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Para abordar o talento das pessoas neurodivergentes, é importante responder a algumas perguntas essenciais sobre a entrada, permanência e desenvolvimento de uma carreira no mercado de trabalho desse grupo importante de nossa população. Para isso, fiz quatro perguntas para esta discussão.
Como as empresas buscam recrutar e selecionar talentos?
O recrutamento e a seleção são processos voltados à identificação de competências técnicas e comportamentais que buscam atender às necessidades das organizações, bem como a prospecção de candidatos(as) que tenham afinidade com a cultura e valores das empresas. Todavia, essas etapas de seleção ainda são padronizadas, incluindo entrevistas presenciais, avaliações, testes e, em muitos casos, dinâmicas de grupo. Esses formatos tendem a valorizar perfis de pessoas que tenham características dentro de padrões de comportamento tidos como típicos, ou dentro da chamada “norma”. Esta forma padrão de recrutamento e seleção , geralmente desconsidera pessoas que apresentam um funcionamento cognitivo diferente, tais como as pessoas neurodivergentes.
O talento das pessoas neurodivergentes pode ser observado nos processos de recrutamento e seleção sem acessibilidade?
A ausência de acessibilidade torna impossível acessar esses talentos. Pessoas neurodivergentes, como autistas, pessoas com TDAH, dislexia, e outras condições cognitivas, podem apresentar diferentes formas de processamento de informação, interação social e comunicação. Processos seletivos que focam apenas em capacidades de comunicação e interação social, sem as adaptações e ajustes necessários, não conseguirão identificar o potencial das pessoas neurodivergentes, impossibilitando, assim, que tais pessoas entrem no mercado de trabalho e construam uma carreira profissional.
Entrevistas adaptadas, avaliações práticas, uso de linguagem clara, previsibilidade de todo o processo seletivo e espaços físicos confortáveis que observem as questões sensoriais são alguns exemplos que proporcionam a busca de equidade de oportunidades para as pessoas neurodivergentes..
A falta de acessibilidade nos processos seletivos pode ser caracterizada como uma violação de direitos?
A acessibilidade é um direito assegurado por convenções internacionais, legislações nacionais e diretrizes sobre direitos humanos da maioria dos países. O artigo 27 da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência da ONU, de 2006, ratificada pelo governo brasileiro junto às Nações Unidas em agosto de 2008, coloca que “Os Estados Partes reconhecem o direito das pessoas com deficiência ao trabalho, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas”. Coloca ainda que os Estados devem “proibir a discriminação com base na deficiência com relação a todas as questões referentes a qualquer forma de emprego, incluindo condições de recrutamento, contratação e admissão” De forma mais direta, a Convenção cita que os Estados devem “assegurar que adaptações razoáveis sejam feitas para pessoas com deficiência no local de trabalho”.
Negligenciar adaptações e ajustes nos processos seletivos para pessoas com todas as deficiências, nas quais, por exemplo, as pessoas autistas se enquadram, pode configurar-se como barreiras atitudinais e estruturais, podendo, assim, caracterizar-se como uma forma de discriminação e dessa forma, uma violação de direitos.
Mais que uma questão de falta de acesso, trata-se da necessidade de criação de uma governança que abranja acessos a todas as pessoas, independente de sua condição. Também se trata em minha opinião de uma responsabilidade ética por parte das empresas, bem como a mitigação de riscos reputacionais e legais. Ou seja, é estratégico.
Focar apenas no talento das pessoas neurodivergentes pode levar ao capacitismo?
O discurso que destaca apenas o “talento hiperfocado” de pessoas neurodivergentes, como suas habilidades matemáticas, hiperfoco ou criatividade e pensamento “fora da caixa”, pode reforçar uma reduzida visão meritocrática. Obviamente, não podemos esquecer que as organizações sempre buscaram profissionais com habilidades técnicas e comportamentais, mas desde que todas as pessoas tenham equidade de oportunidades.
Conclusão
Incluir pessoas neurodivergentes não é apenas uma questão de obter novos talentos, mas também uma possibilidade efetiva de melhorar a governança das empresas, transformando-as positivamente com uma cultura mais ética, íntegra, humanizada, solidária e inovadora, o que seguramente irá beneficiar todas as pessoas e os resultados das empresas. Sim, existe muito talento na neurodivergência, e poderíamos dar centenas de exemplos que vivenciamos aqui na Specialisterne e empresas parceiras, mas é vital lembrar, que, sem acessibilidade, todos estes talentos ficam invisíveis para a sociedade e quem perde somos todos nós e principalmente as empresas.