar entender o que se passa com o jovem neste período.

Devemos lembrar que a adolescência é um momento delicado para qualquer jovem. No aspecto emocional, estão em busca de sua identidade, de quem realmente são, o que gostam, o que não gostam, a sua preferência sexual, e o mais importante: a busca pela aceitação de seus pares – até mais que a de seus pais, nessa fase de crescimento. Esses jovens, meninos e meninas, começam a se comparar com seus colegas, a imitarem comportamentos de quem consideram cool e a evitarem o que a maioria rejeita. A adolescência é a fase do “fazer parte”. A imitação volta a ser tão importante quanto nos primeiros anos de infância. 

As famílias costumam notar o comportamento que muda, mas com frequência se sentem incapazes de ajudarem seus filhos. Nesse sentido, vemos, por vezes, adolescentes que antes interagiam com seus pais e nesta fase já não querem mais conversar com eles, ou um baixo desempenho nas atividades pedagógicas, ou muita introspecção. Como sempre, não há uma fórmula mágica que antecipe como uma criança vai se comportar na puberdade, porém, nunca é demais que pais se informem sobre o que costuma acontecer na fase que está por vir.

Grandes desafios

“A fase da adolescência é mais longa para os autistas” — a afirmação não é incomum. Muitos adolescentes e adultos autistas não se comportam como os pares da mesma idade. Não é raro que mantenham atividades ou hobbies considerados ultrapassados pelos amigos: desenhos animados, coleções variadas, revistas em quadrinhos, jogos infantis e outros hiperfocos que diferem daqueles característicos da maioria de pessoas não autistas. Alguns escondem essas preferências de seus colegas, com medo de serem julgados por eles; outros, quando revelam essa parte mais jovem, podem sofrer com o bullying que costuma acontecer, principalmente, no ensino médio.

Fato é que o autista adolescente, mesmo sem diagnóstico, acaba por perceber que é diferente dos demais e encontra uma grande dificuldade de se encaixar em grupos da mesma idade nas conversas. 

“Toda vez que eu acho que é minha vez de falar, outra pessoa muda de assunto.“

“Eu nunca sei quando é minha vez de falar, então acabo ficando calado.”

“O pessoal ri de mim, mas eu nunca entendo o porquê”.

Não é fácil ser um adolescente autista. Se é bom aluno, todos esperam que saiba se comportar como os outros e entender tudo, sem explicação. Às vezes, até na própria família existem cobranças de um comportamento que o jovem autista não consegue ter se não houver um acompanhamento terapêutico que funcione como elo nessa compreensão das regras sociais (não escritas) dos neurotípicos. Como a expressão facial/corporal, o modo de falar, andar, a linguagem, o contato visual, a distância física entre pessoas (ao falar, não chegar perto demais do outro, invadindo seu espaço físico), etc. Muitas vezes é nessa época que o jovem autista se dá conta de que é diferente.

O que a família pode fazer

Autistas sempre serão autistas. O melhor que a família faz é encontrar maneiras de o jovem cultivar uma boa autoestima. Trabalhar a autoestima do jovem autista vai colaborar para que ele/ela tenha uma ideia real de si mesmo, busque sua identidade, sabendo que o autismo é parte dela, sem se sentir diminuído por isso. Neste sentido, é uma fase em que sessões com um psicólogo (com conhecimento em TEA) podem ser essenciais.

Os pais podem ajudar em muita coisa, porém, não em tudo. O diálogo com a escola pode ser bem efetivo para dar atenção a situações que envolvam o autista e agir em favor do seu desenvolvimento e bem-estar. Em casa, dar espaço para seu filho também pode ser bom. Nem todos vão querer conversar com os pais e contar os detalhes que aconteceram na escola ou no clube. Forçar uma conversa não é favorável, mas estimular o filho a falar sempre é. Fazer perguntas curtas, para ter uma ideia do que se passa na cabeça dele.

Cuidado com o feedback de que estão “cansados”. Isso pode ser um jeito de não saberem expressar que estão tristes, com medo, ou ansiosos. Lembrem-se que a comunicação, ou o modo de expressarem desconforto emocional, não é sempre igual ao dos jovens neurotípicos. Pais e professores devem interpretar o que o jovem tenta dizer, com perguntas diretas, para ajudá-los a nomear o sentimento.

“Eu sou autista e muito mais!”

Na busca de sua identidade, saber-se autista é muito importante, ainda que o jovem decida não revelar o autismo. Conhecer suas habilidades e dificuldades vai trazer-lhe autoconhecimento.

Muitos jovens autistas não querem falar sobre seus autismos, por vergonha (de não serem iguais aos outros), por receio de julgamento. Nesse caso, ainda se não houver diálogo, seus pais devem deixar claro que o aceitam e estarão sempre a seu lado para quando quiserem conversar.

Sempre que houver preocupação com o comportamento do adolescente autista, as perguntas-chave são:

  • Quais são os problemas que esse jovem apresenta?
  • O que vai bem e o que não vai?
  • O que impede o jovem de se sentir bem?
  • Como mudar o novo comportamento?
  • Quem pode ajudar nessa mudança de comportamento?

A adolescência é uma fase que pode durar bastante para o jovem com TEA, porém, assim como qualquer fase, será superada. Com o apoio da família e dos profissionais que os atendem, esses jovens estarão aptos a evoluir para a vida adulta.

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Jornalista, mãe de um autista adulto, radicada na Holanda desde 1985, escritora — autora do livro Caminhos do Espectro (lançado no Brasil em dezembro de 2021) —, especialista em autismo & desenvolvimento e autismo & comunicação, além de ativista internacional pela causa do autismo.

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