1 de junho de 2025

Tempo de Leitura: 3 minutos

A associação entre o transtorno do espectro autista (TEA) e a dependência de substâncias psicoativas é um tema que, embora ainda pouco explorado, merece atenção crescente. Tradicionalmente, acreditava-se que pessoas autistas estariam menos propensas ao uso de álcool e drogas devido a características como rigidez comportamental e menor envolvimento em contextos sociais. No entanto, evidências clínicas recentes desafiam essa suposição, apontando para uma realidade mais complexa.

Estudos sugerem que, embora a prevalência geral de transtornos por uso de substâncias (TUS) possa ser menor entre pessoas autistas, subgrupos específicos — especialmente aqueles com diagnóstico tardio, comorbidades como transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH) ou transtornos do humor — apresentam vulnerabilidade elevada. O risco também é ampliado em indivíduos com dificuldades de regulação emocional, impulsividade e histórico de rejeição social.

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A motivação para o uso de substâncias em indivíduos autistas frequentemente difere daquela observada na população neurotípica. Enquanto o consumo entre neurotípicos pode estar associado a contextos sociais ou recreativos, no TEA o uso tende a ser solitário, ritualizado e orientado à redução do sofrimento psíquico. Álcool, benzodiazepínicos e, em alguns casos, opioides são utilizados para aliviar ansiedade social, sentimentos de inadequação e sobrecarga sensorial.

O diagnóstico da dependência química em pessoas autistas é um desafio considerável. Sintomas de intoxicação ou abstinência — como alterações de humor, irritabilidade ou comportamentos repetitivos — podem ser erroneamente interpretados como manifestações do próprio autismo. Além disso, a dificuldade de comunicação emocional e de autopercepção podem atrasar a identificação do problema, tanto por parte dos profissionais quanto das famílias.

O tratamento eficaz requer adaptações específicas. Estratégias tradicionais, como grupos de apoio em formato aberto, podem ser desconfortáveis ou pouco eficazes para muitos autistas. Intervenções individualizadas, terapia cognitivo-comportamental (TCC) adaptada ao perfil neurodivergente e abordagens que respeitem as particularidades sensoriais e a necessidade de previsibilidade são fundamentais. O suporte da rede familiar, o desenvolvimento de habilidades sociais seguras e a criação de rotinas estruturadas também desempenham papel crucial no processo de recuperação.

Importante destacar que a presença de deficiência intelectual em alguns indivíduos com TEA parece atuar como fator protetor contra o desenvolvimento de TUS, enquanto a coexistência de TDAH, impulsividade e depressão eleva o risco. A falta de protocolos de triagem adaptados ao perfil autista pode resultar em subdiagnóstico e tratamento inadequado.

A discussão sobre autismo e dependência química ainda é incipiente no Brasil, apesar da minha percepção de um número cada vez maior que tenho atendido em meu consultório. Ampliar o reconhecimento dessa associação é urgente para garantir que pessoas autistas que enfrentam esse desafio recebam intervenções adequadas, precoces e sensíveis às suas necessidades específicas.

O espectro autista é amplo e diverso. Assim como diversas são as formas de sofrimento e as estratégias de enfrentamento. Reconhecer a existência desse risco invisível é um passo fundamental para promover acolhimento, compreensão e tratamento verdadeiramente efetivos.

Referências

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Médico psiquiatra, com especialização em psiquiatra forense e psicoterapia.

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