8 de março de 2024

Tempo de Leitura: 5 minutos

Um único gene pode significar a diferença entre ter uma personalidade de “arroz de festa” e enfrentar dificuldades sociais, sugere uma nova pesquisa. O achado pode conduzir ao desenvolvimento de um tratamento para as dificuldades sociais do autismo. Indivíduos com a síndrome de Williams (outra condição de saúde do neurodesenvolvimento) têm uma personalidade gregária, amigável, típica das interações em festas, por outro lado, aqueles com a alteração genética oposta tendem a apresentar traços autísticos e são propensos a enfrentar dificuldades sociais.

Graças a novas descobertas realizadas por pesquisadores do Instituto de Células-Tronco Sanford e da Universidade da Califórnia em San Diego (UCSD), nos EUA, os cientistas agora têm uma melhor compreensão do porquê dessa diferença. A pesquisa, publicada hoje na revista científica Cell Reports, pode ajudar a explicar as variações na personalidade humana e até mesmo levar ao desenvolvimento de um tratamento que facilite para alguns indivíduos com autismo funcionarem melhor em sociedade.

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“Essas descobertas de vias moleculares que controlam a socialização humana, podem ser exploradas com medicamentos para o tratamento dos autistas que precisam melhorar a parte cognitiva social”, disse o autor principal do estudo, Dr. Alysson Muotri, em entrevista exclusiva ao Portal da Tismoo e à Revista Autismo.

Síndrome de Williams

Frequentemente referida como “o oposto do autismo”, a síndrome de Williams é uma condição genética rara causada pela deleção de cerca de 25 genes na região cromossômica 7q11.23. Essa alteração produz uma série de sintomas, como doenças cardíacas e atraso no desenvolvimento. Ela se caracteriza por uma personalidade extremamente envolvente com alta sociabilidade, loquacidade e um vocabulário que mascara um QI tipicamente abaixo da média.

No entanto, as habilidades sociais da síndrome de Williams são uma espada de dois gumes. Indivíduos com essa condição paradoxal envolvem-se facilmente com estranhos, tornando-os particularmente vulneráveis a abusos e bullying.

Em vez de uma deleção de genes na região cromossômica 7q11.23, o DNA de algumas pessoas apresenta uma duplicação, resultando em comportamentos que são, por vezes, bastante opostos àqueles exibidos por indivíduos com a síndrome de Williams. Aqueles com essa rara alteração genética oposta — conhecida como síndrome de duplicação 7q11.23 — normalmente experimentam sintomas, incluindo autismo, fobia social e mutismo seletivo.

Ilustração original do estudo da equipe de Muotri.

Gene GTF2I

Embora a região genética mais ampla subjacente à síndrome de Williams tenha sido previamente estudada, cientistas da UCSD hipotetizaram que um gene em particular, o GTF2I, é predominantemente responsável pela variação social vista nessa condição de saúde. “Gosto de descrever este gene como o gene do preconceito”, disse o Dr. Alysson Muotri, diretor do Centro de Pesquisa Orbital de Células-Tronco Integradas ao Espaço da UC San Diego e cofundador das startups Tismoo Biotech e da healthtech Tismoo.me.

Para aprender mais sobre seu papel, os pesquisadores utilizaram células-tronco pluripotentes humanas para criar “minicérebros”, que imitam o cérebro humano durante o desenvolvimento fetal, sem o gene GFT2I. Com 2 meses de idade, esses organoides cerebrais eram menores que aqueles com GTF2I. De fato, a perda do gene resultou em aumento da morte celular, diminuição da atividade elétrica e defeitos nas sinapses, as conexões eletroquímicas que permitem que os neurônios se comuniquem entre si.

Os pesquisadores ainda não entendem completamente por que a alteração do gene GTF2I afeta o cérebro dessa forma. A equipe hipotetiza que o aumento da morte celular reduz o número de células no cérebro e, portanto, sua atividade elétrica. Também é possível que o gene ajude a reparar sinapses, o que significa que aqueles sem ele têm um número maior dessas que permanecem sem reparo.

Socialização

Centenas de genes têm sido associados ao autismo, mas o GTF2I “é o único gene do qual temos conhecimento que regula a socialização de forma mais direta”, disse Muotri. A nova pesquisa sugere que, quando se trata de sociabilidade, esse gene é o principal ator no desenvolvimento cerebral fetal. De fato, indivíduos sem as síndromes de Williams ou duplicação 7q11.23 — ou seja, a maioria de nós — têm uma dosagem genética equilibrada de GTF2I e não são nem hiper nem hipossociais.

As descobertas do novo estudo estão alinhadas com trabalhos anteriores que demonstraram hipersociabilidade em animais que não possuem o GTF2I. Por exemplo, moscas da fruta que não têm esse gene, preferem comer juntas, sem a usual “bolha social” obrigatória, e camundongos que tiveram o gene deletado são mais amigáveis que a maioria. Além disso, incrivelmente, alterações em um outro gene, que controla a função do GTF2I — potencialmente desligando-o —, podem ser pelo menos parcialmente responsáveis pela disposição amorosa e amigável de cães domésticos comparados a lobos selvagens.

Medicamento

Graças às descobertas da equipe de Muotri, a esperança pode estar no horizonte para aqueles com autismo ligado ao GFT2I. A pesquisa abriu caminho para o desenvolvimento potencial de um medicamento que regula a expressão desse gene, facilitando a interação social para indivíduos afetados. Esse tratamento também pode ajudar aqueles que têm um gene GFT2I normal que foi “desligado” pelo epigenoma (reguladores bioquímicos que modificam como nossos genes são expressos durante o desenvolvimento e ao longo da vida).

O trabalho da equipe também lança luz sobre a evolução da socialidade humana, argumenta Muotri. Chimpanzés — o parente evolutivo mais próximo dos humanos — são sociais, mas apenas até certo ponto, preferindo lidar com apenas alguns outros chimpanzés de cada vez. Humanos, por outro lado, “criam grandes comunidades nas quais confiamos uns nos outros sem realmente nos conhecermos”, disse ele. Caso em questão: “Quando você entra em um avião, você não pede para ver a licença do piloto”, exemplificou Dr. Alysson Muotri.

GFT2I é “provavelmente um dos genes que ajudam os humanos a alcançar esse equilíbrio seguro, em que confiamos na comunidade, mas às vezes não confiamos uns nos outros no mesmo grau”, disse ele, que ainda acrescentou: “Há um ajuste fino da socialização em humanos que você não vê em outras espécies”.

O resultado é a capacidade de colaborar efetivamente. E tal colaboração, Muotri afirma, tem sido chave para as maiores conquistas da humanidade: “É quando cooperamos que podemos colocar um homem na lua. É quando cooperamos que podemos decodificar o genoma humano. Porque trabalhamos juntos”, finalizou Dr. Muotri, que foi convidado pela Nasa para ser o primeiro cientista do mundo a ir pessoalmente à Estação Espacial Internacional (ISS, na sigla em inglês para International Space Station) conduzir pesquisas sobre autismo, cérebro e neurodesenvolvimento em microgravidade em 2024 ou 2025.

O estudo, que pode ser lido neste link, contou ainda com os seguintes coautores: Jason W. Adams, Annabelle Vinokur, Janaína S. de Souza, Charles Austria, Bruno S. Guerra, Roberto H. Herai e Karl J. Wahlin.

 

CONTEÚDO EXTRA

 

(Originalmente publicado no Portal da Tismoo)Originalmente publicado no Portal da Tismoo)

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Editor-chefe da Revista Autismo, jornalista, empreendedor.

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