1 de dezembro de 2019

Tempo de Leitura: 3 minutos

Quando me mudei para Londres quatro anos atrás, em vista da transferência do meu marido por sua empresa, me vi diante de um desafio maior do que uma mudança de país pode representar, pois eu trazia na bagagem minha filha mais nova, uma linda mocinha que é autista e deixava para trás um casal de filhos adultos, minha neta, amigos, família, meu país. 

Mais do que o caos representado pela mudança brusca de rotina e o rompimento de vínculos afetivos, havia um componente que nos tirou o sono por um bom tempo: a pressão sobre nossos ombros de estarmos fazendo a escolha certa.

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Quem tem um filho com algum nível de autismo sabe que muitas vezes temos de fazer escolhas que irão impactar não apenas a nossa, mas a vida dessa outra pessoa para sempre. Por isso, escolher por eles e a favor deles exige de nós o mais acurado dos planejamentos e, ainda assim, sem nenhuma garantia de sucesso. Pisamos em campo minado, com os pés de outra pessoa junto. 

Foi sob essa pressão que fomos em busca da escola. Após somarmos todos os pareceres de profissionais e amigos especialistas, com a dificuldade de aprendizagem que minha filha apresenta, mais a natural dificuldade de um novo idioma, decidimos por uma escola especial. Como psicopedagoga e sempre atuante na causa do autismo e da inclusão, não me sentia muito à vontade com essa escolha, mas depois de muita pesquisa encontrei uma escola para autistas com mais de 30 anos de história que me motivou um pouco mais. 

Desde o primeiro minuto Milena foi bem-vinda e quando conheci as instalações fiquei muito impressionada. O prédio foi totalmente projetado para atender às pessoas com autismo, porém, assim que nos sentamos com a diretora, após o tour pela escola, ela nos informou que aquela escola, aquele prédio, é destinado apenas para os casos em que a inclusão não atende às necessidades da criança ou jovem e que eles sempre tentam a inclusão prioritariamente.

Minha filha, que está no grau moderado do espectro, ficaria inicialmente em uma outra escola, com outras meninas da mesma faixa etária e grau próximo de autismo, dentro de uma sala especial, onde fariam atividades com suporte de duas professoras e seriam levadas para salas de inclusão nas outras turmas, nas matérias que tivessem interesse e aptidão. Todo o processo sendo administrado em conjunto pelas duas escolas, a inclusiva e a especial. 

Um plano individualizado foi montado com objetivos a serem atingidos quando ela completasse 25 anos de idade. Um desses objetivos seria a inserção ainda que em regime parcial no mercado de trabalho. Os objetivos foram desmembrados em metas ano a ano, e com nossa concordância se tornaram o norte para sua educação. 

A autoridade local, algo como uma prefeitura de bairro, oferece a terapeuta ocupacional e uma fonoaudióloga que vão até a escola e orientam as professoras, não pagamos nada, a escola é pública. 

Minha filha ama a escola e, para nossa surpresa, não teve nenhuma dificuldade com o aprendizado do idioma. Ela tem amigas na turma especial (atualmente são 12 meninas) e amigas da turma inclusiva, conta com rotina estruturada, comunicação ampliada, métodos de apoio e sala sensorial.

Seria um final feliz se todo o suporte que recebemos fosse a realidade de todos, mas sabemos que não é bem assim. Tudo vai depender da região que você mora e o quanto a sua autoridade local investe na rede de suporte. 

Mesmo com toda essa estrutura, há muito espaço para melhorias e a luta dos pais tem sido intensa para que cortes no orçamento não impactem ainda mais os ganhos em direitos. A orientação do governo tem sido enfatizada no direito de escolha dos pais, porém, segue pressionando a escola regular para melhorar e ampliar o acesso da pessoa com qualquer nível de necessidade especial, de tal forma que não haja procura por escola especial pelo menos é isto o que está na lei. Infelizmente, porém, essa orientação ainda encontra resistência para se cumprir e vemos escolas a recusar ou dificultar a inclusão, o que é uma pena, pois representa um retrocesso na história de mais de meio século de lutas pela educação inclusiva aqui na Inglaterra.

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Pedagoga e psicopedagoga, escreve há treze anos o blog Mundo da Mi, onde conta a experiência de ser mãe da Milena, sua terceira filha. É membro fundadora de duas associações de pais de autistas, uma em Uberlândia e outra em Porto Alegre, e mora em Londres há quatro anos.

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