16 de agosto de 2025

Tempo de Leitura: 3 minutos

A crescente onda de diagnósticos sem fundamentação clínica, alimentada por testes informais nas redes sociais, tem preocupado especialistas em saúde mental. Para Cris Aguiar — terapeuta familiar e de casais, especializada em neuropsicologia —, essa prática pode gerar rótulos equivocados e atrasar o acesso a um cuidado adequado. “Todo mundo tem traços de várias condições, mas isso não significa que fecha um diagnóstico. O que define um transtorno é o grau de sofrimento, o tempo de duração e o impacto na funcionalidade da pessoa”, explica.

Segundo ela, o diagnóstico jamais deve ser encarado como um rótulo limitante, mas sim como uma chave que abre caminhos de compreensão e cuidado. “A diferença entre traços de personalidade e um transtorno clínico está no impacto funcional: todo mundo pode ter suas manias, distrações ou inconstâncias, mas quando isso compromete significativamente a vida escolar, profissional, social ou emocional, pode indicar algo além de um ‘jeito de ser’”, afirma.

Publicidade
CBI of Miami - 20250423

Nesse sentido, Cris alerta para os riscos do autodiagnóstico, tão comum na era das redes sociais. “Testes de internet podem, no máximo, funcionar como um sinal de alerta — jamais como diagnóstico. O perigo é naturalizar o sofrimento ou, ao contrário, se apegar a um rótulo sem base técnica, deixando de buscar apoio profissional”, observa. Ela destaca ainda que informação sem acolhimento pode aumentar a angústia e gerar confusão. “Precisamos de mais psicoeducação nas redes, mas sempre com o cuidado de lembrar que cada história precisa ser escutada no consultório, com contexto, profundidade e responsabilidade ética.”

A avaliação neuropsicológica, enfatiza a terapeuta, é uma ferramenta potente para compreender o funcionamento da mente e identificar possíveis transtornos, como TEA (transtorno do espectro autista), TDAH (transtorno de déficit de atenção e hiperatividade), TOD (transtorno opositor desafiador), TAG (transtorno de ansiedade generalizada), TPB (transtorno de personalidade borderline), TDM (transtorno depressivo maior), entre outros. “Com o diagnóstico correto, o paciente consegue desenvolver estratégias para melhorar sua qualidade de vida e se adaptar melhor ao ambiente, seja com apoio terapêutico, ferramentas práticas ou, em alguns casos, intervenção medicamentosa”, explica.

Imagem: Alexandre Chaym/Reprodução

Essa avaliação pode ser indicada em qualquer fase da vida, desde a infância até a terceira idade. “Não é preciso ‘chegar no limite’ para procurar esse tipo de investigação. Dificuldades persistentes de atenção, memória, linguagem, regulação emocional ou conflitos familiares e escolares que se repetem sem muita explicação são sinais de que vale a pena olhar mais de perto”, orienta.

E sim, é possível — e muito comum — receber um diagnóstico na vida adulta. “Tenho pacientes de 40, 50 anos que descobrem, por exemplo, que sempre conviveram com TDAH ou autismo nível 1 sem saber. Ao entenderem isso, conseguem prevenir crises e ter uma vida mais funcional.” Em alguns casos, como o da Síndrome do X Frágil, o diagnóstico tardio pode impactar profundamente a vida da pessoa. “Mulheres que só descobrem a mutação genética ao tentar engravidar e se deparam com uma menopausa precoce, por exemplo, têm um choque. Mas o diagnóstico oferece a chance de reconstruir a própria narrativa com mais empatia, menos culpa e mais possibilidades de cuidado.”

Para Cris, o diagnóstico é sempre um ponto de partida — nunca um ponto final. “Ele nos dá um mapa, mas o caminho vai depender da escuta, do acolhimento e do projeto de vida daquela pessoa ou família. A partir da confirmação diagnóstica, podemos construir um plano de cuidados que inclua psicoterapia, intervenções médicas, apoio escolar e — o mais importante — inclusão social e afetiva.”

E quanto à famosa frase “todo mundo tem um pouco de tudo”? Cris responde com cautela: “Essa frase tem um fundo de verdade, no sentido de que todos temos traços e vulnerabilidades. Mas o que define um transtorno não é ‘ter um pouco’, e sim a intensidade, frequência e o impacto desses traços na vida da pessoa. Dizer que todo mundo tem um pouco pode acabar banalizando o sofrimento de quem realmente precisa de diagnóstico e cuidado.”

Para quem deseja compreender melhor sua forma de funcionar ou suspeita de alguma condição neuropsicológica, Cris recomenda procurar avaliação especializada.

COMPARTILHAR:

Idealizadora do programa "Eu Digo X" e mãe do Jorge, um jovem diagnosticado com autismo e síndrome do X-Frágil.

Autistas relatam experiências em aplicativos de relacionamento

Publicidade
Assine a Revista Autismo
Assine aqui a nossa Newsletter grátis
Clique aqui se você tem DISLEXIA (saiba mais aqui)