24 de setembro de 2021

Tempo de Leitura: 3 minutos

A comunicação do autista na vida diária, acima de tudo, é o desafio para autistas de todas as idades. A dificuldade em se comunicar traz consequências nas relações sociais. Ou seja, para expressar sentimentos, sensações, transmitir informações, opiniões. E até de expressar desejos.

A comunicação é uma ferramenta indispensável à vida de todos. Da mesma forma que ela estreita laços, aproxima as pessoas, pode, também, dificultar a vida dos autistas. Mesmo após o curso em Comunicação Social, eu, autista adulta, ainda sinto dificuldades em entender a complexidade das comunicações sociais.

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Minha dificuldade para me comunicar

Com base nos estudos de Klin Jones (2002), com relação à comunicação e à linguagem no TEA, Transtorno do Espectro do Autismo, eu ainda mantenho os tópicos:

  1. Nem sempre compreendo o propósito da comunicação.
  2. Quase nunca demonstro ou compartilho interesses com os outros.
  3. Faço uso limitado ou inadequado de gestos, contato visual, expressões faciais ou linguagem corporal.
  4. Tenho bom vocabulário e fala fluente, mas muitas vezes, não me comunicar de maneira eficaz.
  5. Tenho dificuldade em entender mensagens não explícitas.
  6. Apresento forte rigidez cerebral, o que fica evidente em atividades restritas, obsessivas ou repetitivas.
  7. Tenho dificuldade para generalizar habilidades e para me adaptar a novas situações. A rotina me faz bem.
  8. Ainda tenho baixo limiar de frustração. Posso me desorganizar diante de expectativas não concretizadas ou obstáculos.
  9. Tenho dificuldade para entender o contexto social. Posso ser bem literal.
  10. Tenho expressões de humor descontextualizadas. O que se torna um perigo em grupos sociais.
  11. Tenho crises de riso ou de choro inexplicáveis.
  12. Apresento certo desconforto ao contato corporal.
  13. Ainda tenho stims (estereotipias motoras) para me organizar

A comunicação na vida diária

Como tantas características passaram despercebidas durante anos de minha vida? Simples, porque a sociedade, de maneira geral, cobra da mulher mais interação social e educação refinada.

Constatei isso, diante de minhas dificuldades de interação na infância, adolescência e… até hoje. Se eu desempenho o papel esperado nas relações sociais, eu sou aceita. Embora, meu esforço me custe saúde e me faça sofrer. Ninguém, (exceto minha mãe e irmãs), se preocupou com isso.

Mas, a cada atitude inadequada no convívio social, sou duramente apontada, rotulada e julgada. Muitas vezes, não entendo o que a pessoa está querendo dizer. Então, sorrio e falo, casualmente, o que entendi. A pessoa reage, amigavelmente, e me corrigi. Normalmente, na segunda tentativa eu entendo.

Não consigo me divertir com atividades da maioria das pessoas. Assim, sou vista, como alguém com jeito esquisito. Mais uma vez me calo, ou sorrio, tentando manter leveza para que o turbilhão de sentimentos não se aflore. Aliás, o sorriso sempre foi minha arma secreta quando me sinto constrangida.

Nunca soube o que fazer com minhas mãos. E nem como manter a postura de meu corpo (que parecia estar dissociado de mim, flutuando). Eu até tentei copiar os gestos de outras pessoas. Porém, não deu certo. Afinal, eu não conseguia entender que expressão corporal servia a cada contexto. Portanto, nesse quesito, as aulas de teatro foram um bálsamo em minha vida.

Por que a comunicação inadequada afasta as pessoas

Sempre fui muito falante. Era como se tivesse um discurso pronto. Entretanto, nem sempre eu entendia o contexto. Articulava as palavras de maneira acelerada. Abria a boca e não conseguia fechar. Como resultado, foi muito constrangedor quando percebi o quanto isso incomoda as pessoas.

Aliás, percebi não. A verdade foi lançada em mim, sem cuidado ou avaliação prévia. Não era importante para o outro entender o motivo de eu ser assim. Desse modo, não tive dúvidas. Abandonei a carreira na construção civil como técnica em edificações e me lancei à graduação em Comunicação Social. Dizer uma coisa e ser entendida de outra forma, havia transformado minha vida num inferno.

Estratégias iniciais para minha comunicação

Entrei no mercado de trabalho aos 18 anos. Foi uma das situações mais difíceis que vivi. As pessoas não eram coerentes. Pareciam ser, mas não eram. Queriam dizer uma coisa, mas falavam outra. Afirmavam que gostavam de você, mas puxavam o seu tapete. Enfim, era tudo muito complexo.

Para não enlouquecer – ou morrer, resolvi me comunicar num terreno mais conhecido. Passei a conviver com as pessoas pela via do coração. Assim, elogiava algo nela que era, de fato, elogiável. Ouvia sem interromper. Ajudava sempre que solicitada. Jamais repassava à frente algo que me era dito em segredo. Confiança é algo muito valioso para se perder por bobagens. Demonstrava interesse genuíno pelo que percebia ser interesse do outro.

Sempre me informava sobre alguém que eu teria de conhecer. Mesmo sem a internet. Fazia verdadeiras pesquisas. Fato que me levou a ser uma excelente produtora e apuradora de notícias como jornalista, mais tarde.

Entretanto, dificilmente esses meus cuidados eram via de mão dupla. A pessoa gostava de falar, de estar comigo. No entanto a balança era desigual. Frequentemente, eu doava mais que recebia.

O que me salvou foram as boas pessoas que cruzaram meu caminho. Elas fizeram a diferença. E possibilitaram a construção de um mundo mais ameno para mim. Entretanto, ainda hoje, as relações sociais são um grande, um imenso esforço para mim.

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Jornalista e relações públicas, diagnosticada com autismo, autora dos livros "Minha Vida de Trás pra Frente", "Dez Anos Depois", "Camaleônicos" e "Autismo no Feminino", mantém o site "O Mundo Autista" no Portal UAI e o canal do YouTube "Mundo Autista".

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