2 de fevereiro de 2024

Tempo de Leitura: 3 minutos

Fernanda Ogna tem 40 anos, é mãe de autista, preta, periférica, solo, uma ‘mãe SUS’. Ela participa do grupo do Teamm-Unifesp e Instituto Noos para familiares de autistas até 15 anos. 

Vibrante e falante, denuncia sempre tudo o que vive. Inicia seu discurso com voz de luta e aos poucos se embarga de emoção pela dor das palavras. Eu a entrevistei hoje (02.fev.2024), por videochamada, sobre uma dor que doeu em mim (quase que fisicamente)!

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Genioo

Moradora da Vila Prudente, se autointitula “um imã de mães atípicas”. Conhece muitas e conta suas histórias de dor e muito, mas muito, sofrimento.

Seu filho de 10 anos tem seletividade alimentar, só como batata. Por vezes, ela só consegue servir arroz e feijão, mas ele não come arroz e feijão. Mora “de favor” na casa da mãe, criando sua netinha, filha de sua filha que sofre de dependência química. Vamos chamá-lo aqui de “Bruno”, um nome fictício para maior segurança do garoto.

Fernanda chora, se culpa pela sua falta de poder aquisitivo para custear o tratamento de seu filho e por morar “de favor” com sua mãe. Não trabalha; é sobre aquele velho círculo vicioso que tanto se ouviu falar e, para “surpresa” de nossos governantes, esse ciclo ainda existe: A escola não fica com o garoto, o CAPS não fica com o garoto e ela não consegue trabalhar. Rede de apoio? Não, não tem…

Bruno ficou afastado da escola em 2022, após sofrer violência física de seus colegas. Ele relatava para sua mãe, a escola negava. Com muitos hematomas pelo corpo, fez Boletim de Ocorrência e foi ao IML fazer exame. O garoto ficou afastado da escola e fazendo tratamento no CAPS, de onde teve alta. Para recair novamente e ser afastado da escola de novo. 

São 5 crianças PcD na sala de Bruno. As mães precisam trocar as fraldas dos filhos e até dar comida para eles. Para a seletividade alimentar de Bruno, Fernanda solicitou na Secretaria de Educação banana e batata para ele e isso lhe foi negado.

Na mesma escola, um jovem autista de 16 anos sofreu tanta violência que em uma crise, ficou nu e subiu no muro da escola. A polícia foi chamada e, sem a intervenção de Fernanda, iriam atirar com a arma de choque para que ele saísse do muro.

A diretora da escola pergunta: — “o que você quer da escola?”. 

– Quero um acompanhante.

— O que você quer é impossível”.

Tá certo isso? É impossível? 

Que mundo é esse que Fernanda descreve? É o mesmo que os políticos dizem que vão salvar. O mesmo que faz os políticos assinarem inúmeros Projetos de Lei e decretos, que nunca saem do papel.

Não é o mundo dos políticos do dia 2 de abril. No dia Dia Mundial de Conscientização do Autismo eles vão até na caminhada. E depois esquecem. E tudo volta a ser como sempre foi.

Há dois anos, Fernanda está tentando receber do Estado a Risperidona líquida, que seu filho toma há 2 anos: “Você não viu que o médico preencheu o formulário errado?”. Já foram quatro formulários e, para cada um, precisa agendar hora e esperar. Ela aguarda um neurologista desde 2019: “é consulta de retorno”.

— “Teve uma mãe que não aguentou e se matou. Colega minha”, diz ela com a voz embargada.

— A gente cansa de ver nossas dores serem usadas contra a gente. Parece que ser pobre é castigo porque fazemos tudo errado, porque não temos dinheiro…

Mães como Fernanda aprendem a ser invisíveis, a se calarem para que seus filhos não apanhem e não sofram; aprendeu que criar inimizade é o pior castigo. Mas ela diz que já “passou da hora de romper com esse medo”.  Ela quer dignidade. 

Apenas dignidade.

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É psicóloga clínica, terapeuta de família, diretora do Centro de Convivência Movimento – local de atendimento para autistas –, autora de vários artigos e capítulos de livros, membro do GT de TEA da SMPD de São Paulo e membro do Eu me Protejo (Prêmio Neide Castanha de Direitos Humanos de Crianças e Adolescentes 2020, na categoria Produção de Conhecimento).

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