1 de dezembro de 2021

Tempo de Leitura: 5 minutos

Mutações genéticas motivam união de famílias para se apoiarem mutuamente e estimularem a ciência

O que motiva um grupo a se unir pode ter diversas origens. Pensando em autismo e condições de saúde relacionadas — como, por exemplo, diversas síndromes que estão dentro do Transtorno do Espectro do Autismo (TEA) — talvez a primeira que possa vir à mente é geográfica: pessoas da mesma cidade ou região se reúnem para se ajudar, promover eventos e fazer ações que as beneficiem, ou beneficiem seus filhos (no caso de pais de autistas).

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Outra motivação — mais em sintonia com tempos de pandemia e de uso de redes sociais — são interesses em comum, como a busca por direitos dos autistas, ou informações sobre educação ou mesmo dicas para o dia a dia de uma pessoa autista, nas suas mais diversas variações do espectro. Esses grupos todos já existem e continuarão existindo e ajudando muita gente.

O que tenho percebido, porém, é um aumento nos grupos voltados a quem já sabe  qual seu “subtipo” de autismo (geralmente por meio de um exame de sequenciamento genético), qual mutação (ou mutações — pois, podem ser várias) genética é a causa do autismo ou de uma síndrome recém-diagnosticada. Mas, qual a razão desse movimento? Simples: pessoas com “autismos” semelhantes geralmente têm necessidades e características semelhantes. O caminho que um percorreu, ou a solução que encontrou para determinada questão, pode ajudar o outro com um atalho imensurável, desde uma questão comportamental de menor relevância, até o efeito colateral pelo uso de algum medicamento. Cada troca é valiosa nesses casos!

Por fim, mais uma razão é incentivar a ciência a estudar um determinado gene ou “subtipo” de autismo. Seja doando ou arrecadando fundos para investimento científico, seja simplesmente se organizando em grupo, com informações estruturadas para facilitar (e até mesmo estimular) que cientistas façam seus estudos a respeito de uma condição de saúde específica — desde o teste de drogas até uma terapia inovadora ou uma solução específica para algum sintoma.

Aliás, foi pensando nisso tudo acima que criamos a primeira plataforma social do mundo dedicada ao autismo, a Tismoo.me, que pretende organizar e estruturar os dados de saúde de todo o ecossistema ligado ao autismo e síndromes relacionadas. Mas, esse já é outro papo! — se você ainda não conhece, acesse o site www.tismoo.me e peça seu convite para explorar os recursos do aplicativo.

Segunda camada do diagnóstico

Em 2019, fiz uma reportagem sobre o que chamei de “segunda camada do diagnóstico“, com um grupo de quatro famílias que se juntou por conta de seus filhos com síndrome de Helsmoortel-Van Der Aa (ou simplesmente “síndrome de ADNP”, nome do gene envolvido), que fundaram a ADNP Brasil, um grupo de amigos e familiares da síndrome de ADNP. 

Falamos justamente sobre o que pode estar oculto em um diagnóstico de autismo sem saber a causa genética — ou como dizem os médicos e cientistas, “sem causa genética conhecida” — e os benefícios de ter a informação e a união para essa ajuda mútua. Junto com eles, estavam ainda Keli Melo, mãe do Idrys (um rapaz autista que tem síndrome do Singap 1 e síndrome de Ehlers-Danlos, com hipermobilidade), e ligada ao grupo norte-americano “SynGAP the Bridge” e também Claudia Spadoni, outra mãe que sabe mais que muito cientista sobre a síndrome Phelan-McDermid (PMS na sigla em inglês), com a qual sua filha foi diagnosticada. Claudia está ligada a associações no Brasil e nos EUA.

Claudia Spadoni, num artigo para o Portal da Tismoo, no mês passado, por conta do Dia Mundial de Conscientização da PMS, 22 de outubro, a AFSPM (Associação Amigos e Familiares da Síndrome de Phelan McDermid no Brasil) organizou o 5º Encontro anual com a participação das famílias, pesquisadores, médicos, terapeutas e apoiadores de PMS. “O evento foi realizado em dois sábados – 2 e 9 de outubro de 2021. Foi uma oportunidade única de troca de experiências com palestras sobre genética, apresentação de estudos publicados sobre a síndrome, terapias que se aplicam no tratamento e muito mais. Algumas destas sessões e palestras foram disponibilizadas”, contou Claudia.

O link para todas as associações citadas aqui estão no final desta reportagem.

Shank2 Foundation

A norte-americana Polly Appel é um exemplo disso. Ela criou uma fundação para apoiar pessoas não só nos Estados Unidos, mas em todo o mundo, com foco em quem tem mutação no gene Shank2. Mesmo tendo um filho já adulto e sabendo que os benefícios são sempre maiores para os mais novos, ela não pensa em si, mas na sociedade e no futuro dessas pessoas, que poderá ser muito melhor com a Shank2 Foundation. “Nosso objetivo é fornecer aos pesquisadores as informações necessárias para acelerar o desenvolvimento de tratamentos para transtornos do neurodesenvolvimento associados ao gene SHANK2. Além disso, estamos nos esforçando para aumentar a conscientização sobre os transtornos do neurodesenvolvimento associados ao SHANK2 e apoiar as famílias envolvidas”, explicou ela.

“No meio de 2020, um amigo me contou sobre uma fundação chamada CureShank. Falei com eles, pensando que eles estavam focados no Shank2, mas descobri que eles apóiam principalmente famílias e pesquisadores do Shank3 (outro gene). Mas um dos fundadores do CureShank me apresentou a vários cientistas pesquisadores do SHANK2 e a alguns pais de crianças afetadas por essa mutação. Meu parceiro na fundação foi um desses pais. Assim que começamos a conversar, percebemos a necessidade de um esforço unificado para apoiar a comunidade SHANK2 e decidimos criar uma base”, narrou Polly, a respeito do nascimento da associação.

Síndrome de Rett e DEAF1

Outro grupo que se formou recentemente foi o de pais de autistas com alteração no gene DEAF1, presidido pela jornalista e publicitária Ana Karine Bittencourt, de Brasília (DF), que é mãe de um menino com essa alteração genética. Além de profissionais e especialistas, o grupo é formado também por familiares — não só pais e mães! —, como avós e tios de pessoas com a síndrome, que é outra com nome oficial bem complexo: “síndrome de Vulto-Van Silfhout de Vries”. Outra nome ligada ao gene é o do transtorno causado: DAND (DEAF1-Associated Neurodevelopmental Disorder) sigla em inglês para transtorno do neurodesenvolvimento associado ao DEAF1.

No site do Instituto DEAF1 há uma declaração de intenções logo na primeira página: “Muito já foi visto, mas para as nossas crianças ainda há muitas perguntas, dificuldades, convulsões e outros desafios diários sem resposta. Nós queremos ir além. Com responsabilidade, transparência, proximidade entre as famílias e a ciência, fé e comprometimento, nós acreditamos que a pesquisa pode auxiliar a cada uma dessas pessoas a ter mais qualidade de vida, de comunicação, de participação social”.

Outro exemplo brasileiro é a Abre-te, Associação Brasileira da Síndrome de Rett, que promove ações de conscientização e organiza os dados das pessoas com Rett, além de estimular a ciência a produzir mais estudos relacionados à síndrome e ao MECP2, gene ligado a Rett.

Esses todos são exemplos práticos que validam o slogan “juntos somos mais fortes”, fazendo da união dos grupos um combustível não só para que a ciência acelere, mas para a ajuda mútua e, por vezes, ao menos provendo um ouvido para dividir os dias difíceis ou comemorar as vitórias diárias. Parabéns a todos pela atitude!

Sites das associações citadas:

 

CONTEÚDO EXTRA

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Editor-chefe da Revista Autismo, jornalista, empreendedor.

Editorial — Revista Autismo nº 15

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