9 de maio de 2023

Tempo de Leitura: 3 minutos

O mundo sempre me pareceu um lugar caótico, no qual por vinte e sete longos anos eu tentei — sem sucesso — me adaptar. Ao começar a graduação em psicologia, a abordagem comportamental aparentava ser o caminho lógico a seguir: notas máximas e um mundo codificado em padrões, que eu desde a infância tinha muita facilidade em detectar.

Após o diagnóstico, iniciei a terapia na abordagem comportamental — a mais difundida no meio autista —, e por quase dois anos, numa parceria com uma profissional excelente, ampliei substancialmente meu repertório de comportamentos. Decorrido este período, eu sentia falta de aprofundar certas temáticas e entender a razão e a origem de certos padrões pessoais. Foi aí que voltei minha atenção a duas abordagens em específico: a fenomenologia e a psicanálise, que têm em seu fundamento a relevância da subjetividade do sujeito e parte daí para a sua relação com o mundo.

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A partir de minha trajetória pessoal, não posso descrever o prazer com o qual recebi o convite da diretoria da Associação Nacional para Inclusão das Pessoas Autistas (Ania) para compor a mesa da Dra. Gisella Fadda durante o 2º Simpósio Internacional de Inclusão no Ensino Superior, que ocorreu na Faculdade de Direito da USP, entre os dias 29 e 31 de março deste ano.

Confesso que não estive presente em grande parte do seminário da Dra. Gisella, que iniciou sua participação com o relato de uma situação cotidiana para neurotípicos: uma simples ida à padaria para tomar café após o almoço — mas, sob a ótica de um autista, de maneira pormenorizada, com a descrição de todos os estímulos presentes, sua intensidade, os pensamentos que borbulhavam na mente enquanto precisava fazer escolhas conscientes de minúcias que não são sequer consideradas por pessoas que não estão no espectro. Sua narrativa foi tão impactante e continha tantos elementos presentes em meu cotidiano que me obrigaram a deixar o salão (já com lágrimas nos olhos) para evitar uma crise.

Assistindo à gravação de seu seminário, percebi que minha primeira impressão estava correta: Gisella, adepta da abordagem fenomenológica, é daquele tipo de profissional necessário para a transformação de uma sociedade que se apega a estereótipos e tem a necessidade de criar rótulos, classificar-nos em caixinhas, desconsiderando a singularidade que habita cada ser.

A evolução de sua fala foi acompanhada pelas fases do desenvolvimento humano e os desafios que cada uma delas trazia aos neurodiversos: entre os pontos abordados, o foco em particularidades que prendem nossa atenção, o lugar-comum de preguiçosos, chatos, sistemáticos que recebemos por nossa rigidez cognitiva e constantes sobrecargas sensoriais, a exaustão que processos corriqueiros nos causam e a necessidade de suporte emocional e da consciência corporal.

Falando sobre o “masking” — mecanismo comumente desenvolvido de maneira inconsciente por autistas com o objetivo de possibilitar uma adaptação social —, nos trouxe a hipótese de que este artifício é tão comum em razão de não acreditarmos em nossas próprias percepções e nos sentirmos mais seguros ao criar personagens. No entanto, é potencialmente o sintoma principal do surgimento de outros transtornos, como o transtorno obsessivo compulsivo (TOC).

Em minha caminhada, tive a sorte de encontrar profissionais que, assim como a Dra. Gisella, tinham um olhar sistêmico e global, que entendiam a importância de considerar a subjetividade além dos treinos de habilidades, que também são importantíssimos e podem ser realizados em paralelo a outras abordagens. É importante considerarmos fatores como a psicoeducação da sociedade, o oferecimento de suporte físico, ambiental e relacional e o respeito pelo próximo como variáveis que maximizam ou diminuem o êxito de um acompanhamento terapêutico! Como afirmado por ela durante o seminário, é necessário capacitar profissionais de saúde para impedir a proliferação da mentalidade capacitista. Além disso, é imprescindível assumir uma postura emancipatória que nos incentive a alcançar o máximo de nossas potencialidades enquanto respeitamos nossos limites e particularidades.

Uma vez que aprendemos a captar o que sentimos e pensamos, teremos uma capacidade ainda maior de captar o outro, suas intenções e motivações, tornando o convívio social mais inteligível e menos penoso para nós.

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Amanda tem 31 anos, e foi diagnosticada tardiamente autista, aos 27 anos, é policial civil, psicanalista e consultora em autismo. Em 2023 foi diagnosticada com dupla excepcionalidade, uma condição na qual o TEA é associado às Altas Habilidades.

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