8 de maio de 2025

Tempo de Leitura: 3 minutos

Hoje vou falar sobre a representação do Autismo na Cultura Pop. Isso porque a cultura pop, com seu poder de alcançar corações e mentes através de narrativas envolventes, possui um papel crucial que vai além do mero entretenimento. Assim, ao apresentar personagens e discussões sobre o Transtorno do Espectro Autista (TEA), ela pavimenta o caminho para a compreensão, a empatia e a desmistificação de ideias preconceituosas.

1. Qual a importância da cultura pop trazer debates e personagens com espectro autista para as telas?

Embora sua função primordial seja entreter, a cultura pop tem a capacidade de iniciar conversas profundas sobre temas relevantes para a sociedade. Assim, uma obra que cativa o público abre espaço para reflexões sobre diversas experiências. Dessa forma, expõe nuances, contradições e novas perspectivas. Portanto, como costumo dizer, a arte alcança lugares onde a ciência ainda não chegou.

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Nesse sentido, a representação do autismo na cultura pop é vital para dar visibilidade a aspectos muitas vezes negligenciados dessa condição. Através de narrativas acessíveis, a produção cultural pode comunicar vivências concretas. Além disso, pode apresentar possibilidades que dificilmente seriam exploradas de outras formas. Tudo isso se torna uma poderosa ferramenta para o autoconhecimento, o fomento da empatia e a ampliação da conscientização sobre o TEA.

2. De qual maneira esses personagens podem auxiliar pessoas com autismo na vida real?

Personagens autistas na cultura pop têm o potencial de desmistificar o autismo para o público em geral, que pode vir a interagir com pessoas autistas em suas vidas pessoais ou profissionais. Eles também podem oferecer mais informações e elementos de discussão para aqueles que buscam um diagnóstico. Ou, ainda, para quem já o possui.

Principalmente, esses personagens trazem humanidade e concretude ao olhar sobre o autismo. Afinal, eles mostram como é ser autista na prática. Então, podem dar voz a grupos de autistas menos estudados e apresentar a diversidade dentro do espectro.

3. Existe algum ponto de cuidado nessa história toda, especialmente na hora de retratar tais personagens?

Infelizmente, grande parte da produção mainstream sobre autismo na cultura pop tende a cair em clichês e estereótipos ultrapassados. Com isso, reforça visões limitadas no imaginário popular. Séries como “The Good Doctor” e “The Big Bang Theory”, por exemplo, muitas vezes restringem a compreensão do que é o autismo e de quem pode ser autista.

Conheço diversos autistas médicos, muitos dos quais sequer mencionam seu diagnóstico. Contudo, eles geralmente possuem um perfil diferente do personagem interpretado por Freddie Highmore. Eles podem ser mais hábeis em camuflar certas características do autismo. O espectro autista é vasto. No entanto, a a cultura pop, por vezes, se limita a representações restritas para gerar conforto e uma identificação imediata para o público. Porém, acredito que uma boa representação sempre traz algo novo e relevante para o nosso entendimento sobre o tema.

4. Para você, qual personagem dentro do espectro autista merece destaque? No caso de ser melhor construído, ter profundidade, etc.

Em geral, aprecio muito mais obras que não fazem do autismo uma bandeira explícita, mas que, ao invés de se concentrarem em tratamentos médicos e dificuldades convencionais, exploram as complexas nuances de dor e beleza da condição. Por isso, gosto muito do filme “Querido John”. Este é um romance onde o autismo é uma questão secundária, mas que, justamente por isso, apresenta personagens autistas de forma tocante.

Aliás, há dois personagens autistas no filme: um menino com autismo nível 2 e o pai do protagonista, um adulto nível 1 cujo autismo só foi percebido tardiamente. A forma como o filme retrata essas diferenças e a pluralidade do espectro é muito bonita. No caso do personagem com autismo nível 1, o hiperfoco em moedas e algumas crises são particularmente emocionantes por serem construídos em uma história bem desenvolvida. Então, quando desenvolvemos afeto pelos personagens, torna-se mais fácil compreendê-los e buscar entender as pessoas autistas no mundo real.

Outro excelente exemplo, agora com uma protagonista autista, é a série “O Som e a Sílaba”. Novamente, as relações humanas que transcendem o autismo estão em primeiro plano. Porém, as situações facilmente identificáveis estão presentes em um texto primoroso e cuidadoso de Miguel Falabella. Tudo isso nos leva a desenvolver mais empatia e a buscar similaridades e diferenças. Além disso, a interpretação de Alessandra Maestrini é notáve. Afinal, ela apresenta uma personagem peculiar e com dificuldades de camuflagem sem cair em estereótipos. A protagonista é excêntrica e demonstra uma discrepância intrigante entre habilidades e dificuldades. Isso é algo comum na vida real de pessoas autistas.

5. Você, como uma pessoa autista, jornalista e youtuber com um canal sobre autismo, acha que o debate hoje sobre o TEA é suficiente? O que falta trazer para a conversa?

Acredito que estamos avançando na compreensão da complexidade e da pluralidade do TEA, mas essa evolução tem gerado desconforto em vozes mais conservadoras da comunidade médica, que, movidas por interesses não científicos, buscam desqualificar diversas representações. Ainda há um longo caminho a percorrer, inclusive no entendimento de que nenhuma representação será totalmente fiel; as representações propõem diálogos com a realidade, não são uma imitação perfeita de todas as experiências.

Falta, portanto, uma maior humanização da pessoa autista, reconhecendo-a como um indivíduo como qualquer outro que, embora possua características distintas, pode manifestá-las de inúmeras maneiras diferentes.

(Originalmente publicado em O Mundo Autista, no portal UAI)

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Jornalista, escritora, apresentadora, pesquisadora, 24 anos, diagnosticada autista aos 11, autora de oito livros, mantém o site O Mundo Autista no portal UAI e o canal do YouTube Mundo Autista.

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