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O Sistema de Comunicação por Troca de Figuras (PECS) é amplamente reconhecido como um método eficaz para promover a comunicação funcional em pessoas com dificuldades na fala, incluindo aqueles com autismo e outras deficiências. Tradicionalmente, o PECS depende de símbolos visuais bidimensionais para apoiar a comunicação. No entanto, para pessoas com deficiência visual, especialmente os cegos, é necessário adaptar essa abordagem para garantir a eficácia do sistema.
Nos últimos anos, educadores, fonoaudiólogos e famílias têm buscado alternativas eficazes para apoiar a comunicação de pessoas autistas com deficiência visual. Um dos questionamentos mais comuns é: Podemos utilizar um sistema como o PECS, que é baseado em figuras – com uma pessoa cega ou com pouquíssima capacidade visual? Surpreendente, a resposta é sim! É possível – e legalmente respaldado – adaptar o PECS para alunos com deficiência visual.
No Brasil, a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146/2015), também conhecida como Estatuto da Pessoa com Deficiência, garante o direito à comunicação acessível, reconhecendo e valorizando o uso da Comunicação Aumentativa e Alternativa (CAA). Este artigo explora estratégias adaptadas do PECS para atender às necessidades de comunicação de pessoas com deficiência visual, com base nas práticas recomendadas por especialistas na área, focando nas fases iniciais do protocolo e na criação de símbolos táteis e tridimensionais.
Fase I do PECS: iniciação da comunicação
A Fase I do PECS se concentra em ensinar como trocar uma figura por um item desejado. Para pessoas com deficiência visual, é essencial usar outros sentidos para sinalizar o reforço disponível. Profissionais especializadas em deficiência visual recomendam o uso de sons, cheiros e texturas para indicar a presença do item.
Por exemplo, um brinquedo pode fazer um som antes de ser colocado em uma cesta, permitindo que o aluno o toque e identifique o objeto. É importante alertar o aluno dizendo “prepare-se” ou algo semelhante antes de fornecer qualquer ajuda física, para indicar que a estratégia de ensino está prestes a ocorrer. Somente depois que o aluno indica que está pronto (como acenando com a cabeça) é que a ajuda é fornecida. Ele é então ajudado a trocar um símbolo para obter acesso ao seu item preferido.
Símbolos táteis
Como observado acima, o PECS tradicionalmente usa símbolos visuais bidimensionais. No entanto, para indivíduos com deficiência visual, esses símbolos podem não ser eficazes. As especialistas observam que os símbolos bidimensionais podem ser difíceis de interpretar, especialmente para pessoas com deficiência visual cortical (IVC) ou outras deficiências visuais.
Portanto, é recomendável usar símbolos táteis tridimensionais que representem objetos reais. Por exemplo, um símbolo tátil para “banheiro” pode ser um pequeno pedaço de metal que se assemelha à alça de um vaso sanitário, permitindo que o aluno identifique o local por meio do toque. As especialistas sugerem selecionar o símbolo mais apropriado para esse aluno. Para conseguir isso, é necessário dar um passo para trás e pensar em como o aluno sabe que está no banheiro, o que ele toca, como a alça de metal, o papel higiênico, a fechadura do box do banheiro, etc. Além disso, a adição de Braille pode ser considerada quando apropriado, fornecendo outra camada de informação.
PECS Fase II: distância e persistência
A Fase II do PECS envolve ensinar o aluno a deslocar até o parceiro de comunicação e entregar um símbolo para obter o item desejado. Para os alunos com deficiência visual, essa fase apresenta desafios relacionados à mobilidade e segurança.
As especialistas sugerem o uso de pontos de referência artificiais, como uma figura grande do item desejado (como biscoitos), para ajudar o aluno a localizar e deslocar até onde está o item desejado . Quando o aluno não consegue se mover com segurança, ele aprende a usar um sistema de chamada, como uma campainha ou vocalizador, para chamar o parceiro de comunicação (ouvinte).
À medida que o aluno avança na Fase II, ele é ensinado a carregar a pasta de comunicação, usando bolsas plásticas transversais ou outros recipientes para armazenar os símbolos táteis tridimensionais de maneira organizada, garantindo que o sistema de comunicação esteja sempre acessível.
Considerações finais
A implementação do PECS para pessoas com deficiência visual requer adaptações cuidadosas e sensíveis às necessidades individuais. A legislação brasileira garante o direito de uso da Comunicação Aumentativa e Alternativa adaptada às necessidades específicas das pessoas com deficiência, incluindo aquelas com visão restrita.
Ao utilizar uma abordagem multissensorial, incorporando sons, cheiros, texturas e Braille, é possível criar um sistema de comunicação eficaz que promova mais autonomia e comunicação mais eficaz.
Agradecimentos
Agradeço à Jill M. Waegenaere, MA, CCC-SLP, consultora da Pyramid Educational Consultants dos EUA, pela contribuição e autorização na preparação deste artigo, bem como por compartilhar suas valiosas experiências e percepções sobre a implementação do PECS para pessoas com deficiência visual. A colaboração das especialistas norte-americanas Tamera e Nyssa no trabalho de Jill foi fundamental para adaptar com sucesso o PECS para alunos cegos ou com baixa visão. Tamera e Nyssa são professoras de alunos com deficiência visual e utilizam o programa “Tactile Connections: Symbols for Communication” para criar símbolos tridimensionais.
Referências
- BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Especial. Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva. Brasília: MEC/SEESP, 2008.
- BONDY, A.; FROST, L. Manual de Treinamento PECS: Sistema de Comunicação por Troca de Figuras. Newark, DE: Pyramid Educational Consultants, 2002.
- WAEDGENAERE, Jill M. PECS for individuals with vision impairments. Pyramid Educational Consultants, 2023. Disponível em: https://pecsusa.com/blog/pecs-for-individuals-with-vision-impairments/
- Tactile Connections: Symbols for Communication. American Printing House for the Blind, [s.d.]. Disponível em: https://www.aph.org/product/tactile-connections-symbols-for-communication/