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“AS PALAVRAS A GIRAR”: Descobrindo o Universo da Poesia Autista no Brasil é o novo episodio do canal Mundo Autista, lançado em 21 de maio de 2025. E é com grande satisfação que compartilhamos um diálogo inspirador e revelador que expande o conceito de poesia e celebra a neurodiversidade na arte! Recentemente, o canal Mundo Autista lançou o vídeo “As palavras a girar: descobrindo o universo da Poesia Autista no Brasil“, uma conversa emocionante com o poeta e pesquisador autista Professor Dr. Gustavo Rückert.
No vídeo, Gustavo, que é meu incrível professor orientador no doutorado, discute como a poesia se torna um universo potente de expressão, comunicação e identidade para pessoas autistas. Ele é autor dos livros “Poemas de Plástico” (2015) e “Serão as Rosas Vermelhos no Escuro?” (2021). Gustavo também compartilhou detalhes de sua nova obra, “Diagnóstico Médico Descritivo”, com lançamento previsto ainda para 2025.
Desmistificando Contradições: Poesia e Autismo
Gustavo aborda a percepção comum de que poesia e autismo são temas contraditórios. Ele explica que essa ideia surge de equívocos tanto sobre a poesia – “Ah, a poesia é muito difícil” – quanto sobre o autismo – “A linguagem figurada é algo que o autista nunca vai conseguir entender“. No entanto, Gustavo esclarece que, na realidade, “elas combinam bastante“.
A entrevista desmistifica esses preconceitos. Dessa forma, mostra a força da linguagem poética autista. Afinal, este é um verdadeiro espaço “neurocosmopolita”. Gustavo conta que, no Brasil, a discussão sobre o tema ainda é incipiente, mas no exterior, o crítico literário estadunidense Ralph James Savarese, pai de um menino autista, defende que a poesia é, de fato, um “espaço neurocosmopolita”. Por neurocosmopolita, ele se refere a um espaço de convívio.
“Não é como se fosse uma grande metrópole, onde tem pessoas que vêm de vários lugares do mundo; nesse caso, onde várias pessoas com formas de pensar, de se expressar diferente, podem interagir. E aí, segundo os estudos dele, pessoas neurotípicas, por exemplo, elas tendem a vivenciar a poesia muito mais pela questão semântica, pela questão do sentido. Pessoas autistas tendem a vivenciar muito mais pela questão da repetição de sonoridades, das sinestesias e assim por diante”, observa Ruckert.
AS PALAVRAS A GIRAR”: Descobrindo o Universo da Poesia Autista no Brasil
Gustavo também compartilhou seu projeto “As Palavras a Girar: A Poesia Autista em Movimento”, que busca mapear poetas autistas no Brasil. O projeto investiga:
- Quem são os poetas autistas que escrevem no Brasil atualmente;
- O que escrevem;
- Como a condição neurodiversa possibilita abordagens singulares dos gêneros poéticos;
- Quais obstáculos para visibilização de sua produção.
Como resultado, o projeto almeja a organização e publicação de uma antologia de poesia autista no Brasil, possibilitando a circulação dos textos desse grupo social historicamente subalternizado na literatura nacional.
“A gente conhece alguns clássicos do exterior, né? O Tito [Mukhopadhyay], por exemplo, que é muito estudado, bastante publicado, mas a gente às vezes não conhece aqui no Brasil. E aí a gente tem descoberto dezenas e dezenas de poetas. Alguns muito bons, né? E que têm utilizado a poesia, como tu mencionou, como espaço onde elas podem se manifestar, onde elas podem ser elas mesmas, contar as suas experiências, né? Muitas vezes contar casos de capacitismo que são difíceis de rememorar e de expressar”, conta o poeta e pesquisador autista.
Gustavo também ressalta a liberdade formal da poesia:
“Então, as pessoas costumam pensar que a poesia é um monte de regrinhas fixas, né? Estáticas. Mas isso é quando a gente olha para a poesia depois que ela já passou, né? Na verdade, a poesia quando ela está acontecendo, né? Quando os escritores contemporâneos estão escrevendo, estão buscando justamente uma forma inusitada, uma forma singular de dizer que fuja das regrinhas já existentes. Então, nesse sentido, eu acho que a poesia é o gênero mais radical em termos de liberdade linguística.”
“Diagnóstico Médico Descritivo”: Poesia como Denúncia e Sonho
Gustavo, que já publicou “Poemas de Plástico” (2015) e “Serão As Rosas Vermelhas no Escuro” (2021), está em fase de tratamento editorial para seu terceiro livro, “Diagnóstico Médico Descritivo”. Sobre “Serão as Rosas Vermelhas no Escuro“, Marcelo Martins escreve na apresentação: “Será Gustavo o caduco de um mundo poeta? Nos propõe isso a partir da experiência de olhar e nomear o mundo, existir nele, mesmo que seja tatear na escuridão. Sugiro ler o livro com uma vitrola ou qualquer dispositivo midiático musical, pois as menções de música do livro não são meras sugestões, são parte essencial da leitura e da costura dos versos”.
Em “Diagnóstico Médico Descritivo“, Gustavo reflete sobre a poesia como denúncia do capacitismo e afirmação da vida e dos sonhos. O livro explora a experiência dos diagnósticos em diversas instituições sociais:
“Se o diagnóstico é você entender uma determinada pessoa, um conjunto de pessoas a partir de uma característica e pensar nessas pessoas a partir dessas características, os diagnósticos eles acontecem o tempo todo, né? Então são poemas que trazem experiências minhas, né? Desses diagnósticos, né? Sejam formais, sejam informais, mas também de várias outras pessoas autistas, né? Neurodivergentes ou de pessoas com outras deficiências ao longo da história.”
“É preciso ver o autista como alguém que também sonha e não só sofre”, diz Gustavo Rückert
Gustavo também compartilhou um poema tocante em homenagem a Lacey Fletcher, uma autista estadunidense que foi abandonada e encontrada sem vida. O poema busca não apenas denunciar a violência, mas também reivindicar uma outra forma de lembrar Lacey: através do sonho.
“Em algum lugar sul dos Estados Unidos, Lacey deixa de viver. Lacey had stopped breathing. Ou teria deixado já 12? Quiçá 15. Cerca de 6 diagnósticos, talvez 8. 10. Autismo, ansiedade, úlcera, COVID, coma, inanição. Lacey had stopped breathing. Quantos anos de ausência são necessários para que ninguém repare? Paralisia total de todos os músculos voluntários? Paralisia total de todos os víveres necessários. Lacey had stopped breathing. Uma síndrome de aprisionamento ao sofá. Imóvel o pai, imóvel vizinho, imóvel a doutora. Lacey had stopped breathing. Um corpo impedido, um corpo derretido. Lacey, 36 anos, 45 kg de ossos. Couro estofado, insetos, alergia e, sobremaneira, o pavor. Lacey parou. Espanta-se a mãe. Em algum lugar sul dos Estados Unidos, Lacey had stopped breathing..”
Quem sabia? Quem se importava com o que sonhou Lacey?”, problematiza Ruckert. “Então, eu desejo que todos nós sejamos lembrados um dia pelo que sonhamos e não só pelas dificuldades que enfrentamos como autistas em uma sociedade bastante capacitista. E acho que a poesia pode nos ajudar a mostrar isso. Afinal de contas, é um espaço de memória, mas também é um espaço de criação. É um espaço de criatividade, de invenção, onde a gente pode se manifestar da nossa maneira.“