1 de abril de 2023

Tempo de Leitura: 7 minutos

Para ser exato, podemos ter hoje pelo menos 5.997.222 pessoas autistas no país (e aumentando…)

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Neste artigo busco explicar os motivos, com base em estudos científicos, pelos quais conseguimos estimar que o Brasil pode ter atualmente 6 milhões de autistas ou mais! Não há nenhuma pesquisa no país, nem o Censo trouxe qualquer resultado a respeito disso ainda. É puramente estatística e lógica com as pesquisas científicas realizadas mundo afora e, principalmente, com a atualização, no último dia 23.mar.2023, da prevalência de autismo nos Estados Unidos, divulgada pelo Centers for Disease Control and Prevention (CDC) — em português: Centro de Controle de Prevenção e Doenças, um órgão do governo estadunidense.

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Por que o Brasil pode ter 6 milhões de autistas? Artigo de Francisco Paiva Junior sobre o cálculo para a estimativa de 6 milhões de autistas no país — Canal Autismo / Revista Autismo

O cálculo é bem simples: se a prevalência nos Estados Unidos é de 2,8% da população de crianças de 8 anos (e não são dados de hoje, são referentes ao ano de 2020!) — e entre adultos isso só pode aumentar com diagnósticos tardios e considerando que autismo é uma condição de saúde para a vida toda — no Brasil é possível que o número seja semelhante, já que nenhuma evidência indica que a prevalência seja diferente em qualquer outro país, segundo o neurocientista Alysson Muotri, professor da faculdade de medicina da Universidade da Califórnia em San Diego (EUA). Tendo mais de 213,3 milhões de habitantes brasileiros, de acordo com a projeção do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE )para 2021, 1 em cada 36 habitantes equivale a 5,295 milhões. Considerando a projeção para hoje — 215,9 milhões —, o número de autistas projetado pode chegar a 5,997 milhões! E esse número, logicamente, só aumenta, pois mesmo mantendo a mesma prevalência, todo dia nasce mais gente, né? E, com essa nossa inferência, a cada 36 nascimentos ao menos 1 pode ser um bebê autista.

Prevalência de autismo: 1 em 36 é o novo número do CDC, nos EUA — Canal Autismo / Revista Autismo

Gráfico de prevalência de autismo nos EUA de 2004 a 2023, com dados do CDC.

É um consenso de que o aumento progressivo dessa prevalência, de acordo com os maiores especialistas na área, é resultado de mais informação, mais conscientização, melhor capacitação de profissionais de saúde e educação nos Estados Unidos — não há mais autistas, há mais diagnósticos (e com critérios muito mais ampliados em relação ao passado). Tanto que, ela primeira vez, a porcentagem de diagnósticos de autismo entre asiáticos (3,3%), hispânicos (3,2%) e negros (2,9%) foram maiores do que entre as crianças brancas de 8 anos (2,4%). Isso é o oposto das diferenças raciais e étnicas observadas nos estudos anteriores do CDC. Essas mudanças podem refletir uma melhor triagem e mais acesso a serviços entre grupos historicamente mal atendidos nos EUA. Imagine no Brasil!

Diagnósticos tardios

E, na realidade, a prevalência pode ser ainda maior, pois o estudo dos EUA limita-se a crianças de 8 anos. Quando o estudo amplia a faixa etária, como o divulgado ano passado, em julho de 2022, o número já é maior, pois considera os diagnósticos “tardios” após os 8 anos de idade. A pesquisa científica foi publicada na Jama Pediatrics, realizada com 12.554 pessoas, e trabalhando com dados dos anos de 2019 e 2020, também com informações e registros do CDC, revelou um número de prevalência de autismo nos Estados Unidos de 1 autista a cada 30 crianças e adolescentes entre 3 e 17 anos naquele país.

A principal diferença entre esse estudo de 1 em 36 é a abrangência deles: um limita-se a crianças de 8 anos; o outro, pessoas de 3 a 17 anos de idade. São pesquisas, portanto, diferentes e não devem ser comparadas como iguais.

Mas fica aqui meu questionamento: e se considerarmos maiores de 17 anos? E os diagnósticos tardios na vida adulta, tão frequentes atualmente? Toda semana recebo a notícia de um pai ou mãe de autista que acabou de ter seu próprio diagnóstico (e relatado por eles mesmos a mim!), isso considerando apenas dentro da minha rede de contatos! Será que esse número seria ainda maior que 1 em 30? Se for assim, passaríamos fácil dos 7 milhões de brasileiros. Aguardo ansioso pela atualização desse estudo do CDC com maior abrangência.

Outro ponto muito importante é deixar muito claro que estou falando de pessoas autistas. Não estou falando apenas de pessoas diagnosticadas ou com laudo de autismo em mãos. O espectro do autismo é enorme e abrange as mais variadas formas dessa condição de saúde, dessa neurodivergência. Temos 6 milhões de laudos? Lógico que não! Temos políticas públicas eficazes para essas, pelo menos, 6 milhões de pessoas? Infelizmente, também não. É uma batalha que ainda perdurará por muito tempo!

Sem números

Revista Autismo número 4 - março de 2019

Capa da Revista Autismo número 4, do trimestre março/abril/maio/2019

O Brasil, porém, não tem nenhum número oficial a respeito da prevalência de autismo no país. Há uma única “pista” inicial, o único trabalho brasileiro neste sentido, um estudo-piloto, no ano de 2011, na cidade de Atibaia (SP), que resultou em 1 autista para cada 367 crianças — a pesquisa foi feita num bairro de apenas 20 mil habitantes daquela cidade, coordenado pelo médico Marcos Tomanik Mercadante, psiquiatra da infância e adolescência, referência em autismo no país, falecido em 2011.

Numa reportagem que fiz em 2019 (vale ler: “Quantos autistas há no Brasil?“, capa da Revista Autismo nº 4, onde cito também Portugal e a América do Sul), entrevistei a psicóloga Sabrina Bandini Ribeiro, doutora em psiquiatria e psicologia médica, e uma das autoras desse estudo pioneiro. Naquela ocasião, ela destacou a importância de pesquisas como essa: “A importância maior é ajudar a pensar políticas públicas, pois conseguimos ter ideia de quem são e onde estão nossos autistas”.

Sabrina participou ainda de um outro estudo-piloto no Brasil, realizado somente na cidade com maior PIB (produto interno bruto) do país, São Paulo, em 2018, a respeito da idade média de diagnóstico de autismo: chegou ao número de 4 anos e 11 meses e meio (4,97), mas com uma variação bem grande — por isso, mais estudos devem ser feitos. Para efeito de comparação com algo minimamente semelhante, a idade média de diagnóstico nos EUA era de 4 anos de idade, segundo um estudo bem mais abrangente (em 11 estados), também em 2018.

Mapa Autismo Brasil

Vou dar um “spoiler” aqui: há um projeto (ainda embrionário, é verdade!) com o objetivo de traçar um perfil sociodemográfico das pessoas autistas no Brasil, chamado “Mapa Autismo Brasil” (@mab.autismo). É uma iniciativa liderada pela pesquisadora e musicoterapeuta Ana Carolina Steinkopf (ela já colocou o autismo em pauta no Fantástico, da Globo, em 2015 com “Uma Sinfonia Diferente“, um musical estrelado por autistas), de Brasília (DF), que visa unir universidades para realizar a pesquisa (inicialmente, não governamental) em nível nacional. “Através desses dados, vamos conseguir pensar em estratégias eficientes para as necessidades da comunidade”, explicou Ana Carolina.

A Revista Autismo está se inteirando sobre o projeto para apoiar a iniciativa e contribuir para que isso aconteça. Quem sabe esse não é um primeiro passo para, futuramente, termos um estudo de prevalência de autismo em todo o país?!

Censo do Brasil

No Censo 2022, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) fez a inclusão de uma pergunta sobre autismo no seu Questionário de Amostra, que é mais detalhado e utilizado numa parcela menor da população: 11%. Estima-se que tenhamos 78 milhões de domicílios particulares permanentes do país. O questionário da amostra — com a pergunta sobre autismo —, portanto, abrangerá uma amostragem de aproximadamente 8,5 milhões de domicílios.

A pergunta é a seguinte: “Já foi diagnosticado(a) com autismo por algum profissional de saúde?”, tendo sim ou não como resposta. A coleta de dados do Censo estava programada para terminar em outubro do ano passado, mas ainda está em andamento e deve ser finalizada nas próximas semanas. O resultado final do Censo está previsto para até 2025.

A pergunta só está no Censo atual por conta da Lei 13.861, de 2019, sancionada em julho de 2019, com a ajuda do apresentador Marcos Mion, que foi à Brasília para isso. “Depois de quatro horas de reunião e muita discussão para todos os lados, a comunidade autista foi ouvida, respeitada e contemplada”, disse Mion na época.

Pergunta sobre autismo no questionário de amostra do Censo 2022 do IBGE - Canal Autismo / Revista Autismo

Trecho do Questionário Amostra do IBGE em que se encontra a pergunta a respeito de autismo para o Censo 2022.

Adultos autistas nos EUA

Sobre autismo em adultos, o CDC publicou um estudo no ano passado (2022) que estima haver 2,2% da população dos Estados Unidos no espectro do autismo acima dos 18 anos, com dados referentes ao ano de 2017 (quase 5,5 milhões de autistas). Essa prevalência de adultos norte-americanos com TEA variou de 1,97% no estado de Louisiana a 2,42%, em Massachusetts. Os estados com o maior número absoluto estimado de adultos autistas são: Califórnia (701.669), Texas (449.631), Nova York (342.280) e Flórida (329.131). No Brasil não há números de autismo em adultos.

Estudos mundo afora

O site norte-americano Spectrum News, especializado em autismo e ciência, publicou um mapa online global, em 2018 — prevalence.spectrumnews.org —, com uma coleção dos principais estudos científicos publicados a respeito da prevalência de autismo em todo o mundo, que promete ser constantemente atualizado (inclusive os dados podem ser baixados por quem quiser). E o estudo-piloto brasileiro está lá, vale conferir!

A seguir, deixo links de diversas fontes que utilizei, para quem quiser se aprofundar no assunto.

 

CONTEÚDO EXTRA

 

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Editor-chefe da Revista Autismo, jornalista, empreendedor.

Alexitimia, condição pouco conhecida relacionada ao autismo, é tema de podcast

Why can Brazil have 6 million autistic people?

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