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O interesse pela relação entre o transtorno do espectro do autismo (TEA), especialmente em adultos de alto funcionamento, e os chamados transtornos de personalidade, como o borderline, tem aumentado nos últimos anos. Um editorial publicado em 2024 no British Journal of Psychiatry, por Zavlis e Tyrer(1), propôs uma nova forma de entender essa interseção — mais clara, mais justa e mais útil para quem vive essas realidades.
Segundo os autores, há duas interpretações comuns sobre a sobreposição entre autismo e transtornos de personalidade. A primeira sugere que muitos adultos autistas, principalmente mulheres, são erroneamente diagnosticados com transtorno de personalidade borderline, devido à semelhança entre os sintomas: dificuldade em relações sociais, instabilidade emocional, impulsividade, crises de identidade. Esse erro ocorre com frequência porque o autismo feminino costuma ser mais camuflado e menos reconhecido pelos profissionais de saúde.
A segunda visão reconhece que, em alguns casos, as duas condições podem coexistir: a pessoa é autista e também desenvolve um transtorno de personalidade. Isso se explicaria pelo fato de que as dificuldades emocionais e relacionais típicas do autismo, quando vividas de forma intensa e crônica, podem gerar padrões de comportamento considerados desadaptativos pela psiquiatria tradicional.
O diferencial do artigo está em propor uma visão mais integrada: os autores defendem que certos traços de personalidade — como rigidez, reatividade emocional e isolamento — fazem parte do próprio espectro autista em muitos casos. Ou seja, essas características não seriam um transtorno à parte, mas expressões legítimas da neurodivergência.
Esse entendimento é possível graças às novas classificações da Organização Mundial da Saúde (CID-11) e da Associação Psiquiátrica Americana (DSM-5), que passaram a tratar os transtornos de personalidade de forma dimensional — não mais como “rótulos fechados”, mas como graus de intensidade e impacto funcional.
Assim, em vez de pensar em categorias fixas (autismo ou transtorno de personalidade), os autores propõem olhar para dimensões do funcionamento psíquico: como a pessoa se relaciona, regula suas emoções e se percebe no mundo. Isso permite um diagnóstico mais justo, que evita tanto os erros de exclusão do autismo quanto a patologização excessiva de traços pessoais que podem ser parte do próprio espectro.
Conceber o autismo e os transtornos de personalidade como espectros que podem se cruzar — mas que têm naturezas distintas — pode ajudar profissionais, famílias e pessoas neurodivergentes a compreender melhor suas vivências e a buscar caminhos de cuidado mais coerentes com suas realidades.
Referência
- ZAVLIS O.; TYRER P. The interface of autism and (borderline) personality disorder. Br J Psychiatry, v. 225, n. 3, p. 360–361, Set 2024. doi:10.1192/bjp.2024.80.