22 de junho de 2023

Tempo de Leitura: 2 minutos

Ao longo dos anos de atendimentos, acompanhei longitudinalmente muitas crianças que se tornaram adolescentes e adultos. Sempre que uma família entrava em minha clínica, dizia: não se esqueçam que eles crescem. Minhas propostas de acompanhamento sempre olhavam para o presente imediato, o médio e o presente futuro. Ou seja, como em uma espiral de crescimento, ou dos marcos de desenvolvimento ou ainda nos marcos pedagógicos, pensando sempre na base sólida para aguentar o que viria pela frente.

A vida acadêmica, por exemplo, sempre pensei que deveriam viver dois anos em cada série. Amadurecendo com os conteúdos acadêmicos e, amadurecendo com sua turma de pares.  Quando o grupo social ganhava força, acreditava que deveriam seguir seus pares. Amigos sempre auxiliam nas lições e trabalhos em grupo. Sem grupo, a escola pode ser chata e sem sentido. “Para que vou ter que aprender isso?”

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Para algumas famílias, esse ‘mundo ideal’ até foi possível e hoje temos jovens adultos na faculdade e com amigos para ‘matar aula’.

Sempre perguntei, porque a pressa? A vida dirigida pelos princípios do mundo típico é um corre-corre que, julgo eu, desnecessário. Corre-se para tudo. Para passar no farol amarelo, para ser o primeiro da fila no supermercado, para entrar no avião… Para que? Qual a finalidade?

E assim acontece quando chega o final do terceiro ano do ensino médio. Aquele corre-corre frenético para inscrições, cursinhos, planejamentos, escolha da profissão. E lá vão os autistas nessa centrífuga desgovernada para decidirem o que farão para o resto de suas vidas.

Mas e quando a vida começou apenas ontem? Como decidir? O jovem tem material adaptado, não sabe usar o transporte público, não mexe com dinheiro, não toma decisões e, “você vai prestar para que no vestibular?”. Não encaixa, gente. Sério, não encaixa. Então a resposta é fazer cursinho? “como se não vai ter adaptação?”

As respostas estão no antes, no durante; quando o aprender a usar o transporte público era mais importante que o período estendido na escola. Quando o jogar RPG com os colegas era mais importante que estudar para a prova. Quando o ganhar mesada e abrir conta em um banco era mais importante do que “ele tem tudo, não precisa de mesada”.

Seguir o caminho da carga horária escolar, sem pensar na importância de cada matéria e cada aprendizado da vida do dia a dia, é seguir um caminho às cegas ao tipicismo. Sem se questionar se aquele caminho se encaixa àquela pessoa em questão.

Se o autista pensa diferente, age diferente, interage diferentemente, por que ele precisa seguir uma métrica de aproveitamento escolar típica? Até porque já é sabido que, mesmo para os jovens típicos, o período vestibular é cruel, e pode causar depressão e ansiedade.

Atualmente, o ano letivo dos terceiros anos termina em outubro para poderem fazer cursinho até janeiro para o vestibular das universidades públicas.

Há muitas universidades e exames que disponibilizam acessibilidade aos alunos e, por isso, vale a pena pensar sobre a documentação específica para TEA. Vou utilizar apenas o laudo? Vou fazer meu RG com código CID? Vou tirar a CIPTEA? Vou utilizar o benefício do bilhete único especial? Tudo isso precisa ser pensado antes do período das inscrições. Nunca se sabe quanto tempo cada documento vai levar para ficar pronto. Mas o corre-corre da rotina típica não deixa pensar em algo que vamos precisar para daqui 3 meses. Mas e quem precisa? Como fica?

O ritmo típico não combina com TEA.

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É psicóloga clínica, terapeuta de família, diretora do Centro de Convivência Movimento – local de atendimento para autistas –, autora de vários artigos e capítulos de livros, membro do GT de TEA da SMPD de São Paulo e membro do Eu me Protejo (Prêmio Neide Castanha de Direitos Humanos de Crianças e Adolescentes 2020, na categoria Produção de Conhecimento).

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