13 de junho de 2025

Tempo de Leitura: 3 minutos

Na última década, a popularização das redes sociais no Brasil teve um papel essencial no processo de conscientização sobre o Transtorno do Espectro Autista (TEA). Isso se deve, em grande parte, à presença de influenciadores autistas que utilizam essas plataformas para promover conteúdos voltados à conscientização da condição.

No entanto, nas últimas semanas, esse papel social extremamente relevante dos influenciadores atípicos no meio digital passou a ser questionado, principalmente após a repercussão de um caso envolvendo a divulgação de posts com propaganda sobre o chamado “jogo do tigrinho” por parte de uma pessoa autista.

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Soube dessa informação durante conversas em um grupo de WhatsApp com autistas de diversas regiões do Brasil, do qual faço parte. Inicialmente, não sabia quem era a personalidade envolvida, mas após conversas em particular com outras duas pessoas autistas (cujas identidades preservarei) foi possível confirmar que, de fato, trata-se de uma pessoa com grande visibilidade entre o público atípico.

O que é o jogo do tigrinho?

A expressão “jogo do tigrinho” é como popularmente é conhecido um tipo de cassino online que induz o usuário a jogar, com a promessa de ganhos milionários caso acerte uma combinação de figuras em uma roleta virtual. No entanto, essas combinações dificilmente ocorrem, pois o algoritmo da máquina é programado para gerar perdas intencionais, promovendo o vício. Esse vício tem destruído a saúde financeira e mental da população brasileira, especialmente de pessoas autistas.

Cassinos online são proibidos no Brasil. Diferentemente das apostas esportivas, que foram regulamentadas recentemente pela Lei 14.790/2023, conhecida como Lei das Bets, os cassinos virtuais operam a partir de brechas legais e estratégias de marketing agressivas.

Essas empresas recrutam influenciadores digitais com contratos milionários, em troca da divulgação da jogatina nas redes sociais. Essa prática, inclusive, foi abordada em uma reportagem da Revista Piauí, na edição de janeiro de 2025. O aumento do vício em apostas tem gerado sérios prejuízos à sociedade brasileira.

De acordo com um estudo divulgado pelo Banco Central em setembro do ano passado, o mercado de apostas e jogos de azar movimentou R$ 300 milhões até o mês de agosto. O mesmo documento revelou que jovens entre 20 e 30 anos gastam, em média, R$ 100 por mês com apostas.

Além disso, o país tem assistido ao aumento do endividamento entre os mais jovens por causa das apostas. Um estudo do Instituto DataSenado, divulgado em outubro do ano passado, mostrou que 42% dos entrevistados entre 16 e 39 anos disseram estar endividados devido às apostas esportivas.

Diante disso, é necessário refletir: por que, mesmo sabendo dos efeitos nocivos dos jogos de azar, uma pessoa autista com formação em saúde e alta visibilidade nas redes decidiu divulgar esse tipo de conteúdo? Não é plausível utilizar a ingenuidade como justificativa para se isentar de responsabilidade, especialmente quando se tem consciência do impacto que esse tipo de vício pode ter na vida das pessoas.

Não é razoável que alguém que defende a bandeira do TEA utilize sua posição pública para promover produtos enganosos, ainda que seja com o intuito de alcançar algum objetivo pessoal. Existem meios lícitos de realizar sonhos sem colocar em risco a integridade dos seguidores.

Atitudes como essa enfraquecem o discurso de luta pela inserção de autistas adultos na sociedade brasileira, que ainda são amplamente esquecidos. Além disso, reforçam estereótipos e contribuem para a discriminação cotidiana, especialmente nas redes sociais. Felizmente, a repercussão do caso provocou uma onda de conscientização sobre os perigos das apostas online, e algumas pessoas influentes passaram a recusar propostas de divulgação desse tipo de conteúdo.

Devemos usar nossas redes sociais para promover mudança e consciência coletiva, e não para incentivar comportamentos autodestrutivos que afetam a saúde física e mental de pessoas autistas.

Senado aprova projeto de lei que proíbe propagandas de apostas

No último dia 28 de maio, o Senado Federal aprovou o Projeto de Lei nº 2.985/2023, de autoria do senador Styvenson Valentim (PSDB-RN), que restringe a promoção de publicidade de casas de apostas para categorias como atletas, jornalistas, comunicadores, artistas e influenciadores.

A proposta tem como objetivo proteger as camadas mais vulneráveis da população dos efeitos nocivos do vício em apostas, que prejudicam não apenas a saúde financeira, mas também a saúde mental dos envolvidos. Após a aprovação no Senado, a proposta segue para votação na Câmara dos Deputados, antes de ser sancionada ou vetada pela Presidência da República.

Enquanto essa nova legislação não entra em vigor, prevalece a lei do bom senso: se você é autista e influenciador, não aceite e tampouco divulgue propagandas de apostas online. Além de ser antiético, essa prática contribui para prejudicar uma causa legítima e necessária, a da inclusão da população atípica.

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