4 de junho de 2025

Tempo de Leitura: 4 minutos

O desenvolvimento da autonomia é um dos principais objetivos para pais, professores e profissionais que acompanham alunos no espectro do autismo e também é um objetivo fundamental para os próprios indivíduos. Afinal, quem não gostaria de ver as atividades diárias sendo realizadas com mais independência, confiança e segurança? Um dos métodos mais eficazes para alcançar esse objetivo é o uso do programa visual — uma ferramenta estruturada, concreta e previsível que auxilia o aluno a entender e navegar pelas atividades cotidianas. Neste texto, discutiremos o que é um programa visual, seus benefícios e como implementá-lo de forma eficiente.

O que é um programa visual?

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Um programa visual é uma sequência organizada de instruções visuais, geralmente representadas por figuras, fotos, símbolos ou objetos, que orienta o aluno em suas atividades diárias. Funciona como um “roteiro visual”, mostrando ao aluno o que ele precisa fazer, em que ordem e onde deve ir. Diferente dos comandos vocais, que podem ser confusos ou ignorados por alunos com dificuldades na linguagem receptiva, o programa visual oferece uma referência constante e concreta. Ele está sempre disponível tornando-se uma fonte previsível e segura de informação.

Visualmente, o programa é frequentemente estruturado com figuras alinhadas verticalmente, coladas em um painel ou prancheta. Essa organização respeita o desenvolvimento natural da percepção visual, uma vez que a discriminação vertical (de cima para baixo) costuma ser adquirida antes da sequência esquerda-direita.

Benefícios do programa visual

Ensinar um aluno a seguir um programa visual vai além de simplesmente ajudar na organização da rotina; trata-se de estabelecer a base para uma vida mais independente. O Ministério da Saúde do Brasil, por meio das Diretrizes de Atenção à Reabilitação da Pessoa com Transtornos do Espectro do Autismo (TEA), recomenda o uso de programas visuais como ferramenta essencial para promover a autonomia de pessoas com TEA. Esses programas estruturam a rotina diária de maneira clara e previsível, utilizando imagens, símbolos, fotos ou objetos que representam atividades e transições. A previsibilidade proporcionada por esses programas ajuda a reduzir a ansiedade, facilita a compreensão das expectativas e apoia a adaptação a diferentes contextos, como escola, casa e terapias. Além disso, ao permitir que o aluno compreenda o que ocorrerá a seguir, esses recursos auxiliam na redução de comportamentos desafiadores e incentivam a participação ativa nas atividades propostas.

Como ensinar um programa visual: passo a passo

Antes de introduzir o programa visual, é importante primeiro ensinar de 6 a 8 instruções visuais individuais de forma consistente (ex Biblioteca, Almoço…). Essas instruções devem ser ensinadas com reforços positivos e ajuda necessária. Após consolidar esse pré-requisito de forma independente, é possível avançar para a fase de ensino do uso do programa completo — ou seja, uma sequência de instruções visuais que o aluno aprenderá a seguir de maneira autônoma.

Um programa visual típico é composto pelas seguintes seções:
• Espaço no topo para a “atividade atual”
• Espaço para as figuras (ou símbolos, fotos ou objetos da rotina) na ordem de execução
• Caixa ou envelope “acabou”/”pronto”

As figuras são dispostas verticalmente, e o aluno deve seguir os passos abaixo:

Passos do Programa Visual

  1. Ir até o programa.
  2. Remover a figura do topo.
  3. Colocar a figura na área “atividade atual”.
  4. Dirigir-se ao local da atividade.
  5. Participar da atividade.
  6. Após finalizar, retornar ao programa.
  7. Colocar a figura da “atividade atual” na caixa “acabou”/”pronto”.
  8. Pegar a próxima figura.

É importante evitar o uso de ajudas vocais durante esse processo, para que o aluno não se torne dependente da mesma, como no caso de só olhar para o programa quando escuta o comando “Olha o programa”. O ideal é optar por ajudas físicas (como guiar suavemente a mão do aluno), evitando que ele dependa da fala para completar as ações. Com o tempo, as ajudas físicas devem ser eliminadas.

Sinalizando o fim de uma atividade

Ensinar o aluno a perceber quando uma atividade terminou é fundamental para que ele retorne sozinho ao programa. O objetivo é que ele aprenda a responder a pistas naturais do ambiente, em vez de depender de comandos vocais como “Acabou, veja o que vem agora”. Exemplos de pistas naturais incluem a leitura da última página de um livro, o término de um vídeo, o consumo da fruta, o anúncio de que a atividade foi concluída, jogar o papel toalha no lixo após lavar as mãos ou guardar a escova de dentes após usá-la. Esses sinais fazem parte do ambiente e ajudam o aluno a se orientar no contexto real.

O sucesso do programa visual

A consistência é fundamental para o sucesso do programa visual, por isso é importante utilizá-lo todos os dias, mantendo o mesmo formato para que o aluno reconheça e compreenda a estrutura da rotina. O ambiente também deve ser bem estruturado, com locais de atividade claros e previsíveis, facilitando a transição entre as tarefas. Reforços positivos devem ser usados frequentemente, celebrando cada passo realizado com mais independência.

É essencial adaptar o programa conforme as necessidades individuais do aluno, pois nem todos respondem da mesma forma a tipos de imagens; alguns preferem fotos, enquanto outros se identificam melhor com símbolos ou objetos. Cabe ao adulto descobrir o que funciona melhor para cada caso. O treino contínuo também é importante, já que no início, talvez seja necessário ajudar fisicamente todos os passos. Com paciência, prática e persistência, ir reduzindo a ajuda e os resultados positivos virão.

Mantenha a rotina, mas seja flexível

A estrutura é importante, mas a rigidez excessiva pode causar frustração diante de mudanças inevitáveis. Por isso, insira elementos que permitam pequenas variações no programa visual e ensine, aos poucos, a lidar com imprevistos, utilizando, por exemplo, um símbolo para “surpresa”.

Também podemos oferecer opções utilizando o símbolo de “escolha”, promovendo a autonomia ao permitir que o aluno, por exemplo, realize ambas as atividades propostas, decidindo a ordem em que irá executá-las, ou escolha apenas uma das duas, conforme o que for mais adequado ao objetivo do momento.

Confiança, autonomia e dignidade

O programa visual é uma ferramenta transformadora no cotidiano, pois não apenas organiza as atividades, mas também capacita o aluno a tomar decisões, a agir de forma autônoma e a compreender melhor o mundo ao seu redor. A independência pode não surgir de forma imediata, mas, com dedicação, paciência e afeto, ela se constrói gradualmente, passo a passo, figura por figura. Ao ensinar seu filho ou aluno a seguir um programa visual, você não está apenas ensinando uma rotina, mas promovendo confiança, autonomia e dignidade — valores que, sem dúvida, fazem todo o esforço valer a pena.

Referências Bibliográficas:

  • BRASIL. Ministério da Saúde. Diretrizes de Atenção à Reabilitação da Pessoa com Transtornos do Espectro do Autismo (TEA). Brasília: Ministério da Saúde, 2014.
  • BONDY, A.; FROST, L. Manual de Treinamento PECS: Sistema de Comunicação por Troca de Figuras. 2. ed. Pyramid, 2002.
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Fonoaudióloga, mestre em estudos linguísticos pela Universidade de Londres, tem curso avançado de autismo credenciado pela Universidade de Cambridge, na Inglaterra. Diretora geral da Pyramid Consultoria Educacional do Brasil, tem uma sólida experiência de trabalho com crianças e adultos com ampla gama de dificuldades de comunicação por razões variadas: físicas, mentais, sociais e emocionais. O primeiro curso PECS que frequentou foi em 2002 e desde então PECS tornou-se parte de sua prática diária.

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