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O Brasil deve ter mais de 5,5 milhões de autistas, considerando os números do IBGE
O Brasil, finalmente, tem um número oficial de diagnósticos de autismo: 2,4 milhões de pessoas disseram ter recebido o diagnóstico de transtorno do espectro do autismo (TEA) no Censo Demográfico 2022. É um marco histórico, sem dúvida. Mas, como quase todo marco, ele também levanta perguntas que incomodam. Afinal, o que esse número revela — e o que ele ainda oculta?
Antes de tudo, é preciso dizer: ter o número de diagnósticos não significa ter o número de pessoas autistas. Há muitos autistas sem diagnóstico, especialmente entre adultos, mulheres e pessoas em situação de vulnerabilidade. O dado do IBGE fala sobre quem já conseguiu um diagnóstico, o que pressupõe acesso à saúde, apoio escolar, escuta e recursos. O Censo não exigiu laudo, apenas perguntou se alguém da casa já havia recebido o diagnóstico de autismo. Isso é uma conquista, sim — mas ainda uma fotografia parcial.
A faixa etária de 5 a 9 anos apresentou a maior taxa de diagnósticos: 2,6%. Isso equivale a 1 em cada 38 crianças. Se projetássemos essa proporção para toda a população brasileira (estimada em 212,6 milhões de pessoas em jul.2024), teríamos mais de 5,5 milhões de pessoas autistas no país — e não apenas os 2,4 milhões registrados. Porque ninguém deixa de ser autista ao crescer. O autismo não é uma condição infantil, embora ainda seja tratado assim por muitas políticas públicas. Com esses números, podemos inferir que temos, no mínimo, 3,1 milhões de autistas sem diagnóstico. Esses números podem ser ainda maiores? Ainda não sabemos.
Comparativo internacional e lacunas no diagnóstico
A comparação com os dados dos EUA é inevitável. Lá, o CDC apontou, em 17.abr.2025, uma prevalência de 1 em cada 31 crianças de 8 anos. A proximidade com os dados brasileiros sugere que o país não está distante da média internacional. Mas é preciso lembrar: tanto o IBGE quanto o CDC falam de diagnósticos — não da totalidade de pessoas autistas. A subnotificação é estrutural e histórica, especialmente entre mulheres. Nos EUA, a proporção é de 3,4 meninos para cada menina diagnosticada. No Brasil, considerando a faixa etária mais próxima (5 a 9 anos) foi de 3,1 homens para cada mulher. Já na população em geral essa proporção é de 1,4 para 1 — menos da metade da razão americana. Isso significa que estamos diagnosticando melhor (e mais) meninas? Ou que os dados estão embaralhados por diferenças metodológicas? Ainda não sabemos.
Há, no entanto, um dado que escancara a desigualdade educacional entre os autistas brasileiros: quase metade (46,1%) das pessoas com diagnóstico de TEA está no grupo sem instrução ou com ensino fundamental incompleto. É o reflexo de um passado recente de exclusão — e um alerta urgente para o presente. Curiosamente, a taxa de escolarização entre autistas com 6 anos ou mais (36,9%) é maior que a da população geral (24,3%), o que sugere que os diagnósticos estão mais concentrados nas novas gerações, que já têm maior acesso à escola e às discussões sobre inclusão. Isso significa que estamos seguindo caminhos melhores que no passado na área de educação? Não sabemos.
O que os números do IBGE mostram é o que conseguimos enxergar — e o que falta enxergar. O autismo que aparece nos dados é, sobretudo, o autismo que teve condições de ser identificado. Isso não o torna mais ou menos autismo. Mas evidencia uma urgência: não podemos criar políticas públicas apenas para os que estão nos números. É preciso olhar para o iceberg completo — inclusive sua parte submersa.
O número oficial é um começo. Importante! Mas só será um ponto de virada se for também um convite à ação — e à escuta. Porque o Brasil não pode mais esperar para enxergar todos os seus autistas. Inclusive os que ainda não sabem que são. Estamos no rumo certo para melhorar essa realidade? Não sabemos (ainda).
Apesar de não sabermos tudo, saímos do zero e começamos a saber algo, ou, ao menos, a ter pistas.