Tempo de Leitura: 2 minutos
Ainda me recordo quando o psiquiatra, muito conceituado, me deu o diagnóstico de minha filha, naquela época, como tendo a Síndrome de Asperger. Lembro-me de suar frio: “ela vai morrer?”. Não sabia nada sobre o autismo, nunca tinha ouvido falar sobre a síndrome, então entrei em pânico. Mas, quando ele me explicou, senti-me aliviada e agradecida por finalmente ter respostas para perguntas nunca esclarecidas. Tudo passava a fazer sentido. Para mim não era uma questão de “rótulo” e sim de identidade. Durante a consulta, o médico teve uma fala muito infeliz. Ele profetizou que a Camila nunca teria amigos, não conseguiria terminar a escola, não se casaria. Tudo, segundo ele, resultado da sua dificuldade de interação social e comportamento extremamente retraído e introspectivo. Meu marido me disse que na hora eu fiquei muito vermelha e rangendo os dentes. Eu respondi: “Você não conhece a minha filha e muito menos eu para definir algo tão sério. Vou te provar que está enganado”. E provei.
Foi fácil? De jeito algum! Hoje, aos 35 anos, a Camila tem uma turma de amigos muito bacana, leais e fiéis ao tempo. Está sempre passeando com eles, sempre “batendo perna”. Cursou Design em Animação na faculdade, por ser uma talentosa desenhista. Tornou-se uma das poucas paleoartistas brasileiras (os paleontólogos da USP a contratam para ilustrar cientificamente seus livros sobre dinossauros). Ela ilustrou um livro infantil sobre dinossauros vendido até nos Estados Unidos. Me enche de orgulho pelas conquistas e pelo árduo caminho percorrido. Ao longo de sua vida teve namoros longos e na faculdade conheceu o Luan. Os iguais se acham e se identificam. Foi o início de uma amizade bonita e saudável. Mas ela estava namorando outro, e o tempo passou. Anos depois, ele a procurou e se declarou. Começaram a namorar e, após 2 anos, veio o casamento.
Tenho um casal de filhos e sonhava ver minha única filha entrar de noiva numa igreja. Quando percebi o desespero dela, a ansiedade e o pânico de se imaginar entrando numa igreja e ser o foco das atenções, tive que sufocar meu sonho e priorizar o que era melhor para ela: algo discreto e rápido. Deixei bem claro que seria do jeito dela, algo que a deixasse confortável. E assim foi. Camila se casou no civil, com outros casais por perto, usando um discreto vestido branco, lindo de doer. Como me emocionei! A escolha dela não poderia ser melhor, Luan é um rapaz extremamente culto e inteligente, enchendo minha filha de mimos, carinho, respeito e parceria. Se ele é autista? Diagnosticado nunca foi, mas eu, especialista em transtorno do espectro autista, com várias pós-graduações, 30 anos de militância na área e convivendo 24 horas por dia com autistas, não tenho dúvidas: sim, ele é. Como disse anteriormente, os iguais se reconhecem e se procuram.
Casamento nunca foi garantia de felicidade e sucesso, mas vê-la casada me trouxe uma profunda sensação de alívio, de que no futuro alguém estará ao lado dela, quando eu e meu marido não mais estivermos aqui. Hoje, tem seu próprio lar, que decorou e estruturou do jeito que quis, trabalha de forma independente como ilustradora, e vejo nela uma felicidade radiante. Sempre, ao me recordar das palavras do psiquiatra que a diagnosticou, não consigo evitar a expressão de um sorriso de quem nunca desistiu de acreditar, mas reconhecendo que o mérito é totalmente da Camila. Usando a minha frase favorita com ela, termino aqui: “um dia de cada vez, mas sempre em frente”.
Simone Alli Chair




