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Não há nada pior do que crises e a dor da invalidação na vivência autista. Recentemente, percebi que temos abordado menos o tema das crises no autismo em nosso espaço. Embora nosso canal tenha um histórico de vídeos sobre o assunto, especialmente os mais antigos, há um motivo para essa pausa. Este é, afinal um tópico que mexe profundamente conosco. Além de que, felizmente, as crises intensas têm sido menos frequentes em minha vida ultimamente. Partimos de nossas vivências para discutir questões mais amplas do autismo. No entanto, essa diminuição, ainda que bem-vinda, não apaga a intensidade e a crueldade que sentimos quando elas ocorrem. As lembranças persistem, por vezes assombrando sonhos e pensamentos.
Essa reflexão sobre crises me trouxe à mente uma questão igualmente delicada:. Isto é: como lidar com pessoas difíceis ou desafiadoras, especialmente aquelas cuja dificuldade reside em invalidar nossas experiências? As crises, muitas vezes, são consequências de um acúmulo de situações mal compreendidas ou de necessidades não atendidas. E uma dessas situações, em particular, deixou marcas profundas.
O Peso da incompreensão vinda de quem deveria entender
Refiro-me a uma pessoa com uma relação tanto pessoal quanto profissional com o universo do autismo. O que acontece embora, paradoxalmente, ela nunca tenha tido experiência prática direta no acompanhamento de pessoas autistas. Curiosamente, ela costumava justificar sua inabilidade em lidar conosco justamente por essa falta de prática clínica. Isso acontecia mesmo com ela atuando na formação de outros profissionais.
Essa mesma pessoa fazia questão de se afirmar “neurotípica”, como se isso fosse um distintivo de valor. Confesso que, às vezes, sua autoafirmação soava irônica. Afinal, a sua maneira de se comunicar raramente condizia com a imagem que ela tentava projetar de si.
Crises e a dor da invalidação na vivência autista
Em um momento de grande vulnerabilidade, passei por uma situação extremamente difícil. Então, bem-intencionada, essa pessoa me aconselhou: “Procure um psicólogo”. Contudo, expliquei que a questão transcendia o suporte psicológico. Portanto, disse que isso eu já possuía e que me ajudava a lidar com o sofrimento. O que eu precisava, na verdade, era de uma ação prática para evitar que um problema específico se concretizasse e agravasse. Infelizmente, minha perspectiva foi ignorada. A sugestão foi que tudo continuasse como estava e eu enxergasse a situação de outra maneira.
Essa invalidação doeu profundamente. Uma ação simples poderia ter mudado o curso dos acontecimentos. Entretanto, ninguém parecia disposto a tomá-la. Com isso, a situação evoluiu. E, antes que qualquer resolução surgisse, vivenciei uma crise tão avassaladora que chegou a colocar minha vida em risco. Dessa forma, este um período de extrema complicação e sofrimento.
Crises e a dor da invalidação na vivência autista devem ser evitadas
Mais tarde, nossos caminhos se cruzaram novamente. Houve uma espécie de reconciliação superficial. Porém, isso aconteceu sem que o cerne da questão fosse verdadeiramente abordado. Ela me disse palavras de apoio, como “você merece estar bem, fica bem e se cuida”.
Contudo, o tempo trouxe à tona evidências – inclusive documentos – que comprovavam a urgência da ação concreta que eu havia sinalizado. Ou seja, não havia apenas a necessidade de apoio psicológico para “ver de outra maneira”.
A Evidência ignorada e o silêncio que fere
Então, agindo de forma autisticamente direta, compartilhei essas novas informações com ela. Não houve xingamentos, ofensas ou qualquer tom de briga. Minha intenção era apenas apresentar os fatos que validavam minha angústia e meu pedido anterior. A resposta? Visualizou a mensagem, não respondeu e, em seguida, me bloqueou.
Essa reação me deixou perplexa e magoada. A meu ver, ficou patente que ela estava errada e, possivelmente, agindo de maneira capacitista e cruel ao desconsiderar minhas necessidades e minha percepção da realidade. Talvez ela tenha se sentido exposta ou confrontada com seu erro, mas a ausência de diálogo foi um golpe.
A justificativa que amplia as crises e a dor da invalidação na vivência autista
O que se seguiu foi ainda mais doloroso. Em vez de um pedido de desculpas ou uma tentativa de entendimento, ela procurou a minha mãe para justificar o bloqueio. E a justificativa que usou me atingiu em um ponto particularmente sensível: “Essa transição da Sofia, que é um fato muito importante na vida, não adiantou nada. Ela continuou tendo crises.“
Minha mãe, por sua vez, argumentou, explicando os inúmeros progressos e benefícios que a transição me trouxe. Mas a pessoa insistiu em sua afirmação, repetindo-a. Esse comentário, vindo de alguém com uma “vozinha mansa”, me fez lembrar da imagem de uma cascavel. Afinal, há o chocalho que avisa, mas o bote pode ser traiçoeiro. Apesar de nunca tê-la tratado mal, e de ela já ser uma pessoa de trato difícil anteriormente, essa atitude revelou uma faceta que me entristeceu profundamente.
Refletindo sobre a invalidação e buscando caminhos
Essa experiência, embora dolorosa, levanta questões importantes. Como lidar com pessoas que, intencionalmente ou não, invalidam nossas vivências, especialmente no contexto do autismo? Como proteger nossa saúde mental diante de posturas que minimizam nossas dificuldades? Ou que atribuem nossas reações a uma suposta falha pessoal, em vez de reconhecer a complexidade de nossas necessidades e percepções?
Ainda estou processando essa situação específica e aprendendo com ela. Acredito que compartilhar essas vivências, por mais difíceis que sejam, é fundamental para construirmos uma comunidade mais consciente e empática. Validar a experiência do outro, especialmente quando ela difere da nossa, é um passo essencial para relações mais saudáveis e respeitosas.
E vocês?
Gostaria de saber: vocês já passaram por situações semelhantes? Como lidam com a invalidação e com pessoas que têm dificuldade em compreender a perspectiva autista? Compartilhem suas experiências e estratégias nos comentários. O diálogo é uma ferramenta poderosa para o aprendizado e o fortalecimento mútuo.