1 de setembro de 2025

Tempo de Leitura: 4 minutos

Sobrecarga e solidão chamam atenção para saúde mental de mães de autistas

Receber o diagnóstico de autismo de um(a) filho(a) é, para muitas mães, um momento de ruptura. A confirmação da condição traz consigo uma série de incertezas sobre o futuro da criança e exige uma reorganização profunda da rotina familiar que afeta a saúde mental de quem assume a maior parte dos cuidados.

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Mesmo com avanços na discussão sobre o autismo, a saúde mental das mães de autistas ainda é pouco abordada em políticas públicas, programas de apoio ou mesmo nas redes de atendimento à saúde. Em muitos casos, o acolhimento vem de outras mães que compartilham experiências semelhantes e se conectam por meio de grupos presenciais ou virtuais. Nesta reportagem, duas mães compartilham como o diagnóstico de autismo de seus filhos impactou suas trajetórias pessoais e profissionais.

Transições

Thâmara Vilela é doutoranda em comunicação pela Universidade Federal de Goiás (UFG), mestre em psicologia social pela Universidade de Brasília (UnB) e mãe de um menino de 7 anos com autismo nível 3 de suporte e deficiência intelectual. Por conta dos cuidados do filho, teve que abandonar a carreira profissional. “Meu luto, eu acho que no começo, foi mais pelo trabalho do que pelo diagnóstico em si. Pelas coisas que eu fui perdendo”, conta à Revista Autismo.

Outra consequência, segundo ela, são as mudanças na autoimagem. “É tanta terapia, tanta clínica, escola, e é tanto movimento corporal que você tem que fazer nesse dia a dia, que a gente acaba se deixando, não se cuida, e acaba engordando. Eu engordei 23 quilos nos últimos dois anos, tive muitos problemas osteomusculares, e a maioria das mães que eu conheço também têm”, lamenta.

Parte do processo de lidar com um novo diagnóstico e o chamado ‘luto’ também passa por encontrar mais informações sobre o autismo. Isso faz com que seja possível partir do famoso lema ‘do luto à luta’. Mas, para Thâmara, não se trata de uma trajetória linear. “Os problemas de saúde mental permanecem. Eles são contínuos. É uma vigília constante”, argumenta.

A fisioterapeuta e psicomotricista Tarita Inoue também teve que encarar uma nova realidade após o diagnóstico do filho, que hoje é adolescente e nível 2 de suporte. “No dia que a médica falou da hipótese de diagnóstico do autismo, eu estava para fechar um curso de MBA. Naquele dia, eu enterrei um sonho profissional. Chorei 30 dias seguidos. Naquele momento, eu enterrei o filho idealizado, e entendi que estava com uma criança com desenvolvimento atípico”

Amizades com outras mães

Quando Tarita soube do autismo do filho, foi consultar uma analista do comportamento, que passou um longo período falando dos desafios que a criança teria de enfrentar no futuro. Ela, então, respondeu que seria mais útil ser apresentada a outra mãe de autista para ser ajudada de forma efetiva. E a ajuda veio dias depois. “Ela me ligou, eu estava no parque com meu filho, e ela falou: ‘tem uma mãe que tem um grupo de apoio Amais, eles fazem reuniões mensais. Você quer ir? Tem vaga’. E do jeito que eu tava, com roupa de ginástica, fui pra esse encontro”, relembra.

Lá, durante a palestra, Tarita chorou. “Todas as mães e pais que estavam na plateia, e ali estava a Andréa Werner, estava a Marie Dorión, todas elas se levantaram e me abraçaram. Foi uma coisa muito marcante”, conta. Com isso, Tarita começou a se corresponder com outras famílias por e-mails do Yahoo! Groups e nunca mais parou.

Mais tarde, fez amizade com Mariana Alckmin, mãe de gêmeos autistas, que criou em 2015 o TEApoio, grupo de apoio virtual entre familiares de autistas no WhatsApp. A iniciativa se desmembrou em subgrupos temáticos (como questões motoras, leis e medicações) e, depois, em grupos divididos por estados do Brasil. Atualmente, ao lado de outras mães pioneiras, Tarita é uma das administradoras. “A gente deve ter em torno de 600 famílias só no estado de São Paulo. É muita gente”, compartilha.

Fazer o TEApoio por uma década rendeu momentos felizes, como encontros presenciais entre mães, a realização das caminhadas pelo Dia Mundial da Conscientização do Autismo em São Paulo (SP), mas também união em momentos difíceis, como a ajuda a famílias afetadas pelas enchentes no Rio Grande do Sul, em 2024.

Em jul.2025, uma menina autista de 11 anos morreu ao cair de um mirante do Cânion Fortaleza, na cidade de Cambará do Sul (RS). O acidente causou comoção na comunidade do autismo, sobretudo por críticas que a família recebeu nas mídias sociais por viajar com a criança. Especialistas e familiares, porém, ressaltam que pessoas autistas e suas famílias têm pleno direito ao lazer, às viagens e à convivência em espaços públicos, não devendo ser privadas dessas experiências. Segundo Tarita, a mãe é participante do TEApoio no Paraná. “A gente fez uma vaquinha para mandar uma coroa de flores pra ela”, disse.

Thâmara também concorda que o apoio entre mães que vivem trajetórias semelhantes é importante, especialmente pelo fato de muitas delas perderem parte significativa do círculo social. “A gente se reconhece uma na outra. Entre uma terapia e outra na sala de espera, tem um abraço, tem um choro, tem uma confissão”, diz.

Medos

Saber que uma pessoa autista pode não conseguir se desenvolver a ponto de ser autônoma faz com que muitas mães se preocupem sobre o que lhes espera daqui a uns anos. Para Thâmara, a invisibilidade dessa discussão pode ser percebida na representação do autismo no jornalismo brasileiro, especialmente na cobertura sobre os casos de maior dependência. “O que me causou angústia foi: por que esses autistas não são dignos de pauta?”, questiona.

Sua pesquisa de doutorado tem como objetivo analisar a forma como o autismo é abordado por telejornais. “Por que a abordagem está tão centrada nos [casos] de superdotação? Tem essa questão da magia, do mistério, das super habilidades, que geram fascínio nas pessoas. Mas, em contrapartida, do outro lado do espectro, essas pessoas ficam totalmente à margem”, critica.

Ela também argumenta que abordar menos casos de maior dependência reforça estereótipos de que autistas são agressivos. “Esses estereótipos estão fundamentados em crenças, e trazem uma informação que não é qualificada”, acrescenta.

Ao viver o fim da adolescência do filho, Tarita também compartilha preocupações sobre o envelhecimento de autistas. “Eu não tenho nenhuma rede de apoio aqui. Minhas irmãs moram do outro lado do planeta, há muitos anos não convivem com o meu filho. O dia que eu e o meu marido formos [falecidos], não sabemos quem vai cuidar dele. Tenho muito medo do futuro, principalmente com os autistas nível 2 e 3. O que vai ser deles quando os pais não estiverem mais aqui?”, questiona.

Em termos de políticas públicas, Tarita teme que haja, no futuro, a volta de cenários de violação de direitos humanos, como hospícios. A solução, segundo ela, não é fácil e nem barata, mas necessária. “Moradias assistidas, coisas nesse sentido, precisam começar a acontecer. E precisaria haver uma parceria entre políticas públicas e privadas para que essas coisas acontecessem, como em outros países”, argumenta.

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Jornalista, doutorando em Comunicação pela Universidade Federal de Goiás (UFG) e autor do livro "O que é neurodiversidade?".

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