19 de novembro de 2025

Tempo de Leitura: 3 minutos

Nos últimos anos, o termo “modelagem livre de expectativas” (do inglês modeling) ganhou atenção entre profissionais de comunicação aumentativa e alternativa (CAA) e professores que trabalham com alunos que usam dispositivos de comunicação. A ideia é simples e atraente: o adulto mostra ao aluno como usar o sistema de comunicação, sem pressioná-lo a responder. Embora isso possa ser descrito como uma maneira gentil de ensinar, a questão permanece: a modelagem por si só é suficiente para desenvolver uma comunicação significativa?

O que é “modelagem sem expectativas”?

A modelagem sem expectativas significa que o adulto usa o dispositivo de comunicação – como uma placa de comunicação ou um tablet com um aplicativo AAC – para “mostrar o caminho” ao aluno. O adulto aponta para símbolos, constrói frases e demonstra como o sistema funciona, sem exigir que o aluno faça o mesmo.

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Essa abordagem cria um ambiente livre de pressão e incentiva a curiosidade. Nos primeiros dias com um novo aparelho, faz todo o sentido: o aluno precisa conhecer o sistema e se sentir à vontade para explorá-lo.

O problema surge quando essa estratégia continua por meses ou até anos, e o aluno ainda não usa o sistema de forma independente.

Alguns profissionais justificam esse tempo com base em estudos sobre o desenvolvimento da fala: estima-se que, no primeiro ano de vida, os bebês ouçam seus cuidadores falarem por cerca de 1.600 horas antes de produzir suas primeiras palavras.

Mas há um ponto importante: os bebês não aprendem apenas ouvindo. Eles aprendem através da interação. A comunicação começa com trocas recíprocas: o bebê faz um som, o cuidador responde imitando-o e o bebê percebe que pode influenciar a outra pessoa. Desde o início, o aprendizado acontece por meio da troca, não apenas por alguém “conversando” com a criança.

A comunicação é uma via de mão dupla

Quando refletimos sobre isso, vemos que a modelagem simples – onde o adulto fala com o aluno – não reflete a maneira natural como aprendemos a nos comunicar.

A comunicação emerge das interações de vai e volta: o aluno faz algo, o parceiro responde e essa resposta motiva novas tentativas.

Portanto, modelar sozinho, sem esperar uma resposta ou criar oportunidades de troca, pode não ser suficiente.

A modelagem é importante, mas deve ser intencional

Isso não significa que devemos abandonar a modelagem como estratégia de ensino. Pelo contrário, continua sendo uma ferramenta essencial no ensino da comunicação. O que precisamos é usá-la de forma planejada e intencional.

Primeiro, é importante observar o aluno: ele está prestando atenção? Ele pode imitar? Ele está motivado para se comunicar? Esses fatores influenciam fortemente se a modelagem será eficaz.

Também é necessário decidir o que exatamente modelar:

  • O que o aluno diria (“Eu quero brincar”) ou o que nós diríamos (“Você quer brincar?”)?
  • Uma única palavra (“brincar”) ou uma frase completa (“Eu gostaria de brincar”)?

Essas decisões devem ser determinadas com base nas habilidades e necessidades do aluno.

Saber quando mudar de estratégia

Se você acha que a modelagem livre de expectativas é a estratégia certa para o seu aluno, assim como em qualquer procedimento de ensino, é essencial ter critérios claros para avaliar se o método escolhido está funcionando.

Se o aluno não estiver usando sua modalidade de comunicação de forma independente (como um dispositivo ou prancha de comunicação) após uma prática consistente, talvez seja hora de refinar a abordagem. Quando o progresso se estabiliza, é importante dar um passo para trás e analisar os principais fatores, como a motivação do aluno, a forma como os erros são abordados e se ajuda adicional seria benéfica.

Quando a modelagem se torna dependência

Um cuidado importante: quando o adulto modela o tempo todo, sem expectativa, o aluno pode aprender que o adulto é quem “fala”, não ele.

Há casos em que o aluno, querendo algo, agarra a mão do adulto e a coloca no dispositivo – como se dissesse: “Você fala por mim”.

Isso mostra que eles entendem a situação, mas não compreendem o seu papel como comunicador.

Integrando modelagem e interação

Pesquisas mostram que as abordagens mais eficazes combinam modelagem com outras estratégias, como incentivos, reforço social, ajuda físico e oportunidades reais de comunicação.

Em outras palavras, a modelagem pode ser um ponto de partida, mas não deve ser a única opção. Não existe um ‘ sempre funciona para todos’ quando se trata de ensino. Nosso trabalho é saber o que funciona e o que não funciona para nossos alunos.

Interações significativas

Ensinar comunicação vai muito além de apontar para símbolos. Trata-se de criar interações significativas, responder às dicas do aluno e celebrar todas as tentativas de comunicação.

“Todo aluno tem o direito de se comunicar. É nosso trabalho ajudá-los a chegar lá – não algum dia, mas hoje” (Spottiswood, 2024)

 

Referências

  • SPOTTISWOOD, K. The Cost of Waiting: Why Our Learners Deserve Effective Communication Now. Blog da Pyramid Educational Consultants, 2024. Disponível em: https://pecsusa.com/blog/the-cost-of-waiting.
  • HORTON, C. When Modelling is Not Enough. Treinamento da Pyramid Educational Consultants, 2024.
  • BONDY, A.; FROST, L. PECS Training Manual: Picture Exchange Communication System. Newark, DE: Pyramid Educational Consultants, 2024.
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Fonoaudióloga, mestre em estudos linguísticos pela Universidade de Londres, tem curso avançado de autismo credenciado pela Universidade de Cambridge, na Inglaterra. Diretora geral da Pyramid Consultoria Educacional do Brasil, tem uma sólida experiência de trabalho com crianças e adultos com ampla gama de dificuldades de comunicação por razões variadas: físicas, mentais, sociais e emocionais. O primeiro curso PECS que frequentou foi em 2002 e desde então PECS tornou-se parte de sua prática diária.

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