7 de maio de 2023

Tempo de Leitura: 2 minutos

Monstro? Que monstro é esse? Sim, vamos falar sobre o tal livro do monstrinho. Não deu para não me posicionar apesar dos inúmeros posts incríveis que estão rodando a internet. Diversas pessoas, como @autismolegal, @fatimadekwant, @ivanbaron, entre outros, já se posicionaram.

Durante a pandemia, me deparei com o trabalho de Anna Llenas, publicitária espanhola que abandonou tudo para se dedicar à arteterapia. Autora de inúmeros livros infantis, trouxe o título “O monstro das cores”, uma associação lúdica entre emoções e o quão assustadoras elas podem ser. Utilizei o material com várias crianças em atendimento na ocasião do pânico geral durante o período de enclausuramento que a Covid-19 nos colocou. Aliás, esse não é o único trabalho dela, muitos outros estão à venda e são ricos e cheios de analogias para o mundo infantil.

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Associar monstros com emoções é de fato uma boa analogia. Monstros assustam, são criaturas da imaginação e quanto mais disformes, mais assustadores. A Pixar, Pixar Brasil, em sua animação “Monstros, S.A. conseguiu transformar essas figuras em bichinhos de pelúcia carinhosos e aconchegantes pela linda história que retratam. Mas continuam sendo monstros, protetores ao final da história, mas monstros.

Quando estamos diante de algo terrível, feito por um ser humano, dizemos: ele é um monstro, ou, que monstruosidade. Não há em nossa língua, como associar a palavra monstro a algo bom. O significado construído da palavra é de algo ruim.

Eis que, Iara Medeiros, em adaptação a um material da “Growing Kinders” (não fica bem claro qual é esse material especificamente), lança um livro chamado “Um monstro em minha escola” — há diversos vídeos no Youtube (alguns aparecem neste link de busca).

Surpreendentemente, esse monstro vai à escola e “atrapalha” a turma em sala de aula — como diria um tal ex-ministro da educação, há alguns anos. Ele faz barulhos, cutuca, corre, fala alto, enfim, faz “estripulias” que todos os colegas se incomodam. Ele é um monstro incomodando todas as crianças lindas e bem educadas da sala. Mas a professora é bem “legal” e diz que até monstros aprendem. 

É sério isso? Essa simbologia é para lá de capacitista; ela é cruel.

Não preciso discorrer aqui que inclusão é via de mão dupla; não preciso discorrer que a diferença não significa incapacidade; não preciso discorrer sobre compreensão e empatia. 

Monstro, na minha humilde percepção, é quem segrega, quem discrimina, quem educa pela desinformação.

Com perdão do trocadilho, essa monstruosidade está sendo trabalhada em salas de aula e está presente em canais de histórias infantis. O ponto trabalhado não é pela aceitação da diferença, mas pela paciência dos pequenos em transformar aquele monstro em algo que tenha “bondade e obediência”.

Às portas do Dia das Mães, mães com filhos com deficiência, mães de autistas recebem a notícia que seus filhos são comparáveis a monstros. Podem ser monstros bonzinhos se forem obedientes, mas continuam monstros. Parabéns Mães. Mais essa para vocês engolirem.

Volto a perguntar: é sério isso?

Como um educador pode, em sã consciência, olhar esse material e acreditar que de fato ele é educativo. Somente se estivermos falando de uma educação higienista que, por mera coincidência, é outra monstruosidade.

O material é cruel; é discriminatório. Não há desculpas.

Uma monstruosidade.

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É psicóloga clínica, terapeuta de família, diretora do Centro de Convivência Movimento – local de atendimento para autistas –, autora de vários artigos e capítulos de livros, membro do GT de TEA da SMPD de São Paulo e membro do Eu me Protejo (Prêmio Neide Castanha de Direitos Humanos de Crianças e Adolescentes 2020, na categoria Produção de Conhecimento).

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