21 de maio de 2025

Tempo de Leitura: 5 minutos

Ouvir um “não” ou ser convidada a “esperar” pode ser frustrante para qualquer criança. No entanto, para crianças com Transtorno do Espectro Autista (TEA), essas situações tendem a ser ainda mais desafiadoras, uma vez que muitas apresentam dificuldades com autorregulação, flexibilidade cognitiva e tolerância à frustração. A boa notícia é que essas habilidades não apenas podem, como devem, ser ensinadas de maneira estruturada e intencional.

Neste texto, compartilho estratégias práticas para ensinar, com consistência e clareza, os conceitos de “não” e “espere”, aplicáveis tanto no ambiente familiar quanto escolar. As recomendações aqui reunidas são fundamentadas em pesquisas recentes com adolescentes autistas, bem como em minha experiência clínica, especialmente utilizando o Sistema de Comunicação por Troca de Figuras (PECS), desenvolvido por Andy Bondy e Lori Frost.

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Por que é tão difícil esperar ou ouvir “não”?

Antes de explorarmos as estratégias, é fundamental compreender a origem dessas dificuldades. Crianças com TEA frequentemente apresentam atrasos no desenvolvimento da linguagem e da comunicação funcional. Isso significa que muitas delas não compreendem por que não podem ter o que desejam imediatamente — ou não conseguem expressar sua frustração de forma apropriada. Como resultado, comportamentos como choro, birras, agitação ou até mesmo agressividade podem surgir. Além disso, é comum que certos comportamentos sejam reforçados de forma não intencional: ao ceder a pedidos em momentos de crise, os adultos acabam ensinando que comportamentos desafiadores podem ser eficazes para alcançar objetivos.

A importância de ensinar a esperar

Ensinar a esperar não é apenas ensinar uma habilidade comportamental — é desenvolver competências como autorregulação, paciência e a compreensão de que o tempo e a previsibilidade fazem parte da vida. Quando a criança aprende que coisas boas podem acontecer mesmo após um pequeno atraso, ela começa a entender que nem tudo acontece de forma imediata.

Como ensinar o “espere” com pistas visuais

Uma das formas mais eficazes de ensinar o conceito de “espere” a uma criança com autismo é por meio de pistas visuais, que tornam a espera mais concreta e compreensível. Para isso, você vai precisar de: um cartão visual com a palavra “Espere” (com cor e formato padronizados), um reforçador desejado pela criança (como um brinquedo ou uma atividade favorita), um ambiente tranquilo e com poucas distrações, além de círculos com velcro e fichas destacáveis.

Passo a passo:

  1. Escolha um momento em que a criança peça algo. Assim que ela fizer o pedido verbalmente, por meio de PECS ou outro sistema de comunicação, diga “Espere” e entregue o cartão visual.
  2. Aguarde um segundo e, em seguida, elogie: “Boa espera!” e entregue o item solicitado.
  3. Repita esse processo várias vezes ao dia, aumentando gradualmente o tempo de espera conforme a tolerância da criança. Se ela demonstrar agitação ou choro, reduza o tempo na próxima tentativa.
  4. Quando a criança já conseguir esperar por períodos mais longos (como 30 segundos), introduza fichas visuais que representem o tempo de espera.
  5. Mostre o cartão com espaços para fichas (como bolinhas com velcro) e explique: “Vamos esperar até completar os círculos”.
  6. A cada intervalo de tempo definido (por exemplo, a cada minuto), entregue uma ficha para a criança colar no cartão.
  7. Aumente gradualmente o número de fichas de acordo com o progresso da criança.
  8. Ao final da espera, quando todas as fichas forem colocadas, diga com entusiasmo: “Acabou a espera! Aqui está seu ___”, entregando o reforçador.

Além disso, recomenda-se o uso de uma “caixa da espera”, contendo brinquedos sensoriais simples ou outros itens neutros, que ajudem a manter a criança ocupada durante a espera. Essa estratégia torna o processo mais suportável e reduz a frustração. É fundamental, no entanto, que o item desejado nunca seja entregue se houver comportamento inadequado durante a espera, pois isso pode enfraquecer a aprendizagem. Se a criança estiver com dificuldades, retorne a tempos mais curtos e reconstrua a tolerância gradualmente, sempre respeitando seus limites individuais.

Para algumas crianças, gerenciar fichas e cartões de espera pode ser desafiador. Nesses casos, o uso de um cronômetro — seja visual ou auditivo, como um timer no celular, uma ampulheta ou um relógio de areia — pode ser um recurso valioso, pois oferece uma referência concreta e previsível sobre a duração da espera. O som do alarme ou a visualização do tempo passando ajuda a criança a compreender melhor quando a espera chegará ao fim.

Como ensinar o “não” com previsibilidade e consistência

O ensino do “não” também deve ser conduzido com previsibilidade, empatia e consistência. Negar algo a uma criança com autismo pode representar a retirada de algo altamente significativo para ela, o que exige sensibilidade por parte do adulto. A comunicação deve ser clara e direta, como: “Hoje não tem carro.” Sempre que possível, ofereça alternativas que ajudem a criança a lidar com a frustração: “Hoje não tem tablet, mas podemos brincar de massinha.” O uso de pistas visuais — como o símbolo universal de “não” ou imagens que representem “acabou” — facilita a compreensão. Antecipar a negativa também é uma boa prática: “Depois do almoço, pode assistir a um desenho animado. Depois disso, o desenho animado acabou.”

É essencial manter a coerência: nunca diga “espere” quando, na verdade, você quer dizer “não”. O cartão de espera representa uma promessa de que o item virá; se essa expectativa não for cumprida, a criança pode perder a confiança na estratégia. Com consistência e previsibilidade, o “não” se torna mais compreensível e menos frustrante, promovendo confiança e segurança emocional nas interações cotidianas.

Aplicando a habilidade de esperar no mundo real

Além de ensinar habilidade de esperar em contextos controlados, temos que levá-la para o mundo real. Comece por ambientes com baixa demanda, como uma padaria em horário calmo. Leve todos os materiais de apoio — o cartão de espera, fichas visuais, a caixa da espera e reforçadores. Mantenha a estrutura já praticada: a criança faz o pedido, recebe o cartão de espera, aguarda o tempo combinado e, ao final, é recompensada. Cada pequena vitória — como esperar um minuto na fila — deve ser celebrada com entusiasmo. O envolvimento de toda a rede de apoio (pais, professores, terapeutas e cuidadores) é fundamental para garantir a consistência do processo. Quanto mais essa prática for incorporada ao cotidiano, mais eficaz será o desenvolvimento da habilidade de esperar em diferentes contextos.

Ensinar os conceitos de “não” e “espere” vai muito além de estabelecer limites: trata-se de promover inclusão, cuidado e segurança emocional. O uso de estratégias visuais e estruturadas, como as oferecidas pelo PECS, favorece a comunicação funcional, o desenvolvimento da paciência e a compreensão de regras sociais. Com planejamento, constância e apoio adequado, é possível ajudar a criança a construir essas habilidades fundamentais para uma convivência mais harmoniosa, com mais autonomia e menos frustração, tanto em casa quanto na escola e na comunidade.

Referências Bibliográficas

BONDY, A.; FROST, L. Manual de Treinamento PECS: Sistema de Comunicação por Troca de Figuras. Newark, DE: Pyramid Educational Consultants, 2002.

POPOVA, O. A.; DOBROVA, O. N.; SAVENKOVA, E. V. Developing of the Waiting Skill in Adolescents with Developmental Disorders Using the PECS Alternative Communication System. Autism and Developmental Disorders, v. 23, n. 1, p. 48–58, 2025. ISSN 1994-1617 / 2413-4317.

SMITH, T. Applied Behavior Analysis for Teaching Social Skills to Children with Autism. Oakland, CA: New Harbinger Publications, 2020.

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Fonoaudióloga, mestre em estudos linguísticos pela Universidade de Londres, tem curso avançado de autismo credenciado pela Universidade de Cambridge, na Inglaterra. Diretora geral da Pyramid Consultoria Educacional do Brasil, tem uma sólida experiência de trabalho com crianças e adultos com ampla gama de dificuldades de comunicação por razões variadas: físicas, mentais, sociais e emocionais. O primeiro curso PECS que frequentou foi em 2002 e desde então PECS tornou-se parte de sua prática diária.

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