22 de setembro de 2025

Tempo de Leitura: 3 minutos

Nos Estados Unidos, o governo de Donald Trump apresentou nesta tarde (22.set.2025), na Casa Branca, um anúncio que promete impactar o debate sobre as origens do autismo. Ao lado do secretário de Saúde e Serviços Humanos, Robert F. Kennedy Jr., o presidente declarou que o uso de paracetamol — conhecido como acetaminophen em inglês, nomenclatura adotada nos EUA e no Canadá, enquanto no Brasil e na Europa é chamado de paracetamol — durante a gestação pode estar relacionado a um risco maior de autismo em crianças.

Trump falou em tom enfático: “A meteórica ascensão do autismo é um dos desenvolvimentos de saúde pública mais alarmantes da história. Há poucas décadas, era um em 20 mil; depois um em 10 mil. Agora é um em 31, e em alguns lugares chega a um em 12 meninos. Isso não pode ser natural, é algo artificial”, declarou o presidente. Em outro momento, foi ainda mais direto: “Tomar Tylenol na gravidez não é bom. Eu digo claramente: não é bom”, afirmou Trump.

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O anúncio oficial

De acordo com Trump e Kennedy Jr., a Food and Drug Administration (FDA) — órgão regulador norte-americano que exerce papel semelhante ao da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) no Brasil — irá notificar médicos de todo o país sobre o risco associado ao uso do paracetamol na gravidez e atualizar as bulas do medicamento, incluindo alertas sobre potenciais efeitos adversos no desenvolvimento neurológico. Além disso, será lançada uma campanha nacional para informar gestantes e famílias. O governo também anunciou o financiamento de 13 novos projetos de pesquisa, no valor de 50 milhões de dólares, sob coordenação dos Institutos Nacionais de Saúde (NIH).

Em sua fala, Kennedy Jr. afirmou que a iniciativa representa uma mudança de postura: “Historicamente, o NIH focou quase exclusivamente em pesquisas genéticas, sem olhar para exposições ambientais e farmacêuticas. Isso é como estudar os fatores genéticos do câncer de pulmão sem considerar os cigarros. Hoje, estamos corrigindo isso”, disse o secretário. Ele ainda destacou pesquisas que investigam a leucovorina como alternativa terapêutica para até 60% de crianças autistas com deficiência de folato cerebral.

O que dizem os estudos

Apesar do tom categórico do anúncio, as evidências disponíveis até agora não estabelecem uma relação de causa e efeito entre o uso de paracetamol na gravidez e o risco de autismo. Há estudos populacionais que identificaram associações leves, mas em análises mais rigorosas, especialmente as que comparam irmãos, esse vínculo desaparece.

O neuropediatra Paulo Liberalesso, doutor em distúrbios da comunicação humana, reforça essa interpretação: “Um estudo que avaliou mais de 2 milhões de crianças na Suécia demonstrou, em análises gerais, uma associação leve entre o uso de paracetamol e aumento do risco de autismo, TDAH e deficiência intelectual. Porém, ao comparar irmãos, essa associação desapareceu: não houve evidência de que o uso de paracetamol durante a gestação aumentasse o risco de autismo, TDAH ou deficiência intelectual”, explicou Liberalesso.

Ele acrescenta que os dados mais recentes não sustentam a hipótese de que o medicamento interfira em processos essenciais do desenvolvimento cerebral fetal. “O paracetamol não interfere nos processos fundamentais de diferenciação, proliferação, migração neuronal, sinaptogênese ou plasticidade cerebral. As análises epidemiológicas sugerem que a relação observada em estudos anteriores estava mais ligada a infecções maternas do que ao uso do paracetamol em si”, avaliou o neuropediatra.

Reações imediatas

A empresa Kenvue, fabricante do Tylenol, rebateu prontamente as declarações, afirmando que não há evidência científica crível de que o medicamento cause autismo. Profissionais de saúde materno-infantil também manifestaram preocupação com o risco de que gestantes deixem de usar o paracetamol em situações em que o tratamento é necessário, como no caso de febre alta, que pode trazer riscos sérios ao feto.

Conclusão provisória

O anúncio da Casa Branca marca a primeira vez que um governo nacional aponta oficialmente o paracetamol como possível fator ambiental relacionado ao autismo, mas especialistas ressaltam que as evidências científicas disponíveis até o momento não permitem concluir que exista causalidade. Para gestantes e famílias brasileiras, a recomendação segue sendo a mesma: qualquer decisão sobre o uso de medicamentos durante a gravidez deve ser tomada em diálogo com médicos de confiança.

O debate sobre esse controverso tema está apenas começando e deve ganhar novos capítulos nas próximas semanas. A Nature, por exemplo, uma das mais renomadas revistas científicas, já se posicionou contra essas afirmações do governos dos EUA (veja neste link).

 

Assista ao anúncio oficial completo, nesse vídeo que foi transmitido ao vivo pela agência de notícias Associated Press, via Youtube:

 

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Editor-chefe da Revista Autismo, jornalista, empreendedor.

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