28 de agosto de 2025

Tempo de Leitura: 3 minutos

Vou contar por que me considero a autista que voou. Há alguns dias, uma mensagem do Marlon Brum, editor do querido portal Coletivamente, me fez refletir. Afinal, ele comentou sentir falta dos meus textos sobre autismo. Confesso que minha produção de conteúdo sobre o Transtorno do Espectro Autista (TEA) tem diminuído. E vem dando espaço a uma paixão que sempre coexistiu: a crítica cultural. Meu doutorado em Literatura e as resenhas em vídeo para o YouTube (com suas versões em texto no Portal UAI) têm absorvido grande parte do meu hiperfoco.

A resposta de Marlon foi um incentivo caloroso: “Você escreve muito bem! E sobre temas importantes! Faça isso!”. Em seguida, veio uma pergunta sincera: um certo desânimo com a comunidade autista estaria me afastando? Minha resposta foi honesta: não se trata de desânimo, mas de um desejo genuíno de explorar novos caminhos que ressoam mais profundamente comigo neste momento. E sim, o autismo não ocupa mais o centro do palco na minha vida. Mas, acreditem, isso é muito bom!

A jornada de Sophia Mendonça, a autista que voou

Minha jornada na produção de conteúdo começou cedo, aos 12 anos, com críticas de cinema. Aos 18, mergulhei de cabeça no universo digital e literário do TEA. Curiosamente, mesmo que meus textos culturais sempre tivessem uma boa recepção, hesitei em aceitar convites para escrever em blogs naquela época. Isso porque a exposição me parecia algo distante, apesar de meu perfil de críticas no Cineplayers! ser um dos mais lidos. Mas, mais por timidez e forte fobia social do que especificamente pelo autismo, minhas interações eram raras.

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Em 2015, a publicação de “Outro Olhar” marcou um ponto de inflexão surpreendente. Afinal, o livro esgotou sua primeira tiragem em dois dias! Naquele período, apresentava o podcast “Mundo Asperger” na rádio do UniBH. E, posteriormente, minhas reflexões migraram para o canal do YouTube “Mundo Autista”, ao lado da minha mãe. Desde 2020, o canal também ganhou espaço como site no Portal UAI, do jornal Estado de Minas. Então, vieram outros livros, a coluna e as reportagens na Revista Autismo.

Transformação na comunidade do autismo

A imersão na produção de conteúdo sobre o autismo foi uma experiência transformadora. Após uma adolescência marcada por sentimentos de invalidação, encontrar uma comunidade, conectar-me com tantas pessoas, foi fundamental. Mais do que isso, meus projetos se tornaram um farol de inspiração, esperança e até mesmo um caminho para o diagnóstico para muitos. Essa perspectiva humanista sempre guiou minhas ações. Isso porque me permitia oferecer à sociedade reflexões que talvez não alcançassem de outra forma. Assim, eu valorizava o potencial humano em meio às adversidades.

Contudo, manter meu hiperfoco no TEA sempre foi, em grande parte, uma necessidade de sobrevivência. Era uma forma de buscar diálogo, de encontrar meu lugar e de ajudar outros nessa jornada. Mas será que a vida de uma pessoa autista se resume a sobreviver? Não merecemos viver plenamente, explorando a vastidão de possibilidades que a vida oferece? No Budismo, a transformação é um princípio fundamental. Minha prática sempre foi sobre criar novas oportunidades, mudar as circunstâncias, e não apenas melhorá-las. Hoje, sinto que alcancei um novo patamar de realização pessoal e profissional.

Jamais abandonarei a comunidade autista. Ela é parte intrínseca da minha história. Mas a vida de uma pessoa autista reserva descobertas fascinantes que também merecem ser exploradas.

A autista que voou: uma metáfora inspirada no musical Wicked

Há uma cena no emocionante no filme “Wicked – Parte 1” que ecoa profundamente em mim. Elphaba, após anos de críticas injustas e preconceitos, finalmente consegue conjurar um feitiço que a faz voar. E então ela canta, com a alma: “Olhem pro céu no oeste. Lá vão me encontrar. Pois como alguém me disse. Todos têm direito de voar. Eu posso estar sozinha, mas hoje o céu é meu. Quem duvidava veja agora quem venceu”. Talvez soe piegas, mas é exatamente assim que me sinto. Sou a autista que voou. Tenho um imenso orgulho da minha trajetória. E por que não me permitir ser a heroína da minha própria história, trilhando novos céus?

(Originalmente publicado em O Mundo Autista, no portal UAI)

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Jornalista, escritora, apresentadora, pesquisadora, 24 anos, diagnosticada autista aos 11, autora de oito livros, mantém o site O Mundo Autista no portal UAI e o canal do YouTube Mundo Autista.

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