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A Comunicação Aumentativa e Alternativa (CAA) é oficialmente recomendada pela Sociedade Brasileira de Neurologia Infantil – Departamento Científico de Transtornos do Neurodesenvolvimento (SBN), conforme as diretrizes nacionais “Recomendações e Diretrizes para o Diagnóstico, Investigação e Abordagem Terapêutica do Transtorno do Espectro Autista” (26 de setembro de 2025). Essa recomendação reforça que a CAA não é uma ferramenta opcional, mas sim uma parte essencial para promover comunicação, autonomia e participação de crianças no espectro do autismo.
Ensinar uma criança a se comunicar vai muito além de mostrar como apertar um botão ou apontar/trocar uma figura. Tudo começa com compreender quem é essa criança — o que capta sua atenção, o que a motiva e como ela tenta se conectar com os outros.
Antes de ensinar, é importante fazer uma pausa e refletir: O que essa criança precisa alcançar? Toda criança com autismo tem uma mistura única de habilidades, desafios e interesses. Preparar-se para uma aula de CAA significa observar, planejar e personalizar cada etapa — criando oportunidades reais de comunicação e independência.
Compreendendo as habilidades atuais da criança
Antes de escolher um sistema de CAA, é importante analisar atentamente o que a criança já consegue fazer. O objetivo é identificar quais habilidades já estão presentes e quais estratégias de ensino funcionaram melhor até agora. Cada pequeno detalhe importa. Observe a criança em situações do dia a dia e nas brincadeiras:
- Habilidades motoras finas: Ela consegue apontar com um dedo só? Pegar objetos pequenos? Apertar um botão com precisão?
- Atenção conjunta: Ela olha para onde você aponta ou compartilha a atenção durante a brincadeira?
- Imitação: Consegue copiar ações ou gestos simples?
- Interesse na interação: Gosta de se revezar ou de brincar socialmente?
- Iniciação: Começa um jogo ou se comunica espontaneamente?
- Discriminação: Conseguem reconhecer o que as figuras ou símbolos significam?
Essas observações ajudam a determinar por onde começar. Para algumas crianças, a comunicação pode começar sem CAA de alta tecnologia, como a troca de uma única figura (como no PECS® – Sistema de Comunicação de Troca de Figuras®). Para outras, que já iniciam ou combinam símbolos, um aplicativo de comunicação ou um dispositivo gerador de fala pode ser a melhor opção.
Escolhendo a melhor estratégia de ensino
Depois de escolher qual sistema de CAA é a melhor para essa criança, o próximo passo é decidir como ensiná-la da forma mais eficaz. Antes de introduzir algo novo, reflita sobre o que já ajudou sua criança a aprender com sucesso. Por exemplo:
- A criança responde melhor a ajuda física suave (como ajuda de mão sobre mão)?
- Aprende mais facilmente com a modelação, quando o adulto demonstra primeiro?
- Ela prefere instruções com figuras ou escritas?
Usar estratégias familiares dá confiança à criança e aumenta a probabilidade de sucesso.
Um erro comum é focar demais na mecânica do dispositivo — como apertar o botão ou selecionar uma figura em vez de ensinar o propósito da comunicação.
A verdadeira comunicação acontece quando a criança inicia — quando ela dá o primeiro passo em uma interação. Nesse momento, a criança pode expressar o que quer — sem esperar que outra pessoa a incentive ou ajude. Essa é a verdadeira base da autodefesa e da independência.
Como saber se o método está funcionando
O sinal mais claro de sucesso é o progresso. Pergunte a si mesmo: A criança agora está usando CAA em vez de comportamentos antigos, como empurrar, chorar ou agarrar, para se comunicar?
Você saberá que a estratégia está funcionando quando:
- A criança começa a usar a CAA para pedir ajuda, fazer pedidos ou comentários.
- Comportamentos desafiadores diminuem porque a comunicação se tornou mais fácil e eficaz.
- Suas anotações, checklists ou registros mostram uma melhora consistente ao longo do tempo.
- Várias pessoas concordam que as habilidades de comunicação da criança estão evoluindo.
O progresso pode ser lento, mas cada nova tentativa de comunicação é um passo significativo adiante. Celebre essas pequenas vitórias — elas constroem a base para as habilidades de comunicação de uma criança ao longo da vida.
Indo além dos pedidos
Quando sua criança começar a usar a CAA com sucesso, é hora de ampliar suas habilidades comunicativas, indo além dos pedidos simples. O objetivo é ajudá-la a expressar pensamentos, sentimentos e opiniões — assim como qualquer outra pessoa. Aqui estão algumas maneiras de guiar essa próxima etapa:
- Fazer pedidos mais complexos: “Eu quero o carro azul”, em vez de apenas “carro”.
- Comentar: “Isso é engraçado!” ou “Eu gosto dessa música.”
- Fazer perguntas: “Onde estão meus sapatos?”
- Autodefender-se: “Preciso de um intervalo” ou “Não gosto disso.”
- Protestar: “Não!” — uma das palavras mais poderosas e empoderadoras no vocabulário de qualquer criança.
Essas habilidades de comunicação abrem portas para independência, confiança e conexão genuína. A CAA deixa de ser apenas uma ferramenta para atender necessidades e passa a ser um meio para a criança mostrar quem ela é.
Conclusão
Avaliar e se preparar para cada lição é a base do ensino eficaz da CAA. Ao observar a criança cuidadosamente, trabalhar em conjunto com pais e professores, escolher estratégias adequadas às suas habilidades e conectar o aprendizado ao que realmente a motiva, criamos espaço para que a comunicação cresça de forma natural e significativa.
Ensinar comunicação não é seguir um roteiro — é dar voz, escolhas e o poder de se expressão a cada criança.
Com planejamento cuidadoso, sensibilidade e as ferramentas certas — sejam figuras (por exemplo, PECS), gestos ou dispositivos geradores de fala — toda criança pode descobrir que a comunicação é possível, poderosa e transformadora.
Referências bibliográficas
- BONDY, A.; FROST, L. Manual de Treinamento PECS: Sistema de Comunicação de Troca de Imagens. Newark, DE: Consultores Educacionais Pyramid, 2024.
- HORLTON, C. When Modeling Is Not Enough [Apresentação em congresso], 2025.
- SOCIEDADE BRASILEIRA DE NEUROLOGIA INFANTIL – Departamento Científico de Transtornos do Neurodesenvolvimento. Recomendações e orientações para o diagnóstico, investigação e abordagem terapêutica do Transtorno do Espectro Autista. 26 set. 2025
Soraia Vieira





