29 de agosto de 2021

Tempo de Leitura: 3 minutos

O autismo é algo realmente muito complexo e ainda hoje, apesar das características do transtorno estarem mais conhecidas, dos critérios de diagnóstico já serem muito bem definidos e de cada vez mais existirem profissionais capacitados para lidar com essa condição, ainda assim é muito complicado e o entendimento não é tão simples em vários aspectos.

Mesmo entre as características mais conhecidas ainda há muitas dúvidas sobre o que é bom ou ruim, quando algo é benéfico e quando é prejudicial. E por isso hoje venho falar para vocês sobre essa dualidade no Transtorno do Espectro do Autismo (TEA).

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Comecemos pelo hiperfoco que, com certeza, quem já buscou entender um pouquinho sobre o autismo já ouviu falar. Muito comum ouvir do próprio autista que o hiperfoco é algo maravilhoso, e estar envolvido com aquele assunto que faz parte do interesse específico do indivíduo dá muito prazer. E garanto que o hiperfoco é realmente maravilhoso. Ele oferece oportunidades para que a pessoa autista seja muito boa naquele tópico, que saiba coisas difíceis de se saber sobre aquilo e que realmente possa ser especialista naquele tema.

Mas o que pode ter de ruim nisso então? É que ao focar muito em algo, consequentemente a pessoa não estará abordando outros temas, muitas vezes nem mesmo dando atenção de maneira superficial, deixando totalmente de lado outras demandas. E qualquer um pode imaginar que na vida não tem como se atentar a apenas aquilo que gostamos ou que temos interesse. E ainda mais penosa pode se tornar essa característica quando muitas das pessoas com TEA percebem que estão deixando outras coisas que são importantes de lado para dedicarem-se ao hiperfoco.

E as estereotipias ou stims, como muitos autistas preferem chamar, ajudam ou atrapalham?

Aqui mais um aspecto onde a resposta é dicotômica. Por muito tempo, profissionais que trabalhavam com o tratamento do TEA, pais e mães, buscaram manobras visando eliminar esses movimentos repetitivos porque acreditava-se que seriam algo sem função, portanto passíveis de serem extintos. Hoje, com os conhecimentos mais evoluídos, já se entende que nenhum comportamento é sem função. E, com os relatos de muitas pessoas autistas afirmando que essa característica é importante para regulação, demonstração de sentimentos e até mesmo comunicação, os rumos de terapias já são outros, dando um olhar mais cuidadoso para esse aspecto.

E isso quer dizer que sempre os stims são bons? Definitivamente não! Mesmo com esse entendimento de todas essas funções que as estereotipias exercem, ainda assim algumas podem ser extremamente prejudiciais no sentido de que acarretam um malefício extremamente superior as benesses. Como exemplo, podemos tomar o ato de arranhar a pele a ponto de fazer feridas, de bater nas próprias orelhas ao tanto de causar deformações no local. Ou seja, essas estereoripias também tem função de comunicar algo, expressar alegria ou tristeza ou até mesmo aliviar sobrecargas, mas de maneira a causar danos ao indivíduo. Portanto, é necessário que sejam reprimidas e substituídas.

Para complicar um pouco mais, mesmo em relação a aspectos que se têm como deficitários no TEA, ainda assim podemos ter, em contrapartida, algumas vantagens. Por exemplo, as questões relacionadas ao que chamamos de coerência central fraca, que é inerente ao TEA.

Explicando de maneira simplificada, essa é uma característica em que a pessoa tem dificuldade em olhar o todo, seja dentro de um contexto de socialização (o qual sinais dispersos indicam a nuance de uma conversa além do que é falado oralmente), seja na percepção de um ambiente (em que o contexto indica o tom do que está acontecendo) ou até mesmo na percepção de como funciona um brinquedo (por não conseguir focar no geral atentando apenas a uma peça específica ao invés de fazer de maneira funcional, como quando a criança pega um carrinho e brinca apenas com as rodinhas).

Entretanto, ao ter isso como características, a de focar no todo, ou seja, a coerência central fraca propriamente dita, logo a pessoa autista apresenta o que podemos chamar de uma coerência específica forte, que nada mais é do que justamente essa capacidade de focar tanto num ponto específico de modo que possa enxergar coisas que outros não perceberiam, de resolver problemas que uma pessoa típica teria mais dificuldades de solucionar e de maneira que muitas vezes pode surpreender pela originalidade e astúcia.

Por isso, é importante entender que antes de autistas as pessoas com TEA são indivíduos e como para qualquer outro ser humano, o importante é buscar o bem-estar sem se preocupar com o que parece ou não normal, mas sim com o que traz felicidade e respeito ao próximo, mesmo que o próximo seja bem diferente de você.

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Presidente da ONDA-Autismo e membro do Conselho de Autistas; ativista; administrador da página @autiesincero no Instagram, servidor público federal, palestrante e escritor.

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