8 de setembro de 2022

Tempo de Leitura: 2 minutos

É interessante como os clientes nos trazem seus sonhos como uma forma de antever o futuro. O sonho tem uma magia que mistura premonição e superstição. Além disso, eles são trazidos às sessões como questionamentos ao oráculo.

Para muitos de nós, psicólogos, os sonhos são conversas nossas conosco, utilizando materiais de nossa memória para nos comunicar algo.

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Pois bem. Um dia desses, um jovem autista que atendo desde os 8 anos (hoje tem 17) me manda uma mensagem pedindo uma sessão extra. Agendamos e ele que me contar sobre seus sonhos.

“Paula, tive uns sonhos muito esquisitos e acho que eles querem me dizer alguma coisa de importante. Tenho uma sensação esquisita aqui dentro. É sério, preciso contar.”

E ele inicia sua narrativa: primeiro eram bebes mortos, fotos em preto e branco. Imediatamente me remeto ao seu hiperfoco de quando tinha uns 10 anos e que buscava na internet fotos de bebês natimortos. Em seguida, passa a relatar que vai caminhando no sonho e vai vendo o cenário mudar, principalmente nas cores. Ao final, ele está em um ambiente colorido e acolhedor, muito feliz.

Digo a ele se ele se lembra do período que buscava fotos dos bebês na internet. Ele fica meio sem fala. Me olha e diz que parece que o sonho mostrou a ele como em um filme todo seu processo. Ele pergunta: esse sonho pode ser sobre meu autismo? Respondo que sim.

Dai em diante, ele passa a rever as cenas do sonho e seu próprio caminho de desenvolvimento; remete à alegria do sonho, a sensação de liberdade quando finalmente reconhece suas diferenças e sua compreensão sobre aspectos do autismo. Olha para mim e diz: Estou livre! Estou livre do pesadelo de querer ser “normal”, de querer ser quem não sou.

Confesso que meus olhos marejaram. Meu coração pulava de felicidade. E ele ainda me disse: “Você pode contar essa história para todo mundo. Todo mundo pode aprender que aceitar o autismo é libertador”. E foi assim com ele e outros garotos; lentamente, pouco a pouco, entendendo essa diversidade mental que torna cada um uma pessoa única e cheia de surpresas.

Ele hoje tem uma turma de colégio (que só sai uma vez por semana por preferir a casa dele) e se prepara para o vestibular de biologia. Quer ser malacologista, especialista em moluscos; cria caracóis há anos e vem se aprofundando no estudo deles.

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É psicóloga clínica, terapeuta de família, diretora do Centro de Convivência Movimento – local de atendimento para autistas –, autora de vários artigos e capítulos de livros, membro do GT de TEA da SMPD de São Paulo e membro do Eu me Protejo (Prêmio Neide Castanha de Direitos Humanos de Crianças e Adolescentes 2020, na categoria Produção de Conhecimento).

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