26 de novembro de 2025

Tempo de Leitura: 4 minutos

A Comunicação Aumentativa e Alternativa (CAA) é oficialmente recomendada pela Sociedade Brasileira de Neurologia Infantil – Departamento Científico de Transtornos do Neurodesenvolvimento (SBN), conforme as diretrizes nacionais “Recomendações e Diretrizes para o Diagnóstico, Investigação e Abordagem Terapêutica do Transtorno do Espectro Autista”  (26 de setembro de 2025). Essa recomendação reforça que a CAA não é uma ferramenta opcional, mas sim uma parte essencial para promover comunicação, autonomia e participação de crianças no espectro do autismo.

Ensinar uma criança a se comunicar vai muito além de mostrar como apertar um botão ou apontar/trocar uma figura. Tudo começa com compreender quem é essa criança — o que capta sua atenção, o que a motiva e como ela tenta se conectar com os outros.

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Antes de ensinar, é importante fazer uma pausa e refletir: O que essa criança precisa alcançar? Toda criança com autismo tem uma mistura única de habilidades, desafios e interesses. Preparar-se para uma aula de CAA significa observar, planejar e personalizar cada etapa — criando oportunidades reais de comunicação e independência.

Compreendendo as habilidades atuais da criança

Antes de escolher um sistema de CAA, é importante analisar atentamente o que a criança já consegue fazer. O objetivo é identificar quais habilidades já estão presentes e quais estratégias de ensino funcionaram melhor até agora. Cada pequeno detalhe importa. Observe a criança em situações do dia a dia e nas brincadeiras:

  • Habilidades motoras finas: Ela consegue apontar com um dedo só? Pegar objetos pequenos? Apertar um botão com precisão?
  • Atenção conjunta: Ela olha para onde você aponta ou compartilha a atenção durante a brincadeira?
  • Imitação: Consegue copiar ações ou gestos simples?
  • Interesse na interação: Gosta de se revezar ou de brincar socialmente?
  • Iniciação: Começa um jogo ou se comunica espontaneamente?
  • Discriminação: Conseguem reconhecer o que as figuras ou símbolos significam?

Essas observações ajudam a determinar por onde começar. Para algumas crianças, a comunicação pode começar sem CAA de alta tecnologia, como a troca de uma única figura (como no PECS® – Sistema de Comunicação de Troca de Figuras®). Para outras, que já iniciam ou combinam símbolos, um aplicativo de comunicação ou um dispositivo gerador de fala pode ser a melhor opção.

Escolhendo a melhor estratégia de ensino

Depois de escolher qual sistema de CAA é a melhor para essa criança, o próximo passo é decidir como ensiná-la da forma mais eficaz. Antes de introduzir algo novo, reflita sobre o que já ajudou sua criança a aprender com sucesso. Por exemplo:

  • A criança responde melhor a ajuda física suave (como ajuda de mão sobre mão)?
  • Aprende mais facilmente com a modelação, quando o adulto demonstra primeiro?
  • Ela prefere instruções com figuras ou escritas?

Usar estratégias familiares dá confiança à criança e aumenta a probabilidade de sucesso.

Um erro comum é focar demais na mecânica do dispositivo — como apertar o botão ou selecionar uma figura em vez de ensinar o propósito da comunicação.

A verdadeira comunicação acontece quando a criança inicia — quando ela dá o primeiro passo em uma interação. Nesse momento, a criança pode expressar o que quer — sem esperar que outra pessoa a incentive ou ajude. Essa é a verdadeira base da autodefesa e da independência.

Como saber se o método está funcionando

O sinal mais claro de sucesso é o progresso. Pergunte a si mesmo: A criança agora está usando CAA em vez de comportamentos antigos, como empurrar, chorar ou agarrar, para se comunicar?

Você saberá que a estratégia está funcionando quando:

  • A criança começa a usar a CAA para pedir ajuda, fazer pedidos ou comentários.
  • Comportamentos desafiadores diminuem porque a comunicação se tornou mais fácil e eficaz.
  • Suas anotações, checklists ou registros mostram uma melhora consistente ao longo do tempo.
  • Várias pessoas concordam que as habilidades de comunicação da criança estão evoluindo.

O progresso pode ser lento, mas cada nova tentativa de comunicação é um passo significativo adiante. Celebre essas pequenas vitórias — elas constroem a base para as habilidades de comunicação de uma criança ao longo da vida.

Indo além dos pedidos

Quando sua criança começar a usar a CAA com sucesso, é hora de ampliar suas habilidades comunicativas, indo além dos pedidos simples. O objetivo é ajudá-la a expressar pensamentos, sentimentos e opiniões — assim como qualquer outra pessoa. Aqui estão algumas maneiras de guiar essa próxima etapa:

  • Fazer pedidos mais complexos: “Eu quero o carro azul”, em vez de apenas “carro”.
  • Comentar: “Isso é engraçado!” ou “Eu gosto dessa música.”
  • Fazer perguntas: “Onde estão meus sapatos?”
  • Autodefender-se: “Preciso de um intervalo” ou “Não gosto disso.”
  • Protestar: “Não!” — uma das palavras mais poderosas e empoderadoras no vocabulário de qualquer criança.

Essas habilidades de comunicação abrem portas para independência, confiança e conexão genuína. A CAA deixa de ser apenas uma ferramenta para atender necessidades e passa a ser um meio para a criança mostrar quem ela é.

Conclusão

Avaliar e se preparar para cada lição é a base do ensino eficaz da CAA. Ao observar a criança cuidadosamente, trabalhar em conjunto com pais e professores, escolher estratégias adequadas às suas habilidades e conectar o aprendizado ao que realmente a motiva, criamos espaço para que a comunicação cresça de forma natural e significativa.

Ensinar comunicação não é seguir um roteiro — é dar voz, escolhas e o poder de se expressão a cada criança.

Com planejamento cuidadoso, sensibilidade e as ferramentas certas — sejam figuras (por exemplo, PECS), gestos ou dispositivos geradores de fala — toda criança pode descobrir que a comunicação é possível, poderosa e transformadora.

Referências bibliográficas

  • BONDY, A.; FROST, L. Manual de Treinamento PECS: Sistema de Comunicação de Troca de Imagens. Newark, DE: Consultores Educacionais Pyramid, 2024.
  • HORLTON, C.  When Modeling Is Not Enough  [Apresentação em congresso], 2025.
  • SOCIEDADE BRASILEIRA DE NEUROLOGIA INFANTIL – Departamento Científico de Transtornos do Neurodesenvolvimento. Recomendações e orientações para o diagnóstico, investigação e abordagem terapêutica do Transtorno do Espectro Autista. 26 set. 2025
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Fonoaudióloga, mestre em estudos linguísticos pela Universidade de Londres, tem curso avançado de autismo credenciado pela Universidade de Cambridge, na Inglaterra. Diretora geral da Pyramid Consultoria Educacional do Brasil, tem uma sólida experiência de trabalho com crianças e adultos com ampla gama de dificuldades de comunicação por razões variadas: físicas, mentais, sociais e emocionais. O primeiro curso PECS que frequentou foi em 2002 e desde então PECS tornou-se parte de sua prática diária.

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