13 de outubro de 2022

Tempo de Leitura: 2 minutos

Sobre infâncias divergentes, hoje resolvi compartilhar algumas percepções de quando era menina. Estes fragmentos foram extraídos e adaptados da obra de minha autoria A Interseccionalidade entre Autismo e Transgeneridade: diálogos afetivos no Twitter (2022). Nos primeiros capítulos dessa produção, reflito sobre a necessidade de um olhar hospitaleiro para a infância.

Acontece que, ao rever os meus afetos ao longo da minha vida, lembro-me que, quando eu era criança, em função de minhas características autistas, tinha reações muito peculiares no que tangia à interação com outras pessoas. Disparava a falar sobre um assunto que ganhava meu interesse, sem ter a leitura social de que poderia estar atrapalhando um adulto no trabalho, por exemplo. Demonstrava, com muita transparência, as minhas percepções sobre os estímulos sensoriais do ambiente, às vezes com risos incontroláveis, às vezes com expressões de raiva. Não tinha freio algum e não percebia com certeza a maneira como as pessoas me observavam.

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Ainda assim, me julgava uma observadora das outras pessoas. Afinal, eu era bastante curiosa sobre tudo o que me despertava interesse e isso se estendia às interações sociais. Embora eu não tivesse amigos íntimos, era bastante próxima a quem se abria a conversar comigo. Minha mãe conta que, se uma empregada ou babá quisesse ganhar a minha confiança, ela deveria me contar casos do dia a dia, porque eu adorava aprender com os outros e suas humanidades.

Por outro lado, a crença vinda de outras pessoas de que eu era um homem gay me perseguia desde a primeira infância. Minha mãe relata que, ainda na pré-escola, quando eu estava com cinco anos de idade, uma psicóloga que acompanhava as crianças lhe deu um telefonema para discutir sobre a minha “homossexualidade”. Em diversos momentos em que argumentei com alguém que a minha questão não se limitava à atração sexual e nem estava diretamente ligada a ela, essa angústia foi ignorada.

Assim, a  posição de poder aceitar o outro já coloca determinados sujeitos em posição de superioridade, de maneira a reforçar a lógica de que a sociedade deve despender grande energia para aprovar ou tolerar um fenômeno indesejável. Nesse cenário, os aspectos da formação identitária das crianças trans são cerceados.

Logo, no que se refere a afetos desagradáveis, a abjeção opera uma dinâmica violenta em relação às pessoas trans. O abjeto não é apenas o que causa repugnância, mas, principalmente, aquele que se encontra em espaço fronteiriço entre lugares de pertencimento e desafia a construção de uma subjetividade fixa e única.

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Jornalista, escritora, apresentadora, pesquisadora, 24 anos, diagnosticada autista aos 11, autora de oito livros, mantém o site O Mundo Autista no portal UAI e o canal do YouTube Mundo Autista.

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