23 de maio de 2025

Tempo de Leitura: 6 minutos

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Pela primeira vez na história, o Brasil tem um dado oficial sobre o número de pessoas com diagnóstico de autismo. Segundo os resultados preliminares da amostra do Censo Demográfico 2022, divulgados hoje (23.mai.2025) pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 2,4 milhões de brasileiros declararam ter recebido diagnóstico de transtorno do espectro do autismo (TEA) por algum profissional de saúde. O número representa 1,2% da população residente no país com 2 anos de idade ou mais. A prevalência do diagnóstico de autismo foi maior entre os homens (1,5%) do que entre as mulheres (0,9%), seguindo a tendência já observada em estudos internacionais  — uma proporção de 1,4 homens para 1 mulher. O dado mais expressivo, no entanto, aparece na faixa etária entre 5 e 9 anos: 2,6% das crianças brasileiras nessa idade foram identificadas com TEA, o que equivale a 1 em cada 38 crianças. Nesse grupo, a diferença entre os sexos também é significativa: entre os meninos, a taxa é de 3,8% (264 mil), enquanto entre as meninas é de 1,3% (86 mil) — 3,1 para 1.

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Para a médica psiquiatra Dra. Rosa Magaly Moraes, “ter esses dados oficiais coloca o Brasil junto a outros países como Estados Unidos, Coreia, Austrália, que, independente de que continente a gente esteja falando, traz consistência para a prevalência dentro de uma mesma média, dentro de um mesmo intervalo em relação ao TEA”, disse ela, com exclusividade à Revista Autismo. É imprescindível destacar que os dados são autodeclarados, ou seja, um agente do IBGE perguntou e uma pessoa da família respondeu sobre ter alguém naquela casa que recebeu um diagnóstico de autismo feito por um profissional de saúde. Não foi exigido laudo, nem investigado esse diagnóstico. Outro ponto bem importante é destacarmos que ainda há muitos autistas sem diagnóstico, portanto o número do IBGE não contempla a quantidade de autistas no país e sim o total de diagnósticos de TEA. A maior quantidade de diagnósticos por faixa etária (de 5 a 9 anos) dá uma importante pista sobre a quantidade total de autistas no país, considerando que essas pessoas nasceram autistas e serão autistas ao longo da vida, portanto, por essa lógica, seria possível dizer que o Brasil pode ter mais de 5,5 milhões de autistas (1 em 38), sem considerar os diagnósticos tardios, ainda não mapeados por aqui — foram 359,9 mil diagnósticos entre o total de 13,6 milhões de crianças de 5 a 9 anos.

“Esses dados trazem uma base sólida para justificar políticas públicas específicas para o TEA, além de dados que fazem com que a gente pense em subgrupos ligados, por exemplo, ao gênero e alocação de recursos para pesquisa que visem investigar, não só a etiologia, a identificação, mas a melhor forma de intervenção dentro de um contexto comunitário e de saúde pública”, argumentou Moraes, que é especialista em psiquiatria da infância e adolescência. Quanto aos desafios do diagnóstico de autismo no Brasil, Dra. Rosa Magaly é contundente: “A primeira barreira é a falta de conhecimento ainda e a falta de treinamento especializado em muitos profissionais de saúde e educação, que carecem de uma capacitação sobre o tema, para identificar não só os sinais e sintomas de TEA, principalmente naquelas populações que nem sempre são bem caracterizadas dentro dos manuais de diagnóstico, como crianças muito pequenas, mulheres ou pessoas que têm uma inteligência preservada ou acima da média, ou mesmo quando a gente está falando aí da adultez ou de pessoas mais velhas, mas, independente disso, também que sejam capazes de identificar o que não é autismo”, disse a médica.

Comparação com dados dos EUA

Ao comparar esses dados com os últimos números divulgados pelo CDC (Centro de Controle e Prevenção de Doenças do governo dos EUA), em 17.abr.2025, observa-se que o Brasil apresenta um índice semelhante — deve-se considerar, porém, a grande diferença de metodologia entre eles. O estudo norte-americano indicou que 1 em cada 31 crianças de 8 anos nos Estados Unidos está dentro do espectro do autismo, o que corresponde a uma prevalência de 3,2%. Embora o número brasileiro esteja levemente abaixo, a proximidade entre os percentuais reforça a importância de acesso à saúde para a identificação precoce e o diagnóstico clínico criterioso. Na relação entre gêneros, o CDC (em crianças de 8 anos) aponta para 3,4 homens para cada mulher; o IBGE, na faixa etária mais próxima (5 a 9 anos), mostra uma relação muito próxima, de  3,1:1.

Outro dado que chama a atenção no levantamento brasileiro é o nível de escolaridade das pessoas diagnosticadas com autismo. Quase metade (46,1%) dessa população está no grupo sem instrução ou com o ensino fundamental incompleto. Ainda assim, a taxa de escolarização das pessoas com TEA com 6 anos ou mais (36,9%) é superior à da população geral (24,3%), o que pode indicar maior concentração de diagnósticos em faixas etárias mais jovens, com acesso mais recente à educação inclusiva.

No recorte por etnias, vemos no Brasil um percentual maior de diagnóstico entre brancos (1,3%) sugerindo o mesmo que já se viu nos estudos passados do CDC, nos EUA: diagnóstico maior nas populações com maior acesso à saúde. Negros (1,1%) e indígenas (0,9%), sabidamente no Brasil com menos acesso à saúde, apresentam, segundo o IBGE, os menores percentuais de diagnóstico de autismo. “De certa forma [isso] dá espaço para fazermos uma inferência de que a dificuldade de acesso é que diminui o diagnóstico, porque nada diz que, por exemplo, pretos e pardos têm menos TEA do que a população branca em geral, principalmente no Brasil, um país miscigenado como a gente é, do ponto de vista genético”, explicou a Dra. Rosa Magaly Moraes, que é voluntária do Programa de Diagnóstico do Transtorno do Espectro Autista do Instituto de Psiquiatria (IPq) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP (HC-FMUSP).

Autistas nas escolas brasileiras

Entre os estudantes autistas, a maioria (66,8%) está matriculada no ensino fundamental regular, totalizando mais de 508 mil alunos. Já o total de estudantes com diagnóstico de autismo (com 6 anos ou mais) alcança 760,8 mil. Esses números são fundamentais para o planejamento de políticas públicas em áreas como educação, saúde e inclusão social. A expectativa, agora, é que os dados sirvam de base para avanços estruturantes em atendimento e suporte às pessoas com diagnóstico de autismo e suas famílias em todo o país.

Além dos dados sobre o autismo, o IBGE também divulgou informações relevantes sobre a população com deficiência de um modo geral. Em 2022, o Brasil tinha 14,4 milhões de pessoas com algum tipo de deficiência, o que equivale a 7,3% da população com 2 anos ou mais. Os dados mostram que a prevalência aumenta com a idade, alcançando 27,5% entre os idosos com 70 anos ou mais. A taxa de analfabetismo entre pessoas com deficiência foi de 21,3% e apenas 7,4% desse grupo concluiu o ensino superior.

Autismo no Censo

Entre todas as faixas etárias, a prevalência de diagnóstico de autismo foi maior entre os mais jovens: 2,1% no grupo de 0 e 4 anos de idade, 2,6% entre 5 e 9 anos, 1,9% entre 10 e 14 anos e 1,3% entre 15 a 19 anos. Esses percentuais representam, ao todo,1,1 milhão de pessoas de 0 a 19 anos com autismo. Nos demais grupos etários, os percentuais oscilaram entre 0,8% e 1,0%. Em relação ao gênero, a prevalência de TEA foi maior entre os homens em todos os grupos etários até 44 anos. Entre 45 e 49, 55 e 59 e 70 anos ou mais, os percentuais foram equivalentes entre os sexos de nascimento. Já nos grupos de 50 a 54 e 60 a 69 anos, as mulheres apresentaram prevalências ligeiramente superiores às dos homens, com diferença de 0,1 pontos percentuais.

Vale lembrar que a inclusão do autismo no Censo foi uma luta de muitos anos, com a participação de diversos autistas e famílias, que culminou na ida do ator, pai de autista e apresentador Marcos Mion a Brasília para a sanção da Lei 13.861, que obrigou a inclusão da pergunta no censo, em julho de 2019. “Depois de quatro horas de reunião e muita discussão para todos os lados, a comunidade autista foi ouvida, respeitada e contemplada”, disse Mion à época. O Censo usou dois tipos de formulários, a questão sobre autismo foi incluída no Questionário de Amostra, que é mais detalhado e utilizado numa parcela menor da população (11%). A pergunta — de número 17 do formulário — foi a seguinte: “Já foi diagnosticado(a) com autismo por algum profissional de saúde?”, tendo sim ou não como resposta.

Para acessar o estudo completo do IBGE, com todos os recortes demográficos e metodológicos, acesse este link.

 

Diagnósticos de TEA por UFs no Brasil no Censo 2022:

Brasil conhece, pela 1ª vez, seu número oficial de diagnóstico de autismo: 1 em 38, segundo IBGE

 

Brasil conhece, pela 1ª vez, seu número oficial de diagnóstico de autismo: 1 em 38, segundo IBGE — Canal Autismo / Revista Autismo

Gráfico divulgado pelo IBGE – Censo 2022.

CONTEÚDO EXTRA

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Editor-chefe da Revista Autismo, jornalista, empreendedor.

Lages receberá congresso sobre autismo

For the first time, Brazil releases official autism diagnosis numbers: 1 in 38 children aged 5–9

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