18 de junho de 2025

Tempo de Leitura: 4 minutos

Comunicar-se vai muito além do ato de falar. Comunicar é expressar desejos, necessidades, emoções, pensamentos e opiniões de forma que outra pessoa compreenda. Para muitas crianças com transtorno do espectro do autismo (TEA) — especialmente aquelas não verbais ou com fala limitada —, essa comunicação precisa acontecer por meios alternativos. Um dos métodos mais eficazes e amplamente reconhecidos é o PECS (Sistema de Comunicação por Troca de Figuras).

O PECS representa uma porta de entrada para o desenvolvimento da comunicação funcional. Neste artigo, vamos explorar estratégias para expandir o uso de frases com figuras, incorporando estruturas linguísticas, iniciadores de sentenças e usando estratégias de ensino baseadas em evidências. Também ofereceremos sugestões que estimulam o engajamento e ampliam as oportunidades comunicativas.

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Pedidos simples

O PECS começa de forma concreta e altamente motivadora. A criança aprende que, ao entregar uma figura a outra pessoa, pode obter algo que deseja — como um brinquedo, um alimento favorito ou uma atividade prazerosa. Essa simples troca ensina que a comunicação é eficaz e gera resultados.

No início, o foco é na troca de uma única figura do item desejado — por exemplo, “carro”. Com a prática, a criança começa a discriminar figuras, fazer escolhas intencionais e montar frases simples como “Eu quero bola”. Ainda que essa estrutura seja básica, representa um marco essencial: a criança descobre que tem uma voz — mesmo que seja por meio de figuras — e que essa voz pode ser ouvida e compreendida.

Pedidos mais específicos

Após dominar a estrutura básica de pedidos, o próximo passo é enriquecer essa comunicação com maior precisão e detalhamento. Isso ocorre com a introdução de atributos como cor, tamanho, preposição, quantidade, partes do corpo e verbos de ação.

Por exemplo: se a criança prefere um carro azul, podemos apresentar dois carros idênticos — um azul e um verde — para que ela aprenda a especificar sua escolha usando o atributo “azul”. A aprendizagem baseada no contraste real é essencial para dar significado aos adjetivos. Além disso, mostramos que características menos preferidas também têm valor comunicativo. Se a bola favorita estiver dentro de uma caixa vermelha, será necessário utilizar o atributo “vermelho” para alcançar o objetivo — mesmo que a cor preferida da criança seja azul.

Respondendo a perguntas de solicitação

Uma etapa importante no desenvolvimento da linguagem é a habilidade de responder a perguntas. Começamos com a pergunta “O que você quer?”, sempre associada a um item de interesse da criança. Inicialmente, oferecemos ajuda para ela responder, mas, com o tempo, esse auxílio é reduzido para promover independência.

É fundamental, no entanto, não interromper os momentos de comunicação espontânea. O ensino de respostas deve acontecer em paralelo ao estímulo para que a criança se comunique de forma espontânea sendo proativa, sem depender de questionamentos.

Além dos pedidos: os comentários

Comentar é uma função comunicativa essencial — que vai muito além de pedir algo. Comentários permitem compartilhar percepções, emoções e interesses sobre o que se vê, ouve, sente, etc. Exemplos incluem: “Eu vejo um gato”, “Eu escuto música”, “Eu tenho um caminhão”.

Essas construções podem ser ensinadas por meio de perguntas como: “O que você vê?”, “O que você escuta?”, “O que tem aí?”.

Quando a criança diz, por exemplo, “Eu vejo um pássaro”, a resposta do adulto deve ser social — “Que legal! Eu também vejo! Muito lindo este pássaro” — e não oferecer o pássaro como recompensa. Assim, ela entende que o comentário é uma forma de interação social, e não uma ferramenta para receber algo.

Após aprender a responder perguntas, o foco passa a ser a iniciativa espontânea de comentar. Ambientes variados e estímulos visuais e sonoros tornam essa prática mais natural. Frases motivadoras do adulto, como “Olha só!” ou “Que interessante!”, podem ser usadas inicialmente para incentivar esse tipo de comunicação, sendo gradualmente retiradas, estimulando a criança a comentar por vontade própria.

Esse momento marca um avanço significativo: a criança não apenas responde, mas participa ativamente da interação social.

Expandindo a estrutura das frases com o PECS

Com o progresso no uso do PECS, é possível ensinar estruturas linguísticas mais complexas, como:

  • Sujeito + Verbo + Objeto Ex: “O menino está comendo”
  • Iniciadores de sentenças variados Ex: “Vamos brincar?”, “Eu sinto dor”, “Meu nome é João”
  • Pronomes interrogativos Ex: “Quando vou nadar?”, “Onde está telefone?”
  • Tempos verbais (passado e futuro) Ex: “Eu comi bolo”, “Eu vou passear”
  • Conectores e conjunções Ex: “Eu quero suco e bolo”

Esses elementos são introduzidos de forma gradual, sempre em contextos significativos para a criança, utilizando estratégias de ensino baseadas em evidências. Neste estágio, a criança passa a expressar ideias mais abstratas, falar sobre eventos passados, compartilhar preferências e participar de conversas mais ricas e socialmente relevantes.

Recomendações para um aprendizado eficaz

Ampliar o vocabulário e a estrutura das frases deve ser uma experiência prazerosa e motivadora. Crianças com autismo aprendem melhor quando estão envolvidas em atividades que fazem sentido e despertam interesse genuíno.

Recomendações práticas:

  • Utilize temas que a criança gosta: carros, animais, desenhos, comidas favoritas
  • Promova atividades reais e cotidianas: cozinhar, cuidar de plantas, organizar brinquedos
  • Crie oportunidades de comunicação em diferentes ambientes: casa, escola, parque
  • Varie os materiais visuais, mantendo a pasta de comunicação sempre acessível
  • Evite atividades mecânicas ou repetitivas sem função comunicativa real.

A aprendizagem significativa acontece quando há propósito, motivação e conexão emocional.

A comunicação é um direito de todos. “O protocolo de implementação do PECS segue 6 fases: 1) ensinar a comunicar por meio da troca de figuras; 2) treino de distância e persistência; 3) discriminação de figuras em escolhas (3.1) escolhas de figuras de alta preferência x item desinteressante e 3.2) escolhas entre itens de múltiplas preferências); 4) Estrutura da Sentença Eu quero + Atributos; 5) Responder à pergunta: “O que você quer?” e; 6) Comentários (Eu vejo…, Eu ouço…).” Cartilha ISAAc Brasil

Ao expandir o uso do PECS, ensinando cada fase, enriquecendo as frases com estruturas mais complexas, estamos oferecemos às crianças com autismo não apenas uma forma de se expressar, mas também de se conectar, participar e pertencer. Cada figura trocada e/ou cada frase formada é um passo a mais rumo a uma comunicação mais plena, funcional e significativa.

Referências

BONDY, A.; FROST, L. Manual de Treinamento PECS: Sistema de Comunicação por Troca de Figuras. Newark, DE: Pyramid Educational Consultants, 2002.

BONDY, A; FROST, L. A Picture’s Worth: PECS and Other Visual Communication Strategies in Autism. 2. ed. Bethesda, MD: Woodbine House, 2011

ISAAC BRASIL. Cartilha de Comunicação Alternativa e Aumentativa: Saberes e Práticas. Disponível em: https://www.isaacbrasil.org.br/uploads/9/7/5/4/97548634/cartilhacaafinalsab.pdf.

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Fonoaudióloga, mestre em estudos linguísticos pela Universidade de Londres, tem curso avançado de autismo credenciado pela Universidade de Cambridge, na Inglaterra. Diretora geral da Pyramid Consultoria Educacional do Brasil, tem uma sólida experiência de trabalho com crianças e adultos com ampla gama de dificuldades de comunicação por razões variadas: físicas, mentais, sociais e emocionais. O primeiro curso PECS que frequentou foi em 2002 e desde então PECS tornou-se parte de sua prática diária.

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