1 de junho de 2023

Tempo de Leitura: 5 minutos

 Muitas perguntas surgem ao falarmos de animais de assistência. Para esclarecer tais dúvidas e contribuir para discussões sobre um tema tão recente e tão importante em centenas ou milhares de lares, Ronaldo Novoa, 51 anos, presidente do Instituto Reddogs (@instituoreddoggs), concedeu uma longa entrevista que contribui para entendermos melhor o que é um cão de assistência. 

Muita gente acredita que se trata apenas de comprar um cãozinho para seu filho e que, aprender a cuidar dele fará toda a diferença. O tema é bem mais complexo do que podemos supor. São dois anos de treinamento de um animal de tamanho e raças específicas, feito por um treinador qualificado para as especificidades que a assistência exigir.

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Em nosso bate papo inicial sobre o tema, entendemos que há treinamentos diferentes para cada tipo de cão de assistência. Aqui, vamos abordar quais são esses cães e o que eles fazem pelos seus tutores.

O primeiro deles é o CApD, cão guia ou cão de assistência para deficientes, que “capacita e habilita o seu usuário a atividades que sua deficiência o impede de realizar sozinho.”, tais como:

Para um deficiente visual: o cão deve guiar seu condutor desviando de objetos pelo caminho e o proteger de possíveis acidentes.

Para um cadeirante: recolher objetos caídos no chão, acender ou apagar luzes fora do alcance, puxar a cadeira de rodas.

Para um autista: controle emocional em suas crises, protegê-lo de autoflagelação e autoagressão, intervir em questões ligadas à fuga quando criança, entre outras atividades sociais, motoras, psicológicas, sensoriais e mentais.

Um CApD é treinado para tarefas como cães de serviço e se enquadra no programa de certificação de cães de serviço. Esses cães passam por treinamento específico para desempenho de suas funções que começam desde a seleção na infância, passando por largo e intenso período de educação, socialização e dos treinos específicos de cada serviço a ser executado por cerca de 24 meses. Esses animais atendem normas rígidas de convívio social, controle e funções a que se destinam.

Por outro lado, um CAE ou cão de assistência emocional pode oferecer segurança ao seu tutor em ambientes que lhe causem estresse, mesmo não tendo passado por treinamento algum, principalmente no quesito convívio social. O que isso significa? Que o animal pode latir no cinema, por exemplo, trazendo transtornos e impedimentos futuros para o tutor de um CApD. 

A falta de legislação em relação ao treinador, ao treinamento e à família social impedem o bom encadeamento do treinamento dos cães de assistência. Um exemplo bem básico diz respeito ao uso no ambiente social amplo do CApD pelo seu tutor como um passeio ao shopping. Sem a legislação devida, não há como treinar o uso das escadas rolantes, por exemplo, pelo animal, pois estes são proibidos de usá-las. Um CApD pode usar as escadas rolantes, mas como treiná-lo sem o acesso dos treinadores ao mecanismo? 

Nesse ponto de nossa conversa, já encontramos dois problemas graves relacionados à legislação vigente. Um sobre as especificações de cada animal e outro sobre treinadores e treinamento. 

Embora as leis vigentes amparem ambas categorias de animais, o CAE pode ser acompanhante em qualquer lugar, desde que seu tutor possua um laudo médico indicando a necessidade do animal, e o seu impedimento pode gerar uma deficiência ao seu tutor sem sua presença. Em outras palavras, a ausência de um bom treinamento social de um CAE pode impedir o livre acesso de um CApD que deixará seu tutor à mercê das inacessibilidades estruturais de nossa sociedade. Ainda hoje no Brasil, qualquer animal pode ser um animal de apoio emocional: cobras, ratos, cachorros, etc. 

Entender e estender a necessidade do mesmo direito aos instrutores e treinadores de cães de assistência e às famílias socializadoras é pré-requisito para a excelência em todas as fases do treinamento, incluindo as diferenciações de direitos entre os tipos de serviços dos cães. 

— Quais cães podem receber a classificação de “cão de assistência”?

Todo cão pesando menos de 40 kg, desde que o animal seja dócil, educado, controlado e tenha sido aprovado em todos os testes dentro dos processos de socialização, educação, obediência básica e interações específicas.

— Quem pode preparar um cão de assistência?

Entidades sem fins lucrativos com CNPJ e treinadores reconhecidamente capacitados, que pertençam ou não a uma entidade de treinamento de cães de assistência. Famílias Socializadoras são famílias voluntárias, escolhidas pelas suas capacidades emocionais e habilidades de socializar o cão em treinamento, mostrando-lhe o mundo.

— Como identificar um cão de assistência e seu condutor?

Todo cão de assistência deve portar:

  1. colete que o identifique para todos como cão de assistência com seu nome, função e status (em treinamento ou em serviço).
  2. medalha em sua coleira com as informações através de QRCODE mantido pela instituição responsável pelo cão.
  3. nome do cão, fotos que identifiquem o cão, raça, idade e gênero do cão
  4. dados da instituição que o treinou (nome, CNPJ, telefone do responsável, site) ou nome e CPF do treinador responsável.
  5. dados do usuário, nome, idade, gênero, carteira de PcD.
  6. dados da família ou responsável legal do usuário/PcD.
  7. carteira de vacinação do cão atualizada com assinatura do médico veterinário responsável.
  8. cópias das leis que atestem seu acesso, permanência e inclusão no local ou transporte.

— Quais os direitos do cão de assistência?

Esses cães se igualam quanto ao processo de treinamento a cães guia e outros serviços e por isso seus direitos podem e devem ser igualados.

Acesso a e permanência em quaisquer locais públicos e privados.

Acesso e utilização de qualquer transporte público, privado ou particular.

— Quais os procedimentos no transporte do cão de assistência?

No caso de companhias aéreas, ferroviárias, marítimas e rodoviárias é necessário informar no momento da compra da passagem e apresentar toda a documentação necessária com pelo menos 5 dias de antecedência da data do embarque.

O cão de assistência deve ir sentado ou deitado no piso, à frente ou ao lado do usuário, sem prejuízo a passagens de emergência e tripulação.

Em transporte público urbano (metrô, ônibus de linhas municipais, trens, táxis, Uber e similares) o cão de assistência não pode ser impedido de ingressar e permanecer ao lado do seu usuário e não deve ser cobrado pelo transporte.  Da mesma forma descrita anteriormente, o cão de assistência deve ir sentado ou deitado no piso do meio de transporte urbano utilizado, posicionado à frente ou ao lado do usuário.

O que se tem hoje, é uma ampla confusão entre os tipos de animais de assistência e de apoio emocional. Os animais de apoio emocional não são treinados como os cães de assistência, até porque cobras e lagartos podem ser considerados animais de apoio emocional se assim o laudo médico de quem o portar determinar.

Em 30.mar.2023, o deputado Caio França apresentou na Assembleia Legislativa de São Paulo (ALESP) o Projeto de Lei 367/2023 dispondo “sobre os direitos da pessoa com deficiência, transtorno do espectro autista, transtornos psicológicos ou sensoriais de ingressar em ambientes públicos e privados acompanhado pelo seu animal de suporte emocional em todo estado de São Paulo.”

O PL define tais animais como tendo fins terapêuticos, proposição da qual nosso entrevistado enfaticamente diverge. 

“Uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa”, já diriam muitos. É fato a necessidade de que esses animais de assistência e apoio emocional sejam legislados, no entanto não se trata apenas de colocá-los todos em uma mesma categoria. 

São animais distintos e com tarefas igualmente distintas. Sua diferenciação é urgente para que a lei assegure o treinamento adequado daqueles que serão uma extensão de pernas, braços, olhos e cuidadores de muitas pessoas. 

Uma das exigências propostas no PL é que os animais tenham crachás, coletes e certificado de adestramento. Algo impossível para uma serpente, por exemplo. 

Precisamos de leis mais claras e estruturadas para que auxiliem seus usuários a saberem como se comportar, bem como aos donos de estabelecimentos. 

Outro ponto relevante diz respeito aos estabelecimentos como bares e restaurantes onde a Anvisa e/ou Vigilância Sanitária proíbem a entrada de animais. Quem tem mais voz nesse caso? A lei que garante a permanência do animal ou a lei que garante a qualidade do produto vendido? 

O que acontece em uma sala de aula de 30 alunos, se 29 deles possuírem animais de suporte emocional? A escola deverá receber todos?

Todas essas particularidades precisam estar dispostas na lei, para tornar o dia a dia de todos uma via de acesso e não de perturbações e transtornos.

Segundo o IBGE, no censo de 2010,  cerca de 24% da população brasileira tinha algum tipo de deficiência — é quase uma fatia de um quarto do bolo — e muitos poderão se beneficiar de leis claras, profundas e dedicadas a assegurar os direitos dos cidadãos.

A luta contra o preconceito começa pela informação.

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É psicóloga clínica, terapeuta de família, diretora do Centro de Convivência Movimento – local de atendimento para autistas –, autora de vários artigos e capítulos de livros, membro do GT de TEA da SMPD de São Paulo e membro do Eu me Protejo (Prêmio Neide Castanha de Direitos Humanos de Crianças e Adolescentes 2020, na categoria Produção de Conhecimento).

É tudo emocional

André e a Turma da Mônica em: Parte dois

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