21 de setembro de 2023

Tempo de Leitura: 2 minutos

“Minha filha me culpa pelo diagnóstico tardio”. Essa frase vem sendo uma constante em meus atendimentos. Adultos acima dos seus 30 anos recebendo o diagnóstico tardio de autismo depois de uma infinidade de passagens por psiquiatras, diagnósticos de depressão, TOD, TOC, e medicamentos sem fim. Nada parecia fazer sentido. Em sua grande maioria, esses diagnósticos tardios são de autistas de nível 1 de suporte; autistas que na década de 1980/1990 nunca poderiam ser autistas segundo os manuais de classificação da época.

Autismo era o descrito por Kanner ou Asperger, com características muito bem definidas e estigmatizantes. Impossível pensar, na época, em pessoas com altos níveis de autonomia, repertório e comunicação efetiva como sendo uma pessoa autista. No Brasil, eram poucos os especialistas em autismo; importávamos tudo de fora sobre o tema. Criança tinha limite de idade para começar a falar, senão, não falava mais.

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Seletividade alimentar? “Deixa sem comer que aprende”. Infelizmente, frase real de especialista da época. Tudo nebuloso e na tentativa e erro. Autista que fala, não é autista.

Me lembro da emoção que vivi na Escócia, em 2000, ao ver Lorna Wing apresentando sua paciente autista: “Tenho no meu bolso um elástico de cabelo para lidar com a ansiedade que estou sentindo e poder contar minha história”. Era inacreditável. E, ao mesmo tempo, fazia todo sentido. E, então nos anos 2000, aprendemos que autistas falam. De todas as formas, linguagens e comportamentos: autistas falam. Até que pudéssemos enxergar essas pessoas na população, creio que levamos mais de uma década pós virada do milênio. E, ao vermos hoje, parecia tão óbvio.

Creio que nós, profissionais, temos uma dívida com os autistas. Fomos nós que não pudemos enxergar o autismo quando seus pais e mães os traziam aos nossos consultórios. Fomos nós com ideias capacitistas que não pudemos enxergar inteligência, comunicação e autonomia em vocês. Não seus pais. Autismo não virou moda; autismo passou a ser visto e ouvido, por isso tantos diagnósticos em tão pouco tempo.

Há que se ouvir esses jovens adultos e suas famílias para retirar de seus ombros, mais essa culpa sem sentido. Seus pais não poderiam ver o autismo porque nós, profissionais, não o víamos. Alguns ainda insistem em não ver, porém essa é outra conversa. O que nos cabe hoje em dia é ouvir, compreender e resgatar sonhos, acessibilidade e dignidade. A frase mais ouvida de um autista adulto que acabou de receber seu diagnóstico é: “Tudo faz sentido agora. É libertador”.

Hoje somos muitos buscando reparar esse dano, oferecendo, por vezes voluntariamente, a possibilidade de um diagnóstico digno e respeitoso, além de tantas outras possibilidades de atendimento. Essa é apenas uma tentativa de contextualizar historicamente quando pudemos enxergar os autistas nível 1 de suporte e, finalmente ampliar o espectro. Se quiserem saber mais sobre esse período, conta pra gente.

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É psicóloga clínica, terapeuta de família, diretora do Centro de Convivência Movimento – local de atendimento para autistas –, autora de vários artigos e capítulos de livros, membro do GT de TEA da SMPD de São Paulo e membro do Eu me Protejo (Prêmio Neide Castanha de Direitos Humanos de Crianças e Adolescentes 2020, na categoria Produção de Conhecimento).

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