18 de maio de 2023

Tempo de Leitura: 2 minutos

Recentemente, li um post de Raquel Del Monde sobre “o problema da dupla empatia” que me fez refletir muito sobre algo que venho dizendo há anos para aqueles que caminham comigo: a inclusão é uma via de mão dupla.

Damian Milton, psicólogo, sociólogo e ativista, cunhou o termo em 2012. O conceito está relacionado ao fato de haver um duplo ‘estranhamento’ entre neurotípicos e atípicos, sendo que apenas os atípicos são forçados a ‘se encaixar’. Todo o trabalho de Milton em pesquisas com grupos de autistas e não autistas busca demonstrar o “reconhecimento de que somos igualmente estranhos uns aos outros, que meus modos de ser não são apenas versões ‘danificadas’ de vocês”.

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Essa é uma frase impactante que traduz o novo paradigma sobre a deficiência, afastando-nos do modelo médico e aproximando-nos de uma visão mais social onde o modo de viver em sociedade é plural e respeitoso. Não se trata aqui de “na minha opinião” ou “tenho o direito de achar o que quiser”. Valores como moral, ética e respeito estão acima de qualquer ponto de vista, e quando nos referimos aos direitos humanos de ir e vir, ser e estar, falamos de uma aproximação que permite que o invisível se torne visível, nos aproximando da diferença e aceitando-a como parte da pluralidade da fauna à qual pertencemos.

Quando falamos em processos de reabilitação, modificação de comportamento e treinamento, estamos nos referindo a mudanças em apenas um dos lados, o ‘tecnicamente defeituoso’, aquele que precisa ser ‘adequado’. Nada é mais capacitista do que esse pensamento. É como quando em terapia de casal, apenas um quer que o outro mude para melhorar a relação: ‘eu estou certo (a)”. Mudanças devem ocorrer no sistema como um todo, de um lado e do outro, como uma via de mão dupla.

Sophia Mendonça, em um artigo, traz uma questão muito importante sobre a dupla empatia: os neurotípicos não “necessitam” copiar ou imitar comportamentos atípicos para garantir a comunicação. Aqui, contamos apenas com uma via de mão única, com apenas um dos lados precisando “se adequar”.

Ouço frequentemente a frase “mas assim vou ficar louca (o)” quando converso sobre uma comunicação de duas mãos; “não consigo pensar em tudo”. É exatamente assim que seu (sua) filho (a) se sente quando está na sala de aula, na mesa de jantar ou no parque brincando com seus colegas: tentando pensar em tudo e se autorregular ao mesmo tempo. De enlouquecer, não é?

Se o esforço de comunicação e compreensão for bilateral, tudo fica mais simples e menos capacitista. O que temos feito é como se pedíssemos a uma pessoa idosa “andar mais depressa” porque estamos com pressa. E, infelizmente, ainda fazemos isso.

Quando não buscamos nos fazer entender ou entender o pensamento atípico, agimos sem empatia, como costumamos dizer sobre eles. Precisamos de mais esforços da sociedade em mudanças. Precisamos erradicar o bullying de nossas escolas. Precisamos começar a ver o que nos parece invisível. Precisamos de dupla empatia.

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É psicóloga clínica, terapeuta de família, diretora do Centro de Convivência Movimento – local de atendimento para autistas –, autora de vários artigos e capítulos de livros, membro do GT de TEA da SMPD de São Paulo e membro do Eu me Protejo (Prêmio Neide Castanha de Direitos Humanos de Crianças e Adolescentes 2020, na categoria Produção de Conhecimento).

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