19 de abril de 2023

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No dia 29 de março tive a honra de mediar o primeiro painel do 2º Simpósio Internacional pela Inclusão no Ensino Superior, “Educação como Direito e o Direito à Educação: a Pedagogia Humanizadora como Instrumento de Inclusão”, com o professor Cesar Nunes, da Unicamp.

A partir de uma análise histórica, o professor trouxe o desafio fundamental para a inclusão na universidade. Primeiro, é necessário considerar a origem do Estado Brasileiro. “O modelo histórico de dominação transformou os povos e interesses da América em parte do projeto europeu de exploração”. Já havia na América sociedade e cultura, que foram sistematicamente reprimidas para a instalação de um sistema político de exploração a serviço de elites. “O Estado brasileiro sempre foi um agente de violação dos direitos humanos”, afirmou em sua fala.

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Com a economia voltada às necessidades das potências do norte global, fez-se necessário ter uma reserva de mão de obra escrava ou escravizada. Hoje, isso é perpetuado com a estratificação social imposta pela inacessibilidade ao ambiente universitário. Perpetua-se por meio deste modelo um formato em que classe social é determinante para definir a trajetória acadêmica e profissional de um cidadão.

“Esses são alicerces da sociedade e cultura brasileiras, que nasce de um estado escravocrata e economia predatória. É o único estado das Américas que teve império, um regime que na Europa já tinha sido superado e que retardou em 80 anos nossa modernidade política, econômica e social”, explica Cesar.

O cenário é agravado quando levamos em conta a história da universidade. “Ela é medieval, foi criada por reis e pela igreja – é uma instituição de privilégios. O primeiro filho da nobreza era o herdeiro, das posses e poder. O segundo, tornava-se clérigo. O terceiro ia para a universidade por não ter nem vocação nem dinheiro.” Mas na Europa, a partir dos movimentos revolucionários em 1848, a matriz da instituição foi radicalmente modificada em direção de um ideal democrático e universalista.

No Brasil, a quebra desse paradigma é uma tarefa complexa. A universidade enquanto instituição é recente, fundada na década de 30 por Getúlio Vargas. “Havia faculdades isoladas, de medicina, direito, engenharia – mas construídas a partir da ocupação das famílias ricas, para servir os filhos dos barões de café, de cacau.” Esse legado ainda existe em grupos que defendem que o ensino superior deve ser reservado a quem tem uma certa origem de classe.

Movimentos políticos reacionários que ocuparam a política brasileira nos últimos 6 anos atuaram neste sentido. Em 4 anos, a cobertura nacional do ensino superior caiu 3%. Enquanto no Brasil apenas 17,7% dos jovens tem acesso à universidade. Ao considerar toda a população, o número é desanimador: 3,8% dos brasileiros chegam à universidade.

A lógica de que a Universidade é para poucos, explicou o professor, é complementada pela falsa narrativa de que o processos seletivo é meritocrático. “A seleção vem pelo padrão do normal e do patológico. O melhor e o pior. O poderoso e o inferior. Não à toa usamos a nomenclatura de educação básica e superior. Falta entender que esse ensino não é superior ao básico, é outro ensino. Isso reforça a universidade como um lugar de exercício de poder: autoritário, discriminatório, preconceituoso e estigmatizante. O vestibular só revela a incapacidade de uma sociedade colocar todos na universidade – nunca a qualidade e o valor daqueles que fazem a prova”, afirma o professor.

É necessário recriar as matrizes da universidade, como foi feito na Europa. “Em 1988, saímos de uma ditadura perversa. Reconstruímos os movimentos sociais, quebramos a ditadura pelo meio, construímos uma nova constituição. Podemos construir uma nova matriz para a sociedade. Primeiro, precisamos resistir ao momento autoritário. Depois, devemos produzir uma identidade plena de cidadania. Precisamos lutar pela dignidade e respeito do autista como pessoa integral e plena, e garantir o acesso ao ambiente universitário. Mas acessibilidade não é inclusão. Inclusão é garantir o respeito à dignidade plena em todos os setores da sociedade”, completa Nunes.

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Thomás Levy é um homem branco cisgênero, autista, LGBTQIAP+, de 38 anos. É formado em Jornalismo com pós graduação em semiótica pela PUC-SP e atualmente atua como chefe de comunicação da deputada estadual Andréa Werner.

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