1 de junho de 2025

Tempo de Leitura: 2 minutos

Este texto é um trecho do livro que será lançado em breve, reunindo histórias e aprendizados da nossa vivência com o autismo.

 

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Genioo

Bel. 

O mundo é muito. Demais. 

As luzes dos letreiros piscam como estalos elétricos. O brilho vermelho do farol de trânsito invade meus olhos e grita dentro da minha cabeça. Meu peito aperta. Eu pisco rápido, mas a luz fica presa na minha visão. Manchas coloridas, como fantasmas de neon. 

Os fones de ouvido não são suficientes. As buzinas cortam o ar como lâminas afiadas. Passos apressados fazem o chão vibrar. Conversas atropeladas ecoam como ondas em um mar de vozes. Barulho, barulho, barulho. 

As ruas da Avenida Paulista fervem. A cidade é um monstro de concreto e vidro, cuspindo sons e cheiros sem parar. 

Alguém está fumando perto. O cheiro gruda no meu nariz. É quente, fedido. Me faz tossir. 

Pessoas passam por mim. Rápidas. Esbarram. O tecido das roupas deles toca minha pele como lixas. Arde. Meu corpo todo se contrai. Eu seguro os braços. Tento me esconder dentro de mim. 

As luzes do shopping do outro lado da rua piscam descontroladas. Algo está errado. O padrão não bate. 

Um, dois, três, quatro… Eu conto para organizar o mundo. Mas o mundo não se deixa organizar. 

Meu tênis está apertado. O cadarço arranha meu tornozelo. A etiqueta da camiseta incomoda como um inseto preso na pele. Minha garganta está seca, mas não consigo beber nada agora. A textura da água me dá ânsia. 

Eu deveria estar em casa. 

Mas estou aqui. 

E então vejo. 

Algo quebra o padrão. 

Um homem. 

Outro homem. 

Uma faca. 

Corta. 

O vermelho do sangue é tão intenso quanto as luzes da cidade. Escorre. 

O cheiro de ferro é forte. Se mistura com o cheiro do cigarro. Do escapamento dos carros. Do asfalto quente. 

Quero cobrir os olhos. Mas não consigo. 

Meu corpo está travado. Meu peito aperta. Minha respiração falha. O ar não entra direito. O mundo pisca, pisca, pisca. Minha cabeça está rodando, rodando. O que está acontecendo? 

Eu tento falar. 

Minha boca se abre. 

Eu sei o que quero dizer. 

Mas minha voz não obedece. 

As palavras estão presas. Como sempre. 

Só uma escapa. 

“Bel.” 

O homem se vira. 

Me olha. 

Ele viu que eu vi. 

E então ele sorri

Continua…

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Pai do Gabriel (que tem autismo) e da Thata, casado com a Grazy Yamuto, fundador da Adoção Brasil, criador do app matraquinha, autor e um grande sonhador.

Editorial — Revista Autismo nº 29

Autismo e dependência química: um risco invisível

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