1 de março de 2023

Tempo de Leitura: 4 minutos

A escrita deste artigo foi feita por três mulheres que tiveram suas vivências conectadas por uma missão: o autismo luta pelos direitos das pessoas com deficiência. 

Sucessivamente, Francilene Vaz, Patrícia Winck e Cláudia Moraes relatarão como o amor atípico e a neurodiversidade de cada uma delas permitiu a união entre a arteterapia e dupla excepcionalidade (autismo + superdotação) e como os diagnósticos de Francilene e Cláudia permitiram a edição de um e-book maravilhoso que, com toda certeza, ajudará outras mulheres nesse processo de reconhecimento pessoal. 

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Mas, afinal, o que é autismo?

Francilene Vaz: Quando surge essa pergunta, tão logo falo que sou uma mulher autista, vem a necessidade de explicar e compartilhar o conceito que sabemos melhor viver do que explicar. Que se trata de um transtorno do neurodesenvolvimento, caracterizado por dificuldades nas áreas de socialização, comunicação e comportamento, nos diferentes modos de alterações, que faz de cada uma de nós uma pessoa autista única. O mesmo ocorre quando falo da superdotação, que somada ao TEA, traz uma nova condição: a dupla excepcionalidade. 

A dupla excepcionalidade é o encontro/soma de dois tipos de condições, podendo ser o autismo, TDAH ou outra neurodivergência. No meu caso e no da Cláudia, temos TEA e superdotação. 

Quando buscamos caracterizar ou simplesmente conceituar a superdotação, temos de ir além das análises de tabelas, escalas de avaliação de QI (quociente de inteligência), e permitir ampliar a compreensão para outras dimensões e critérios de diagnóstico, como: ser considerado já na infância alguém precoce, ser uma pessoa questionadora, ter criatividade, possuir senso de justiça elevado, exercer liderança, ter talento específico, ter curiosidade exacerbada, ser responsável e com alto índice de confiabilidade, senso de humor incomum, ter pensamento arborescente, possuir vocabulário amplo e diversificado, ter raciocínio próprio e imediato para resoluções de problemas, ter hiperempatia, possuir habilidade artística  (principalmente para desenhos e música), ter comportamento impaciente e inconformado com situações não lógicas, ter alto padrão de engajamento, possuir boa memória (fotográfica, eidética ou hipertimésica), entre tantos outros critérios. 

Foi só a partir da arteterapia e, principalmente, do diagnóstico de superdotação, que meu interesse por compartilhar minhas habilidades surgiu. Devo, sobretudo, meu progresso à irmã que escolhi para a vida, Cláudia Moraes. Foi através de um convite dela que descobri a arteterapia. Tudo que sou hoje, meus principais avanços enquanto uma mulher com diagnóstico de dupla excepcionalidade, deve-se à escolha assertiva da arteterapia.

A arteterapia é um processo terapêutico realizado por meio da arte como expressão livre, autêntica e genuína de cada pessoa, sem julgamentos ou intervenções, em qualquer idade, individualmente ou em grupo. 

Nessas expressões criativas e espontâneas, a pessoa vivencia suas emoções e sentimentos, proporcionando dessa forma um novo olhar para si, reconhecendo e transformando seus anseios, propiciando autoconhecimento, estimulando a autoestima e a autoconfiança, adquirindo, assim, mais equilíbrio para os enfrentamentos da sua vida. 

Utilizar canais criativos como forma de expressar seus conflitos e enfrentar bloqueios é ter a oportunidade de fortalecer o compromisso consigo mesmo e seu autoconhecimento. É vencer o que não se consegue acessar com a fala, mas que não se cala e emerge com a arte. 

“Criar, significa poder compreender e integrar o compreendido em um novo nível de consciência” ensinou Fayga Perla Ostrower, artista plástica brasileira nascida na Polônia.  Buscar na expressividade a comunicação não verbal é acessar imagens do inconsciente trazidas à consciência, seus símbolos e seus significados, pondo em ordem as questões psíquicas emergentes, organizando o espaço interno, “arrumando a casa”, trazendo equilíbrio emocional, motivação pessoal e harmonia no dia a dia.

Claudia Moraes: Receber o diagnóstico de autismo/superdotação em qualquer idade é um desafio, mas principalmente na idade adulta creio que o desafio é maior, porque é necessário desconstruir o arquétipo da mulher típica para assumir a identidade atípica. E esse é um processo lento, até a descoberta de ser quem você sempre foi, só que não sabia. 

O diagnóstico de dupla excepcionalidade, que recebi há apenas um ano, vem se mostrando desafiador. Meu dia a dia se transformou em intervalos de reflexão entre o trabalho e as terapias, entre o papel de mãe cuidadora e o de mulher com dupla excepcionalidade. A busca pelo (re)conhecimento interior e a busca por maiores conhecimentos sobre o diagnóstico também me divide, e ao mesmo tempo me move. Estou vendo surgir uma nova mulher, que busca ter voz e dar voz a outras mulheres que ainda não se sentem à vontade para falar sobre seus diagnósticos, seja por falta de conhecimento, de acolhimento ou outros motivos. Muito por causa dessa falta de voz, de reconhecer-se e validar-se, iniciei uma proposta terapêutica de fazer do meu perfil no Instagram um espaço para desenvolver a escrita, me reconhecer na dupla excepcionalidade, resgatar a autoestima, escrever sobre meu hiperfoco, e abordar questões femininas que permeiam a vida atípica. Com o apoio da arteterapeuta Patrícia Winck, surgiu o perfil Autismo Feminino @claudiacoelhodemoraes. Mais tarde, também com o diagnóstico de minha irmã por escolha, Francilene Vaz, resolvemos desenvolver um perfil nos mesmos padrões para que falássemos de superdotação em mulheres. 

Nesse perfil, tanto a escolha do tema e das imagens quanto a escrita são conjuntas. Com os assuntos tão importantes e tão pouco discutidos tomando corpo e despertando interesse de seguidoras, a pessoa responsável pelo operacional da ONDA-Autismo, Juliana Uggioni, teve a ideia de compilar os textos e lançar o e-book gratuitamente no site da instituição, para que muito mais pessoas possam ter acesso às informações. Depois da escolha dos textos, resolvemos em terapia que desenvolveríamos esse trabalho também em conjunto, sendo os textos meus, as ilustrações de Francilene Vaz e a revisão de Patricia Winck. A edição é da Editora Brilliant Minds, do competente Dr. H.c. Alas Alvarenga, também autista, com a colaboração do instituto Autismos e distribuição da ONDA-Autismo. Uma observação sobre as ilustrações do e-book é que elas giram em torno do nosso processo terapêutico, com a arteterapia e, em parte, do nosso hiperfoco em literatura. Foram criadas imagens baseadas em personagens de Jane Austen, Anne Brontë, Charlotte Brontë e Lucy Maud Montgomery. O último capítulo do e-book traz pequenos depoimentos de mulheres autistas e/ou superdotadas, narrando como é serem mulheres atípicas.

Ressaltamos que a arteterapia pertence ao grupo de Práticas Integrativas e Complementares (PIC) e, recentemente, pelo Projeto de Lei N°3416 da Câmara Federal, tornou-se uma profissão. E é uma excelente alternativa para pessoas que buscam, através dessa intervenção terapêutica, uma possibilidade para atendimento às pessoas atípicas e típicas. Para nós, que temos o diagnóstico de dupla excepcionalidade, foi e é fundamental para o nosso reconhecimento pessoal, elevação da  autoestima, para a  autoafirmação. Recomendamos a todos viver a delícia de fazer arteterapia.

Cláudia Coelho de Moraes tem diagnóstico de  TEA/SD, é mãe de um autista adulto, nível 3, Mestre em Educação e vice-presidente da ONDA-Autismo.

Francilene Vaz tem diagnóstico de TEA/SD, é mãe de duas crianças autistas, pedagoga e Conselheira Estadual da ONDA-Autismo, Amapá 

Patrícia Winck é arteterapeuta e Conselheira Estadual da ONDA-Autismo, Santa Catarina.

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