1 de junho de 2025

Tempo de Leitura: 4 minutos

O projeto Futsal ONG Caine, sediado em Pernambuco, é um exemplo de como o esporte pode ser uma ferramenta poderosa para a inclusão e o desenvolvimento de jovens autistas. Liderado pelo técnico Diogo Arcanjo, o time de futsal é composto exclusivamente por jogadores autistas. Com isso, oferece um espaço onde eles podem superar desafios, construir autoestima e socializar. A iniciativa, pioneira no Brasil, surgiu em 2019 como fruto da paixão de Diogo pelo futsal e do desejo de criar um ambiente inclusivo para pessoas com deficiência. Desde então, o time participa de campeonatos e festivais em espaços como quadras e universidades federais.

O sucesso do projeto, que conta com meninos e meninas de nível 1 e 2 de suporte, é resultado do trabalho dedicado de Diogo e do apoio fundamental das famílias dos atletas. O técnico destaca a importância do envolvimento dos pais e da comunidade para garantir que os jovens autistas tenham a oportunidade de desenvolver seu potencial no esporte. “Ir a lugares que eles nunca frequentaram traz uma emoção muito grande, às vezes até para a família, porque a família é sempre a base, né? Então, eu sempre falei assim: ‘se vocês não levarem seus filhos, quem vai perder a oportunidade são eles. Vocês são peça chave. Vocês têm que acreditar nos seus filhos e acreditar que eles podem jogar melhor’. E eu faço o  meu papel, eu cobro de verdade. Quando tá no jogo eu grito mesmo porque a gente tá jogando, é sério”, explica Diogo. 

Publicidade
Genioo

Dessa forma, a iniciativa mostra que, com apoio e oportunidades adequadas, jovens autistas podem alcançar grandes conquistas no esporte e na vida. “Eles têm sonhos e estão felizes”, relata a avó de dois jogadores.

Esportes e autismo

A ONG Caine, que mantém o time, acredita no poder do esporte para promover a inclusão e a igualdade. Os benefícios da prática esportiva para pessoas autistas são diversos e impactam diferentes áreas do desenvolvimento. No âmbito social, esportes em equipe ou individuais, com a presença de um instrutor, podem facilitar a interação, a comunicação e o aprendizado de habilidades sociais importantes, como cooperação e respeito às regras. Além disso, a celebração de conquistas, mesmo que pequenas, fortalece a autoestima e a confiança.

A prática regular de atividades físicas também contribui para o aprimoramento da coordenação motora, do equilíbrio e da consciência corporal. Esportes como natação, atletismo e artes marciais, com seus movimentos sequenciais e focados, podem ser particularmente benéficos para o desenvolvimento dessas habilidades. Além disso, o esporte oferece uma importante via de escape para o estresse e a ansiedade. Isso porque a liberação de endorfinas durante o exercício promove uma sensação de bem-estar e relaxamento, auxiliando na regulação emocional.

Futsal e Neurodiversidade

Entretanto, é crucial reconhecer a diversidade dentro do espectro autista. As preferências e habilidades esportivas variam amplamente de indivíduo para indivíduo. Enquanto alguns podem se destacar em esportes individuais que exigem foco e precisão, como a natação ou o tênis, outros podem encontrar alegria e desenvolvimento em atividades em grupo, com o devido suporte  às suas necessidades.

O futsal, porém, é conhecido por melhorar a coordenação, o trabalho em equipe e a autoestima. Por isso, tornou-se  uma ferramenta de transformação para os jovens, que muitas vezes encontram barreiras na participação de atividades esportivas tradicionais. No programa, cada criança recebe apoio personalizado para desenvolver habilidades motoras, sociais e emocionais em um ambiente seguro e adaptado às suas necessidades.  Alguns dos treinos envolvem correr, driblar, pular corda e fazer embaixadinhas.

O projeto, portanto, visa não apenas oferecer uma atividade esportiva, mas criar um espaço onde todos possam se sentir valorizados e incluídos, o que independe das habilidades individuais. O time conta com jogadores que, além do autismo, apresentam condições como TDAH e deficiência intelectual. 

A mãe de um dos jovens comemora: “Ele evoluiu muito desde que entrou no futsal. Antes ele tinha dificuldade de comunicação com as crianças. Hoje ele está bem desenvolvido”. Para Diogo Arcanjo, a interação entre os garotos é similar ao que acontece em qualquer outro time de futebol, com diálogos sobre o cotidiano deles. 

Resultados e transformações

Falando em resultados, Diogo reflete que, embora eles nunca tenham ganhado, a vitória vai muito além do placar. “Existem condições de habilidades que a gente vai ganhando muito, dependendo do ponto de referência que a gente tem. Então, um ponto de referência de uma pessoa com 10 anos  do nosso time é diferente da de uma criança neuroatípica com 10 anos. Isso faz com que a gente tenha um jogo mais desequilibrado. Porém, quando as pessoas do outro time observam isso e trazem a ferramenta esportiva como inclusão, aí o jogo fica muito mais bonito”, pondera o profissional. 

Diogo reforça, no entanto, que perder não é uma maneira de humilhação. “A gente faz o trabalho. Por exemplo, em um jogo de sub 15 (até 15 anos), a gente perdeu um campeonato de um jogo de 10 a 2. Mas, quando o jogo acabou e o juiz e o árbitro apitaram, um dos nossos atletas comemorou.  Ele só viu os gols que eles fizeram. Então, veja a capacidade cognitiva e a percepção amorosa que eles têm ali dentro do jogo”, comenta o técnico. Dessa forma, estar em competição leva os jogadores a trabalhar aspectos da comunicação, coordenação motora, socialização, exposição à frustração e regras. 

A transformação nos atletas ao longo do tempo é notável. Diogo Arcanjo relata casos de jogadores que superaram dificuldades motoras, aprenderam a amarrar os cadarços e melhoraram sua interação com os colegas. “Às vezes você pega uma criança com autismo, coloca para fazer a inclusão em um time e a criança não toca a bola. Não existe aquele acolhimento com aquela criança. Então, ela não vai desenvolver uma habilidade se não tem a bola, se não tem o objeto do jogo. No nosso time, todo mundo toca a bola, todo mundo vai fazer a jogada. Se errou, todo mundo repete, vamos fazer de novo. E assim a gente vai desenvolvendo, logicamente respeitando a individualidade de cada um. Mas existe uma evolução e existe a possibilidade de todos praticarem”, detalha Diogo. Assim, o esporte se torna um espaço de aprendizado e crescimento pessoal, onde os jovens autistas podem se sentir valorizados e pertencentes.

COMPARTILHAR:

Jornalista, escritora, apresentadora, pesquisadora, 24 anos, diagnosticada autista aos 11, autora de oito livros, mantém o site O Mundo Autista no portal UAI e o canal do YouTube Mundo Autista.

O primeiro Dia do Orgulho Autista

O mito do ‘gênio incompreendido’: romantização do autismo

Publicidade
Assine a Revista Autismo
Assine a nossa Newsletter grátis
Clique aqui se você tem DISLEXIA (saiba mais aqui)