1 de dezembro de 2022

Tempo de Leitura: 4 minutos

Hoje eu vou falar sobre a experiência de uma mulher autista na TI (Tecnologia da Informação). Afinal, sou desenvolvedora numa grande rede da área da saúde desde março de 2022. Eu tenho vinte e cinco anos. E sou diagnosticada com o transtorno do espectro autista, o TEA. Ou seja, sou autista. Tive o diagnóstico aos onze anos de idade. Além disso, venho de uma formação em comunicação social, fiz mestrado em Comunicação, Territorialidades e Vulnerabilidades, na UFMG. 

Desafios na comunicação de uma mulher autista na TI

Até por ser autista, eu sempre quis me dedicar a trabalhar a minha comunicação. Isso porque ela era o aspecto mais desafiador ao longo da minha trajetória. Entender esse código das pessoas era difícil. Assim como saber como se dava esse processo de interação social para eu poder me sentir mais em equidade com os outros. Mas quando eu terminei o mestrado eu ainda estava muito confusa. Logo, ainda queria saber muito como se daria esse meu trabalho mais formal na comunicação. 

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Então, eu tive a oportunidade de conhecer um treinamento oferecido pela empresa. Assim, em um processo seletivo, tornei-me desenvolvedora. Hoje, eu já curso ciências da comunicação. Dessa forma, eu pude fazer as pazes com o meu raciocínio lógico. Isso é algo que sempre foi intrínseco a mim. Afinal, eu via lógica e padrões na comunicação e na linguagem. E com as linguagens de programação não é diferente. Então, esta foi uma oportunidade de resgatar esse espírito que  está em tudo o que eu faço: ser curiosa, pesquisadora. Porque é isso que um bom desenvolvedor precisa ser. Ter essa curiosidade, esse espírito de busca. Afinal, é isso que constrói um perfil bacana. Claro, não é simplesmente um conhecimento técnico. Mas, principalmente, a capacidade de como você quer aprender, a sua abertura para o aprendizado.

Aprendizado conjunto no ambiente profissional

Como autista, eu sempre tive um desafio na parte da interação, da comunicação social. Mesmo hoje, atuando como jornalista e formada como comunicadora. Tanto como pesquisadora, quanto como produtora de conteúdo audiovisual e nas redes sociais digitais. Essa interação sempre foi problemática. Certo, agora menos. Mas, ao longo da minha trajetória, ela sempre foi um motivo de desafio e às vezes de desgaste pra mim. Então, a grande surpresa da área da programação foi essa possibilidade de troca. Ou seja, de crescer junto, de poder cooperar com os colegas, e não competir. Logo, é buscar ser sempre a melhor versão e crescer junto com o outro. Então, se eu fosse pensar em algo tão bacana que eu vivi, foi justamente esse treinamento, que foi uma oportunidade maravilhosa oferecida pela empresa. Lá, tive a oportunidade de conhecer pessoas fantásticas. Elas são hoje parte do meu time na empresa. E também possibilitaram, primeiro, aquela sensação gostosa de ‘estarmos discutindo e aprendendo juntos’. Em momentos chaves de minha trajetória profissional, essas pessoas estiveram presentes e conseguiram me dar um suporte. Sei que também consegui dar um suporte a elas, e eu acho que a grande história passa muito por isso. Ou seja, você construir vínculos com as pessoas do trabalho e transformar um ambiente (programação de computadores) que, dizem, ser formado pelo estereótipo de ‘pessoas mais reservadas’, aquela ideia dos nerds. Enfim, transformar esse ambiente num cenário de troca contínua e aprendizado mútuo. Assim, todos ganham.

Autonomia e independência como desenvolvedora

O trabalho é importante na vida de qualquer pessoa por diversos motivos. Eu acredito que o principal, sem querer dourar a pílula, é a autonomia, a independência financeira. Isso está ligado a você ter uma autoestima, se valorizar. 

Eu sempre tive muito receio de não conseguir me encaixar no mercado de trabalho. Mesmo com uma formação na comunicação que era bem mais ampla. Então, com essa vaga, a empresa me proporcionou autoestima e independência financeira. Inclusive tornar-me indenpendente de minha mãe. Ela também é uma mulher autista. E é mais velha, com uma série de questões dela mesma. Ou seja, eu não poderia ficar contando com ela para sempre. Porque ela não daria conta a partir de um determinado ponto. 

O dia a dia do trabalho é realmente algo muito prazeroso. Afinal, é uma oportunidade de diálogo. Isso porque quando a gente está escrevendo códigos de programação, notamos que podemos ter sempre bons exemplos,  boas referências. E a partir disso a gente cria algo que é nosso. Tem um quê até autoral no código. É como criar algo novo. Você vai absorvendo a bagagem de outras pessoas e transformando em algo que é seu.   

A convivência com os meus colegas é muito proveitosa. Eu passei por momentos delicados de saúde nos últimos tempos e eles sempre estiveram presentes. Nesse apoio profissional, esse suporte me deu a segurança de que eu vou estar plena. E quando voltei eu estava mais plena ainda.

Aliás, a gente não pode perder valores. As pessoas com deficiência têm todo um potencial. Primeiro, ao trazer um olhar diferenciado para áreas que, muitas vezes, precisam de diversidade na maneira como aquilo é feito. Ao mesmo tempo, são pessoas que não precisam necessariamente ser um peso e receber só benefícios. Ou seja, ficarem dependentes. Sim, elas vão precisar de suporte em vários pontos. Mas, sobretudo, a gente consegue o que quiser. E isso é bom para a sociedade. Porque, além de não ter que investir para minimizar os consequentes malefícios da não-inclusão, a sociedade pode investir na causa. Ou seja, buscar essas pessoas no mercado de trabalho. Com isso, construir uma comunidade não só mais equânime e humanizada, mas também mais produtiva. Porque a criatividade vem dessa diversidade. Ela surge da possibilidade de visões e perspectivas diferentes sobre a mesma coisa.

Então eu vejo com muito bons olhos iniciativas como essa da empresa de inclusão. E aqui eu me sinto muito à vontade porque eu vejo também que não é só o discurso. Ou seja, não é apenas a lei que pesa. A gente realmente tem um trabalho muito humanizado. Isso me encanta.

Aqui na empresa eu descobri como eu posso crescer. E agora eu tenho uma ideia mais completa de onde eu quero chegar. Graças a essa visão de vanguarda, de uma inclusão humanizada, hoje eu não tenho mais medo do futuro. Eu sei que posso ser feliz e contribuir positivamente para toda a sociedade.

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Jornalista, escritora, apresentadora, pesquisadora, 24 anos, diagnosticada autista aos 11, autora de oito livros, mantém o site O Mundo Autista no portal UAI e o canal do YouTube Mundo Autista.

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