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Ouvir um “não” ou ser convidada a “esperar” pode ser frustrante para qualquer criança. No entanto, para crianças com Transtorno do Espectro Autista (TEA), essas situações tendem a ser ainda mais desafiadoras, uma vez que muitas apresentam dificuldades com autorregulação, flexibilidade cognitiva e tolerância à frustração. A boa notícia é que essas habilidades não apenas podem, como devem, ser ensinadas de maneira estruturada e intencional.
Neste texto, compartilho estratégias práticas para ensinar, com consistência e clareza, os conceitos de “não” e “espere”, aplicáveis tanto no ambiente familiar quanto escolar. As recomendações aqui reunidas são fundamentadas em pesquisas recentes com adolescentes autistas, bem como em minha experiência clínica, especialmente utilizando o Sistema de Comunicação por Troca de Figuras (PECS), desenvolvido por Andy Bondy e Lori Frost.
Por que é tão difícil esperar ou ouvir “não”?
Antes de explorarmos as estratégias, é fundamental compreender a origem dessas dificuldades. Crianças com TEA frequentemente apresentam atrasos no desenvolvimento da linguagem e da comunicação funcional. Isso significa que muitas delas não compreendem por que não podem ter o que desejam imediatamente — ou não conseguem expressar sua frustração de forma apropriada. Como resultado, comportamentos como choro, birras, agitação ou até mesmo agressividade podem surgir. Além disso, é comum que certos comportamentos sejam reforçados de forma não intencional: ao ceder a pedidos em momentos de crise, os adultos acabam ensinando que comportamentos desafiadores podem ser eficazes para alcançar objetivos.
A importância de ensinar a esperar
Ensinar a esperar não é apenas ensinar uma habilidade comportamental — é desenvolver competências como autorregulação, paciência e a compreensão de que o tempo e a previsibilidade fazem parte da vida. Quando a criança aprende que coisas boas podem acontecer mesmo após um pequeno atraso, ela começa a entender que nem tudo acontece de forma imediata.
Como ensinar o “espere” com pistas visuais
Uma das formas mais eficazes de ensinar o conceito de “espere” a uma criança com autismo é por meio de pistas visuais, que tornam a espera mais concreta e compreensível. Para isso, você vai precisar de: um cartão visual com a palavra “Espere” (com cor e formato padronizados), um reforçador desejado pela criança (como um brinquedo ou uma atividade favorita), um ambiente tranquilo e com poucas distrações, além de círculos com velcro e fichas destacáveis.
Passo a passo:
- Escolha um momento em que a criança peça algo. Assim que ela fizer o pedido verbalmente, por meio de PECS ou outro sistema de comunicação, diga “Espere” e entregue o cartão visual.
- Aguarde um segundo e, em seguida, elogie: “Boa espera!” e entregue o item solicitado.
- Repita esse processo várias vezes ao dia, aumentando gradualmente o tempo de espera conforme a tolerância da criança. Se ela demonstrar agitação ou choro, reduza o tempo na próxima tentativa.
- Quando a criança já conseguir esperar por períodos mais longos (como 30 segundos), introduza fichas visuais que representem o tempo de espera.
- Mostre o cartão com espaços para fichas (como bolinhas com velcro) e explique: “Vamos esperar até completar os círculos”.
- A cada intervalo de tempo definido (por exemplo, a cada minuto), entregue uma ficha para a criança colar no cartão.
- Aumente gradualmente o número de fichas de acordo com o progresso da criança.
- Ao final da espera, quando todas as fichas forem colocadas, diga com entusiasmo: “Acabou a espera! Aqui está seu ___”, entregando o reforçador.
Além disso, recomenda-se o uso de uma “caixa da espera”, contendo brinquedos sensoriais simples ou outros itens neutros, que ajudem a manter a criança ocupada durante a espera. Essa estratégia torna o processo mais suportável e reduz a frustração. É fundamental, no entanto, que o item desejado nunca seja entregue se houver comportamento inadequado durante a espera, pois isso pode enfraquecer a aprendizagem. Se a criança estiver com dificuldades, retorne a tempos mais curtos e reconstrua a tolerância gradualmente, sempre respeitando seus limites individuais.
Para algumas crianças, gerenciar fichas e cartões de espera pode ser desafiador. Nesses casos, o uso de um cronômetro — seja visual ou auditivo, como um timer no celular, uma ampulheta ou um relógio de areia — pode ser um recurso valioso, pois oferece uma referência concreta e previsível sobre a duração da espera. O som do alarme ou a visualização do tempo passando ajuda a criança a compreender melhor quando a espera chegará ao fim.
Como ensinar o “não” com previsibilidade e consistência
O ensino do “não” também deve ser conduzido com previsibilidade, empatia e consistência. Negar algo a uma criança com autismo pode representar a retirada de algo altamente significativo para ela, o que exige sensibilidade por parte do adulto. A comunicação deve ser clara e direta, como: “Hoje não tem carro.” Sempre que possível, ofereça alternativas que ajudem a criança a lidar com a frustração: “Hoje não tem tablet, mas podemos brincar de massinha.” O uso de pistas visuais — como o símbolo universal de “não” ou imagens que representem “acabou” — facilita a compreensão. Antecipar a negativa também é uma boa prática: “Depois do almoço, pode assistir a um desenho animado. Depois disso, o desenho animado acabou.”
É essencial manter a coerência: nunca diga “espere” quando, na verdade, você quer dizer “não”. O cartão de espera representa uma promessa de que o item virá; se essa expectativa não for cumprida, a criança pode perder a confiança na estratégia. Com consistência e previsibilidade, o “não” se torna mais compreensível e menos frustrante, promovendo confiança e segurança emocional nas interações cotidianas.
Aplicando a habilidade de esperar no mundo real
Além de ensinar habilidade de esperar em contextos controlados, temos que levá-la para o mundo real. Comece por ambientes com baixa demanda, como uma padaria em horário calmo. Leve todos os materiais de apoio — o cartão de espera, fichas visuais, a caixa da espera e reforçadores. Mantenha a estrutura já praticada: a criança faz o pedido, recebe o cartão de espera, aguarda o tempo combinado e, ao final, é recompensada. Cada pequena vitória — como esperar um minuto na fila — deve ser celebrada com entusiasmo. O envolvimento de toda a rede de apoio (pais, professores, terapeutas e cuidadores) é fundamental para garantir a consistência do processo. Quanto mais essa prática for incorporada ao cotidiano, mais eficaz será o desenvolvimento da habilidade de esperar em diferentes contextos.
Ensinar os conceitos de “não” e “espere” vai muito além de estabelecer limites: trata-se de promover inclusão, cuidado e segurança emocional. O uso de estratégias visuais e estruturadas, como as oferecidas pelo PECS, favorece a comunicação funcional, o desenvolvimento da paciência e a compreensão de regras sociais. Com planejamento, constância e apoio adequado, é possível ajudar a criança a construir essas habilidades fundamentais para uma convivência mais harmoniosa, com mais autonomia e menos frustração, tanto em casa quanto na escola e na comunidade.
Referências Bibliográficas
BONDY, A.; FROST, L. Manual de Treinamento PECS: Sistema de Comunicação por Troca de Figuras. Newark, DE: Pyramid Educational Consultants, 2002.
POPOVA, O. A.; DOBROVA, O. N.; SAVENKOVA, E. V. Developing of the Waiting Skill in Adolescents with Developmental Disorders Using the PECS Alternative Communication System. Autism and Developmental Disorders, v. 23, n. 1, p. 48–58, 2025. ISSN 1994-1617 / 2413-4317.
SMITH, T. Applied Behavior Analysis for Teaching Social Skills to Children with Autism. Oakland, CA: New Harbinger Publications, 2020.