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Nos últimos anos, o termo “modelagem livre de expectativas” (do inglês modeling) ganhou atenção entre profissionais de comunicação aumentativa e alternativa (CAA) e professores que trabalham com alunos que usam dispositivos de comunicação. A ideia é simples e atraente: o adulto mostra ao aluno como usar o sistema de comunicação, sem pressioná-lo a responder. Embora isso possa ser descrito como uma maneira gentil de ensinar, a questão permanece: a modelagem por si só é suficiente para desenvolver uma comunicação significativa?
O que é “modelagem sem expectativas”?
A modelagem sem expectativas significa que o adulto usa o dispositivo de comunicação – como uma placa de comunicação ou um tablet com um aplicativo AAC – para “mostrar o caminho” ao aluno. O adulto aponta para símbolos, constrói frases e demonstra como o sistema funciona, sem exigir que o aluno faça o mesmo.
Essa abordagem cria um ambiente livre de pressão e incentiva a curiosidade. Nos primeiros dias com um novo aparelho, faz todo o sentido: o aluno precisa conhecer o sistema e se sentir à vontade para explorá-lo.
O problema surge quando essa estratégia continua por meses ou até anos, e o aluno ainda não usa o sistema de forma independente.
Alguns profissionais justificam esse tempo com base em estudos sobre o desenvolvimento da fala: estima-se que, no primeiro ano de vida, os bebês ouçam seus cuidadores falarem por cerca de 1.600 horas antes de produzir suas primeiras palavras.
Mas há um ponto importante: os bebês não aprendem apenas ouvindo. Eles aprendem através da interação. A comunicação começa com trocas recíprocas: o bebê faz um som, o cuidador responde imitando-o e o bebê percebe que pode influenciar a outra pessoa. Desde o início, o aprendizado acontece por meio da troca, não apenas por alguém “conversando” com a criança.
A comunicação é uma via de mão dupla
Quando refletimos sobre isso, vemos que a modelagem simples – onde o adulto fala com o aluno – não reflete a maneira natural como aprendemos a nos comunicar.
A comunicação emerge das interações de vai e volta: o aluno faz algo, o parceiro responde e essa resposta motiva novas tentativas.
Portanto, modelar sozinho, sem esperar uma resposta ou criar oportunidades de troca, pode não ser suficiente.
A modelagem é importante, mas deve ser intencional
Isso não significa que devemos abandonar a modelagem como estratégia de ensino. Pelo contrário, continua sendo uma ferramenta essencial no ensino da comunicação. O que precisamos é usá-la de forma planejada e intencional.
Primeiro, é importante observar o aluno: ele está prestando atenção? Ele pode imitar? Ele está motivado para se comunicar? Esses fatores influenciam fortemente se a modelagem será eficaz.
Também é necessário decidir o que exatamente modelar:
- O que o aluno diria (“Eu quero brincar”) ou o que nós diríamos (“Você quer brincar?”)?
- Uma única palavra (“brincar”) ou uma frase completa (“Eu gostaria de brincar”)?
Essas decisões devem ser determinadas com base nas habilidades e necessidades do aluno.
Saber quando mudar de estratégia
Se você acha que a modelagem livre de expectativas é a estratégia certa para o seu aluno, assim como em qualquer procedimento de ensino, é essencial ter critérios claros para avaliar se o método escolhido está funcionando.
Se o aluno não estiver usando sua modalidade de comunicação de forma independente (como um dispositivo ou prancha de comunicação) após uma prática consistente, talvez seja hora de refinar a abordagem. Quando o progresso se estabiliza, é importante dar um passo para trás e analisar os principais fatores, como a motivação do aluno, a forma como os erros são abordados e se ajuda adicional seria benéfica.
Quando a modelagem se torna dependência
Um cuidado importante: quando o adulto modela o tempo todo, sem expectativa, o aluno pode aprender que o adulto é quem “fala”, não ele.
Há casos em que o aluno, querendo algo, agarra a mão do adulto e a coloca no dispositivo – como se dissesse: “Você fala por mim”.
Isso mostra que eles entendem a situação, mas não compreendem o seu papel como comunicador.
Integrando modelagem e interação
Pesquisas mostram que as abordagens mais eficazes combinam modelagem com outras estratégias, como incentivos, reforço social, ajuda físico e oportunidades reais de comunicação.
Em outras palavras, a modelagem pode ser um ponto de partida, mas não deve ser a única opção. Não existe um ‘ sempre funciona para todos’ quando se trata de ensino. Nosso trabalho é saber o que funciona e o que não funciona para nossos alunos.
Interações significativas
Ensinar comunicação vai muito além de apontar para símbolos. Trata-se de criar interações significativas, responder às dicas do aluno e celebrar todas as tentativas de comunicação.
“Todo aluno tem o direito de se comunicar. É nosso trabalho ajudá-los a chegar lá – não algum dia, mas hoje” (Spottiswood, 2024)
Referências
- SPOTTISWOOD, K. The Cost of Waiting: Why Our Learners Deserve Effective Communication Now. Blog da Pyramid Educational Consultants, 2024. Disponível em: https://pecsusa.com/blog/the-cost-of-waiting.
- HORTON, C. When Modelling is Not Enough. Treinamento da Pyramid Educational Consultants, 2024.
- BONDY, A.; FROST, L. PECS Training Manual: Picture Exchange Communication System. Newark, DE: Pyramid Educational Consultants, 2024.
Soraia Vieira





