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Durante uma reunião ministerial na sede da Casa Branca, em Washington (capital dos Estados Unidos), no mês passado, o secretário de Saúde Robert Kennedy Jr. anunciou a realização de um estudo produzido pelo Instituto Nacional de Saúde e Serviços Humanos (HHS) para apresentar, até o mês de setembro, as causas por trás do fenômeno que chamou de “epidemia de autismo” no país. O anúncio, inclusive, foi feito na presença do presidente americano Donald Trump.
No mesmo encontro, o secretário também antecipou mudanças nas estatísticas sobre o número de autistas em território norte-americano. De acordo com o índice anterior do Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos Estados Unidos, a prevalência atual é de um caso de autismo para cada 36 crianças. Agora, esse índice aponta um caso para cada 31 crianças de até 8 anos de idade — número confirmado recentemente de forma oficial pelo CDC.
A notícia sobre a realização desse estudo dividiu opiniões tanto na comunidade científica quanto na comunidade atípica. A divisão se deve, principalmente, à ideia de que o estudo traria respostas sobre o autismo em um curto espaço de tempo, somada às posições controversas do secretário Kennedy Jr., que já chegou a afirmar que vacinas seriam responsáveis por causar autismo, algo amplamente refutado pela comunidade científica.
Quem é Robert Kennedy Jr.?
Robert Kennedy Jr. é advogado e ativista ambiental. Ele é sobrinho do presidente norte-americano John F. Kennedy, assassinado em 1963 na cidade de Dallas, no estado do Texas. Nos últimos cinco anos, Kennedy Jr. ganhou notoriedade negativa por disseminar conteúdos conspiratórios e negacionistas da ciência. No ano passado, concorreu como candidato independente nas eleições presidenciais dos Estados Unidos.
Por que é incorreto afirmar que existe uma epidemia de autismo?
Diferente do discurso do atual governo americano, não é correto afirmar que existe uma “epidemia de autismo”. É verdade que o número de diagnósticos tem crescido exponencialmente nos Estados Unidos, assim como no Brasil, mas isso se deve ao aumento do acesso à informação e às mudanças nos critérios diagnósticos, que facilitaram a identificação de novos casos, inclusive de diagnósticos tardios em homens e mulheres adultos.
É importante que a comunidade científica desenvolva estudos para melhorar a qualidade de vida e o bem-estar da população autista. No entanto, quando o discurso caminha na direção de “descobrir uma cura”, isso soa como picaretagem e charlatanismo. Vale lembrar que o autismo nem sequer é uma doença, mas sim um transtorno do neurodesenvolvimento, que pode apresentar diversos desafios ao longo da vida da pessoa diagnosticada.
Outro ponto preocupante é a quantidade de “especialistas” sobre autismo no Instagram difundindo essa ideia de cura, mesmo sem qualquer confirmação científica. É alarmante ver profissionais (que deveriam zelar pela ética) disseminando ideias anticientíficas com o objetivo de obter lucro, ignorando o compromisso com o bem-estar da comunidade autista.
A importância de conhecer o autismo sob a perspectiva dos autistas
Ainda na faculdade de Jornalismo, aprendi com meus professores que a melhor forma de combater as fake news é consumir informações diretamente na fonte. No caso do autismo, é fundamental ouvir e acompanhar os conteúdos produzidos por pessoas autistas.
Nas redes sociais, existem diversos autistas que criam conteúdos educativos, mostrando a realidade sem romantizações e abordando as dificuldades de lidar com as comorbidades associadas ao espectro. Também é importante destacar que a luta pela inclusão deve acontecer o ano todo, e não apenas em abril.
Precisamos cobrar políticas públicas que atendam os autistas não apenas na infância, mas também na fase adulta e na velhice — fases frequentemente ignoradas nas discussões, apesar do aumento de diagnósticos tardios. E essas políticas devem ser adaptadas à realidade brasileira, um país continental, marcado por profundas desigualdades. Não podemos pensar inclusão com base em uma realidade distante e distorcida.