9 de outubro de 2025

Tempo de Leitura: 4 minutos

Hoje quero falar sobre Letramento Autista, Autismo no Feminino e o Autismo na Universidade. É que, na semana passada, mais precisamente na terça-feira, 16 de setembro, apresentei um trabalho na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Este foi um retorno ao local onde cursei meu Mestrado em Comunicação entre 2020 e 2022.

A apresentação focou na representação do autismo em meninas no streaming, a partir da adaptação do livro “De Geek a Chique”, de Holly Smale, para a Netflix. Assim, o objetivo foi reforçar, com uma análise acadêmica, a importância da produção de conhecimento por pessoas autistas. Para que, dessa forma, se tenha uma compreensão mais diversa e digna do espectro.

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Letramento autista, autismo no feminino e o autismo na universidade

Nessa palestra, explorei os conceitos de “autocorpografia” e “letramento autista” como ferramentas para ir além dos estereótipos médicos do autismo.

Dessa forma, demini a autocorpografia como um gênero que, através de relatos criativos com inspiração autobiográfica, analisa a desconexão entre o sujeito e seu corpo, e a forma como ele se comunica com a sociedade. Originalmente, esse conceito emergiu da literatura de pessoas trans. Afinal, a experiência de traduzir a vivência corporal para a linguagem médica, muitas vezes, condensa essa realidade em uma “ficção” (no sentido de tradução do mundo em linguagem) necessária para a compreensão. Assim, a autocorpografia foca nesses atos criativos. Com isso, traz aspectos sensoriais e emocionais para ajudar a entender a identidade de um grupo de pessoas.

Autismo no Feminino

Além disso, aprofundei a discussão sobre a camuflagem social (ou masking) e o subdiagnóstico em mulheres. Antes, as mídias popularizavam a ideia de que a proporção era de quatro homens para cada mulher autista. Esta é uma visão que, graças ao ativismo e aos estudos de pesquisadoras autistas, vem mudando. Hoje, sabemos que a proporção é menor. E que os métodos de diagnóstico são frequentemente baseados em estereótipos masculinos. Tudo isso, portanto, leva ao subdiagnóstico feminino.

Então, quando as mulheres autistas ganham voz e compartilham suas experiências, descobrimos aspectos do autismo que antes passavam despercebidos, como a camuflagem social. Esta característica, por sinal, é mais comum e intensa nelas. Isso ocorre por razões tanto biológicas/neurológicas (no caso de mulheres cis e trans, pois seus cérebros têm padrões mais alinhados com sua identidade de gênero), quanto culturais. Afinal, a sociedade ensina as mulheres a serem “educadas, quietinhas e submissas” desde cedo. Brincadeiras simbólicas, como a de bonecas, ajudam a desenvolver habilidades sociais que levam muitas mulheres a camuflar características autistas em situações sociais. Por isso, avaliadores podem erroneamente concluir que elas não se enquadram no diagnóstico de autismo.

Essas mulheres também podem apresentar dificuldades sensoriais diferentes e uma reação mais forte à rejeição social. Não à toa, muitas são diagnosticadas de forma incorreta com transtornos como bipolaridade ou borderline.

Série Geek Girl, letramento autista, autismo no feminino e o autismo na universidade

Em “Geek Girl“, diversos aspectos que mencionei são retratados, como o forte vínculo com a melhor amiga (que atua como uma pessoa de apoio), uma alta empatia emocional (ela sente intensamente a dor do outro, mas nem sempre compreende a perspectiva do outro), e a desorganização diante de mudanças (evidente na série na forma como ela lida com a rotina do pai e da madrasta).

Na palestra, também abordei aspectos técnicos de adaptações para o cinema e a TV, o que me levou a questionar a decisão da Netflix de manter uma fidelidade extrema ao romance. Embora o livro tenha sido escrito há dez anos, e nosso conhecimento sobre o autismo em mulheres tenha evoluído muito nesse período, a autora defendeu a obra dizendo que a personagem era inspirada nela mesma, questionando se sua própria experiência poderia ser um estereótipo.

No livro, o diagnóstico de autismo da personagem não é explícito. A autora afirmou que o fez por falta de informação sobre o autismo feminino na época. A minha reflexão é: em 2024, será que a série precisava manter essa omissão? Ou a adaptação poderia ter explorado a jornada da personagem para descobrir seu diagnóstico, mostrando o processo de autoconhecimento? Afinal, a representatividade feminina no espectro é crucial para entendermos que o autismo é uma condição muito mais ampla e plural do que se imagina, e cada vida, autista ou não, tem uma dignidade única que merece ser celebrada.

Autismo no feminino e o autismo na universidade

Fazer o mestrado na época da pandemia me impediu de vivenciar a universidade fisicamente, mas foi um período de grande amadurecimento e crescimento. Voltar à UFMG, onde tive momentos difíceis, mas também vitoriosos, foi muito simbólico. Decidi retornar não como vítima, mas como a pessoa vitoriosa que me tornei. Estar de volta me permitiu fazer as pazes com o meu passado.

A potência de pesquisar o autismo

Hoje, como doutoranda em Literatura, ainda não consigo mensurar a importância de ter um projeto orientado por uma dupla de pesquisadores autistas. Isso é crucial, especialmente em um momento em que o autismo enfrenta ataques de diferentes lados, seja pela acusação de banalização (“quase todo mundo é autista”), ou pela estigmatização (“autista é uma coisa muito ruim, muito sofrida”).

É importante lembrar que pessoas autistas são seres humanos, com todas as belezas e dores que isso implica. Podemos produzir e gerar trabalhos valiosos para a sociedade. Minha educação de sucesso me deu os recursos para devolver isso à comunidade.

A contribuição das ciências humanas nas pesquisas sobre autismo

Também observei a importância das Ciências Humanas nas pesquisas sobre autismo. Descobrimos que o autismo feminino não é uma versão mais branda. Ele não foi ignorado por ser “leve”, mas por se manifestar de uma forma diferente. Isso tem um grande impacto, e precisamos entender melhor essa manifestação em mulheres.

Como os estudos anteriores foram baseados em homens, a nossa área, a Comunicação, tem a oportunidade de mostrar que precisamos, sim, pesquisar sobre as mulheres autistas e dar a elas a visibilidade que merecem

Vìdeo – Letramento autista, autismo no feminino e o autismo na universidade são tema de palestra de Sophia Mendonça para a UFMG.

(Originalmente publicado em O Mundo Autista, no portal UAI)

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Jornalista, escritora, apresentadora, pesquisadora, 24 anos, diagnosticada autista aos 11, autora de oito livros, mantém o site O Mundo Autista no portal UAI e o canal do YouTube Mundo Autista.

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