1 de março de 2020

Tempo de Leitura: 2 minutos

Gosto de escrever sobre assuntos menos penosos, afinal sou uma pessoa intrinsecamente otimista. Mas, em vista do recente suicídio de uma mãe de autista, como me eximir de discutir tal assunto? Sou otimista, sim, mas com os pés bem plantados na realidade.

Acontece que nossa sociedade é hipócrita.

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A começar pelo fato de usar dois pesos e duas medidas, uma para os homens e outra para as mulheres. É, geralmente, visto como comum os pais terminarem seus relacionamentos e deixarem seus filhos com as mães, mormente se são crianças com deficiências. Por outro lado, toma-se como assente que as mães ficarão com seus filhos. Ninguém, homem ou mulher, deveria achar “normal” abrir mão dos filhos, mas é frequente as mães arcarem com a criação dos filhos, em caso de separação do casal. De forma que nos cabe, a nós mães, a batalha diária de criar os filhos, e, se tivermos muita sorte, o pai pagará uma pensão alimentícia aos filhos e, a cada 15 dias, os visitará. 

Some-se a isso o discurso do: “mães especiais”, “vocês são fortalezas”, “Deus capacita”, etc e tal. Não é assim. Somos pessoas absolutamente normais, e aí é que mora o perigo. Uma parcela considerável de mulheres arca com o trabalho insano de cuidar de filhos dentro do espectro, alguns com sérias comorbidades, sozinhas. Absolutamente sozinhas. Não tem como aguentar essa situação, por anos e anos, sem danos emocionais e físicos muito grandes. Não é uma questão de amar mais ou amar menos, é questão de exaustão e colapso. 

Nossa sociedade não assume, de boa vontade, a responsabilidade por seus cidadãos com deficiências, e sim como uma obrigação. Essa fala sobre “mães especiais” tem a finalidade de apaziguar as consciências pesadas e jogar o problema no colo das famílias, e, como sabemos, uma grande parte dessas famílias é constituída somente por mãe e filhos. É uma situação desumana.

Quero crer que esse quadro esteja mudando. Conheço muitos pais presentes e atuantes, engajados nessa batalha diária pelos filhos. São esteios e um porto seguro para toda a família, principalmente para as mães. Sei disso porque tenho a sorte de contar com um marido assim, mas, na minha geração (cheguei aos 65 anos) isso não é tão frequente. 

Tendo em vista a crescente incidência do TEA, espero e torço para que as novas gerações tenham um olhar mais humano, e assumam suas responsabilidades por todos os seus membros enquanto sociedade — incluindo a parcela masculina da sociedade, pais de filhos com deficiências, ou não.  Apenas se isso acontecer, deixaremos de tomar conhecimento de casos como o dessa mãe, que por anos e anos batalhou por seu filho seriamente comprometido e, vendo-se sozinha, sem recursos, sem família, , sem condições de receber o que por lei lhe era devido (por incrível que pareça, quase sempre precisamos ir à justiça para obter direitos que, em tese, nos são assegurados), por absoluta exaustão, desistiu da própria vida.

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É casada e mãe de dois filhos, sendo o mais moço autista severo. Formou-se em odontologia, exerceu a profissão até 2006, quando decidiu dedicar-se integralmente ao filho.

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Espectro Artista: Augusto Mangussi

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