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O desenvolvimento da autonomia é um dos principais objetivos para pais, professores e profissionais que acompanham alunos no espectro do autismo e também é um objetivo fundamental para os próprios indivíduos. Afinal, quem não gostaria de ver as atividades diárias sendo realizadas com mais independência, confiança e segurança? Um dos métodos mais eficazes para alcançar esse objetivo é o uso do programa visual — uma ferramenta estruturada, concreta e previsível que auxilia o aluno a entender e navegar pelas atividades cotidianas. Neste texto, discutiremos o que é um programa visual, seus benefícios e como implementá-lo de forma eficiente.
O que é um programa visual?
Um programa visual é uma sequência organizada de instruções visuais, geralmente representadas por figuras, fotos, símbolos ou objetos, que orienta o aluno em suas atividades diárias. Funciona como um “roteiro visual”, mostrando ao aluno o que ele precisa fazer, em que ordem e onde deve ir. Diferente dos comandos vocais, que podem ser confusos ou ignorados por alunos com dificuldades na linguagem receptiva, o programa visual oferece uma referência constante e concreta. Ele está sempre disponível tornando-se uma fonte previsível e segura de informação.
Visualmente, o programa é frequentemente estruturado com figuras alinhadas verticalmente, coladas em um painel ou prancheta. Essa organização respeita o desenvolvimento natural da percepção visual, uma vez que a discriminação vertical (de cima para baixo) costuma ser adquirida antes da sequência esquerda-direita.
Benefícios do programa visual
Ensinar um aluno a seguir um programa visual vai além de simplesmente ajudar na organização da rotina; trata-se de estabelecer a base para uma vida mais independente. O Ministério da Saúde do Brasil, por meio das Diretrizes de Atenção à Reabilitação da Pessoa com Transtornos do Espectro do Autismo (TEA), recomenda o uso de programas visuais como ferramenta essencial para promover a autonomia de pessoas com TEA. Esses programas estruturam a rotina diária de maneira clara e previsível, utilizando imagens, símbolos, fotos ou objetos que representam atividades e transições. A previsibilidade proporcionada por esses programas ajuda a reduzir a ansiedade, facilita a compreensão das expectativas e apoia a adaptação a diferentes contextos, como escola, casa e terapias. Além disso, ao permitir que o aluno compreenda o que ocorrerá a seguir, esses recursos auxiliam na redução de comportamentos desafiadores e incentivam a participação ativa nas atividades propostas.
Como ensinar um programa visual: passo a passo
Antes de introduzir o programa visual, é importante primeiro ensinar de 6 a 8 instruções visuais individuais de forma consistente (ex Biblioteca, Almoço…). Essas instruções devem ser ensinadas com reforços positivos e ajuda necessária. Após consolidar esse pré-requisito de forma independente, é possível avançar para a fase de ensino do uso do programa completo — ou seja, uma sequência de instruções visuais que o aluno aprenderá a seguir de maneira autônoma.
Um programa visual típico é composto pelas seguintes seções:
• Espaço no topo para a “atividade atual”
• Espaço para as figuras (ou símbolos, fotos ou objetos da rotina) na ordem de execução
• Caixa ou envelope “acabou”/”pronto”
As figuras são dispostas verticalmente, e o aluno deve seguir os passos abaixo:
Passos do Programa Visual
- Ir até o programa.
- Remover a figura do topo.
- Colocar a figura na área “atividade atual”.
- Dirigir-se ao local da atividade.
- Participar da atividade.
- Após finalizar, retornar ao programa.
- Colocar a figura da “atividade atual” na caixa “acabou”/”pronto”.
- Pegar a próxima figura.
É importante evitar o uso de ajudas vocais durante esse processo, para que o aluno não se torne dependente da mesma, como no caso de só olhar para o programa quando escuta o comando “Olha o programa”. O ideal é optar por ajudas físicas (como guiar suavemente a mão do aluno), evitando que ele dependa da fala para completar as ações. Com o tempo, as ajudas físicas devem ser eliminadas.
Sinalizando o fim de uma atividade
Ensinar o aluno a perceber quando uma atividade terminou é fundamental para que ele retorne sozinho ao programa. O objetivo é que ele aprenda a responder a pistas naturais do ambiente, em vez de depender de comandos vocais como “Acabou, veja o que vem agora”. Exemplos de pistas naturais incluem a leitura da última página de um livro, o término de um vídeo, o consumo da fruta, o anúncio de que a atividade foi concluída, jogar o papel toalha no lixo após lavar as mãos ou guardar a escova de dentes após usá-la. Esses sinais fazem parte do ambiente e ajudam o aluno a se orientar no contexto real.
O sucesso do programa visual
A consistência é fundamental para o sucesso do programa visual, por isso é importante utilizá-lo todos os dias, mantendo o mesmo formato para que o aluno reconheça e compreenda a estrutura da rotina. O ambiente também deve ser bem estruturado, com locais de atividade claros e previsíveis, facilitando a transição entre as tarefas. Reforços positivos devem ser usados frequentemente, celebrando cada passo realizado com mais independência.
É essencial adaptar o programa conforme as necessidades individuais do aluno, pois nem todos respondem da mesma forma a tipos de imagens; alguns preferem fotos, enquanto outros se identificam melhor com símbolos ou objetos. Cabe ao adulto descobrir o que funciona melhor para cada caso. O treino contínuo também é importante, já que no início, talvez seja necessário ajudar fisicamente todos os passos. Com paciência, prática e persistência, ir reduzindo a ajuda e os resultados positivos virão.
Mantenha a rotina, mas seja flexível
A estrutura é importante, mas a rigidez excessiva pode causar frustração diante de mudanças inevitáveis. Por isso, insira elementos que permitam pequenas variações no programa visual e ensine, aos poucos, a lidar com imprevistos, utilizando, por exemplo, um símbolo para “surpresa”.
Também podemos oferecer opções utilizando o símbolo de “escolha”, promovendo a autonomia ao permitir que o aluno, por exemplo, realize ambas as atividades propostas, decidindo a ordem em que irá executá-las, ou escolha apenas uma das duas, conforme o que for mais adequado ao objetivo do momento.
Confiança, autonomia e dignidade
O programa visual é uma ferramenta transformadora no cotidiano, pois não apenas organiza as atividades, mas também capacita o aluno a tomar decisões, a agir de forma autônoma e a compreender melhor o mundo ao seu redor. A independência pode não surgir de forma imediata, mas, com dedicação, paciência e afeto, ela se constrói gradualmente, passo a passo, figura por figura. Ao ensinar seu filho ou aluno a seguir um programa visual, você não está apenas ensinando uma rotina, mas promovendo confiança, autonomia e dignidade — valores que, sem dúvida, fazem todo o esforço valer a pena.
Referências Bibliográficas:
- BRASIL. Ministério da Saúde. Diretrizes de Atenção à Reabilitação da Pessoa com Transtornos do Espectro do Autismo (TEA). Brasília: Ministério da Saúde, 2014.
- BONDY, A.; FROST, L. Manual de Treinamento PECS: Sistema de Comunicação por Troca de Figuras. 2. ed. Pyramid, 2002.