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Você já ouviu falar na Campanha Setembro Verde? Essa iniciativa foi criada com o objetivo de conscientizar as pessoas sobre a importância de promover a inclusão das Pessoas Com Deficiência (PCD) na sociedade brasileira. A campanha ocorre durante todo o mês de setembro, quando é celebrado o Dia Nacional de Luta da Pessoa Com Deficiência, em 21 de setembro.
A data foi instituída no calendário oficial do país por meio do Decreto 11.133/2005, assinado pelo então presidente em exercício, José Alencar. No Brasil, possuímos importantes instrumentos legais que asseguram o acesso ao mercado de trabalho para trabalhadores PCD, como a Lei 8.112/1991, conhecida como Lei de Cotas, que garante a reserva de 2% a 5% das vagas nas empresas para pessoas com deficiência.
No caso do autismo, temos a Lei 12.764/2012, popularmente conhecida como Lei Berenice Piana, que assegura o acesso ao mercado de trabalho para trabalhadores com autismo. No entanto, apesar de essas legislações serem referências mundiais no que diz respeito aos direitos das pessoas com deficiência, há um grande desafio para a população autista economicamente ativa ingressar no mercado de trabalho.
Segundo um levantamento feito pela organização National Autistic Society, apenas 16% dos adultos autistas possuem emprego formal e remunerado no Reino Unido.
Esses números podem estar subnotificados, além disso, não existem estatísticas oficiais mais detalhadas sobre as condições da população autista no Brasil. Isso revela o grande descompasso entre o que está na lei e a realidade brasileira.
A falta de informação e o preconceito são os principais obstáculos
O autismo não é algo novo no Brasil, e tampouco virou “moda”, como algumas pessoas insistem em afirmar equivocadamente. Embora o tema tenha sido debatido há mais de uma década, o acesso ao diagnóstico e a melhoria das condições de empregabilidade dos trabalhadores autistas não acompanharam esse avanço. Ainda existem muitas barreiras para a entrada de autistas no mercado de trabalho.
Essas dificuldades são causadas, principalmente, pelo preconceito e pela falta de interesse das empresas em preparar o ambiente e seus colaboradores para receber um funcionário autista. Muitas empresas ainda descumprem a legislação trabalhista, ao se recusarem a realizar processos seletivos mais justos e equitativos para candidatos autistas, focando apenas em suas limitações e não em suas habilidades.
Em vez de se adequar, muitas empresas preferem pagar a multa pelo descumprimento da legislação trabalhista, já que o Ministério do Trabalho não tem contingente suficiente para fiscalizar todas as empresas. Isso não se limita ao setor privado, já que o capacitismo também ocorre no setor público.
Casos de servidores autistas que têm suas nomeações para cargos públicos negadas por bancas examinadoras, que insistem em não reconhecer o autismo como deficiência, são revoltantes. Um caso emblemático foi relatado pelo jornalista Guilherme Amado, do portal Metrópoles, em maio deste ano. Ele revelou que o Senado levou 22 dias para dar posse a um servidor autista, aprovado no concurso para Policial Legislativo, mas que teve sua nomeação negada pela junta médica da casa. O servidor precisou recorrer à Justiça comum para reparar essa ilegalidade.
Se a Constituição Federal de 1988 afirma, em seus princípios fundamentais, que todos são iguais perante a lei, por que ainda se insiste em privar os autistas do acesso ao mercado de trabalho? O trabalho, para o ser humano e, especialmente, para o trabalhador autista, é mais do que um direito – é sinônimo de independência e desenvolvimento pessoal.
A urgência da implantação de políticas públicas com base nos dados do Censo do IBGE de 2022
Uma saída para mudar esse quadro futuramente é a adoção de políticas públicas voltadas ao aumento da empregabilidade dos autistas no mercado de trabalho. A expectativa é de que isso comece a se desenvolver a partir da divulgação, até o final deste ano, dos dados sobre autismo no Censo do IBGE, que foi adiado devido à pandemia de COVID-19 em 2020.
Espera-se que, com a divulgação desses dados, principalmente sobre adultos autistas, tanto o setor privado quanto o setor público passem a construir processos seletivos mais justos, estimulando a contratação de mais autistas e PCDs. Isso deve ser visto não apenas como uma obrigação legal, mas como um compromisso de responsabilidade social.
Enquanto isso, o Ministério do Trabalho e Emprego disponibilizou, em seu site oficial, a cartilha “Combata o Capacitismo“, com dicas para empregadores capacitarem seus colaboradores a combaterem o capacitismo institucional. Vale lembrar que discriminar uma pessoa por sua condição de deficiência é crime, com pena de 1 a 3 anos de prisão. Caso você testemunhe algum episódio de discriminação, ligue para o número 158, um serviço do Ministério do Trabalho. A ligação é gratuita.
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Nota do editor: Vale destacar que em muito veículos cita-se um dado que não existe: de que o Brasil tem 15% de autistas empregados — ou 85% de autistas desempregados —, segundo o IBGE. Porém, o IBGE não tem esses números relacionados a autistas no Brasil. Há um texto de 2019, da Época Negócios, que cita essa informação, porém não apresenta sem nenhum link para a fonte do IBGE. A reportagem da Revista Autismo entoru em contato com o IBGE e confirmou que esse número nunca existiu. A Revista Forbes publicou, em 2019, uma informação mundial sobre a empregabilidade de autistas com dados da ONU — Organização das Nações Unidas: estima-se que 20% dos autistas estavam empregados no mundo em 2019. Dados de alguns países também dão pistas sobre o assunto, como no texto “Autismo e o mercado de trabalho”, de Nathália Vasconcelos: “As estatísticas sobre empregabilidade e TEA mostram que cerca de 29% dos adultos autistas estão empregados no Reino Unido (Sparkes et al., 2022), enquanto os Estados Unidos e Australia apresentam a taxa de 38% dos autistas empregados (Australian Bureau of Statistics, 2018; Roux et al., 2017)”.