30 de março de 2023

Tempo de Leitura: 3 minutos

Impossível ter acompanhado o sem-número de “denúncias” feitas nas redes sociais sobre maus-tratos e violência contra pessoas com deficiência desde janeiro.

O foco tem sido os autistas, seja pelas peculiaridades que envolvem o espectro, seja pelas respostas em forma de crise que dão ao desrespeito que recebem, seja pela alienação e total esquecimento que adultos “qualificados” expressam aos cuidados de autistas de nível 3 de suporte.

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Já estive em diversos hospitais, públicos e privados, acompanhando famílias com filhos autistas e sei bem como funciona. A resposta óbvia é chamar a psiquiatria. E a resposta óbvia da psiquiatria é mandar amarrar, sedar e, se não funcionar, internar em clínicas especializadas. Fico feliz por ter estado presente em inúmeras internações e ter evitado esse processo ineficaz da psiquiatria clássica e ultrapassada. Cabe ressaltar que o TEAMM – UNIFESP recebe residentes de psiquiatria para acompanhar os trabalhos que fazemos com autistas e famílias e, assim, desenvolver um olhar mais humano e clínico no atendimento. Um raio de luz na profundidade dos oceanos.

Ainda, gostaria de complementar que toda e qualquer ação que se refere a um tratamento digno e respeitoso vem da sociedade civil e raríssimamente dos profissionais ligados a cargos públicos. E é exatamente por isso que a luta e o ativismo não podem parar ou se calar diante das incoerências e de atitudes abomináveis.

Este link é uma das atitudes abomináveis a que me refiro e que não podem mais existir. Não é possível que a humanidade desenvolva carros que andam sozinhos, que desenvolveram uma ferramenta de IA que escreve textos e ainda não tenhamos a dignidade de acolher uma pessoa em crise e com medo.

No caso citado, estamos falando de pessoas da saúde, profissionais que deveriam estar preparados para as mais diversas situações, e é isso que presenciamos?

As secretarias de saúde, educação e PCD precisam caminhar juntas, precisam se debruçar em capacitação e informação para dar mais amparo aos seus agentes. Precisam lutar por locais de trabalho mais dignos e seguros, melhores salários e muito mais formação. Um profissional cuidado oferece mais cuidados, simples assim. Já passou da hora de reestruturarmos tudo o que ficou sucateado durante décadas. Não dá mais para vivermos uma saúde e uma educação do século XIX em pleno século XXI.

Temos leis que, por exemplo, reduzem o número de alunos em sala de aula quando há pessoas com deficiência na turma. De que adianta se não sai do papel e se não há fiscalização? Não há fiscalização porque o próprio Estado teria que contratar mais professores e fazer mais salas de aula. Não há interesse.

O cerne da questão não está na ponta do icebergue, mas na outra extremidade. Temos aqui uma pirâmide ao avesso, onde a base manda, distribui o dinheiro sem prioridade real para a população, com centenas de ‘chefes’ e o topo tem “que se virar nos 30” com o que recebem de informação, material e mão de obra; aliás, estressada, desgastada e sobrecarregada de incoerências e conflitos.
2023 mal começou e já temos crianças autistas que saem das escolas sem ninguém perceber, mães acusadas de não terem o que fazer quando lutam pelos direitos dos seus filhos, pacientes quase atacados por profissionais de saúde, crianças amarradas, gritos e palavras de ordens sem sentido para crianças que claramente não estão compreendendo os contextos; enfim, violência e mais violência. Física e emocional.

Precisamos dar um basta nisso. Precisamos lutar por dignidade e respeito aos que oferecem o serviço e aos que o recebem. Precisamos mostrar ao Estado que não somos reféns desse cárcere psicológico onde ficamos uns contra os outros quando estamos todos do mesmo lado.

Aos leitores, um aviso: leiam com atenção e calma. Não há aqui qualquer ataque aos atuais governos. Falo de décadas de negligência e descaso. Mas essa é a hora. Basta de violência.

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É psicóloga clínica, terapeuta de família, diretora do Centro de Convivência Movimento – local de atendimento para autistas –, autora de vários artigos e capítulos de livros, membro do GT de TEA da SMPD de São Paulo e membro do Eu me Protejo (Prêmio Neide Castanha de Direitos Humanos de Crianças e Adolescentes 2020, na categoria Produção de Conhecimento).

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