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Nos Estados Unidos, o governo de Donald Trump apresentou nesta tarde (22.set.2025), na Casa Branca, um anúncio que promete impactar o debate sobre as origens do autismo. Ao lado do secretário de Saúde e Serviços Humanos, Robert F. Kennedy Jr., o presidente declarou que o uso de paracetamol — conhecido como acetaminophen em inglês, nomenclatura adotada nos EUA e no Canadá, enquanto no Brasil e na Europa é chamado de paracetamol — durante a gestação pode estar relacionado a um risco maior de autismo em crianças.
Trump falou em tom enfático: “A meteórica ascensão do autismo é um dos desenvolvimentos de saúde pública mais alarmantes da história. Há poucas décadas, era um em 20 mil; depois um em 10 mil. Agora é um em 31, e em alguns lugares chega a um em 12 meninos. Isso não pode ser natural, é algo artificial”, declarou o presidente. Em outro momento, foi ainda mais direto: “Tomar Tylenol na gravidez não é bom. Eu digo claramente: não é bom”, afirmou Trump.
O anúncio oficial
De acordo com Trump e Kennedy Jr., a Food and Drug Administration (FDA) — órgão regulador norte-americano que exerce papel semelhante ao da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) no Brasil — irá notificar médicos de todo o país sobre o risco associado ao uso do paracetamol na gravidez e atualizar as bulas do medicamento, incluindo alertas sobre potenciais efeitos adversos no desenvolvimento neurológico. Além disso, será lançada uma campanha nacional para informar gestantes e famílias. O governo também anunciou o financiamento de 13 novos projetos de pesquisa, no valor de 50 milhões de dólares, sob coordenação dos Institutos Nacionais de Saúde (NIH).
Em sua fala, Kennedy Jr. afirmou que a iniciativa representa uma mudança de postura: “Historicamente, o NIH focou quase exclusivamente em pesquisas genéticas, sem olhar para exposições ambientais e farmacêuticas. Isso é como estudar os fatores genéticos do câncer de pulmão sem considerar os cigarros. Hoje, estamos corrigindo isso”, disse o secretário. Ele ainda destacou pesquisas que investigam a leucovorina como alternativa terapêutica para até 60% de crianças autistas com deficiência de folato cerebral.
O que dizem os estudos
Apesar do tom categórico do anúncio, as evidências disponíveis até agora não estabelecem uma relação de causa e efeito entre o uso de paracetamol na gravidez e o risco de autismo. Há estudos populacionais que identificaram associações leves, mas em análises mais rigorosas, especialmente as que comparam irmãos, esse vínculo desaparece.
O neuropediatra Paulo Liberalesso, doutor em distúrbios da comunicação humana, reforça essa interpretação: “Um estudo que avaliou mais de 2 milhões de crianças na Suécia demonstrou, em análises gerais, uma associação leve entre o uso de paracetamol e aumento do risco de autismo, TDAH e deficiência intelectual. Porém, ao comparar irmãos, essa associação desapareceu: não houve evidência de que o uso de paracetamol durante a gestação aumentasse o risco de autismo, TDAH ou deficiência intelectual”, explicou Liberalesso.
Ele acrescenta que os dados mais recentes não sustentam a hipótese de que o medicamento interfira em processos essenciais do desenvolvimento cerebral fetal. “O paracetamol não interfere nos processos fundamentais de diferenciação, proliferação, migração neuronal, sinaptogênese ou plasticidade cerebral. As análises epidemiológicas sugerem que a relação observada em estudos anteriores estava mais ligada a infecções maternas do que ao uso do paracetamol em si”, avaliou o neuropediatra.
Reações imediatas
A empresa Kenvue, fabricante do Tylenol, rebateu prontamente as declarações, afirmando que não há evidência científica crível de que o medicamento cause autismo. Profissionais de saúde materno-infantil também manifestaram preocupação com o risco de que gestantes deixem de usar o paracetamol em situações em que o tratamento é necessário, como no caso de febre alta, que pode trazer riscos sérios ao feto.
A Nature, por exemplo, uma das mais renomadas revistas científicas, já se posicionou contra essas afirmações do governos dos EUA (veja neste link).
Conclusão provisória
O anúncio da Casa Branca marca a primeira vez que um governo nacional aponta oficialmente o paracetamol como possível fator ambiental relacionado ao autismo, mas especialistas ressaltam que as evidências científicas disponíveis até o momento não permitem concluir que exista causalidade. Para gestantes e famílias brasileiras, a recomendação segue sendo a mesma: qualquer decisão sobre o uso de medicamentos durante a gravidez deve ser tomada em diálogo com médicos de confiança.
O debate sobre esse controverso tema está apenas começando e deve ganhar novos capítulos nas próximas semanas.
Assista ao anúncio oficial completo, nesse vídeo que foi transmitido ao vivo pela agência de notícias Associated Press, via Youtube:
Francisco Paiva Jr.




