24 de junho de 2025

Tempo de Leitura: 5 minutos

Você é servidor público e convive diariamente com o autismo, seja você mesmo no espectro ou um familiar curatelado que luta para dar o melhor suporte? Sabia que existe um direito pouco conhecido que pode aliviar sua rotina: a redução da jornada de trabalho sem perda de salário? Essa é uma ferramenta poderosa para garantir mais qualidade de vida para você e para quem você ama. Seu direito está na lei!

Quando falamos em direitos de pessoas com autismo, a lei brasileira é bem clara. A base para a redução da sua jornada de trabalho como servidor público vem principalmente de duas leis importantíssimas:

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  • Lei nº 8.112/90: É a lei que dita as regras para os servidores públicos federais. Seu Artigo 98, § 3º, garante que o servidor que tem um cônjuge, filho ou dependente com deficiência possa trabalhar em uma jornada especial, sem precisar “pagar” essas horas depois, e o melhor: sem perder o salário.
  • Lei nº 12.764/2012 (Lei Berenice Piana): Essa lei foi um marco! Ela reconheceu o Transtorno do Espectro Autista (TEA) como uma deficiência para todos os efeitos legais. Isso significa que todas as leis e benefícios criados para pessoas com deficiência se aplicam, sim, à pessoa com autismo.

Por que a Lei Federal manda? (e por que isso é bom para você)

Você pode estar se perguntando: “Mas e se eu for servidor do estado ou do meu município, essa lei federal vale pra mim?” A resposta é: SIM, ela tem um peso enorme!

Mesmo que a Lei nº 8.112/90 seja feita para servidores federais, ela funciona como um “guia” e um “piso mínimo de direitos” para todo o Brasil. Pense assim: a Constituição Federal dá à União (o governo federal) a missão de criar regras básicas para proteger direitos, como os das pessoas com deficiência. Estados e municípios podem criar suas próprias leis, mas elas nunca podem “tirar” ou “diminuir” um direito que já foi garantido pela lei federal. Pelo contrário, podem apenas adicionar mais benefícios!

Pesquise se seu estado ou município possui lei especifica que trate esta questão, caso não haja uma lei específica sobre a redução de jornada para cuidar de quem tem autismo (ou de você próprio), a lei federal serve como um poderoso argumento para buscar esse direito. Nossos tribunais, inclusive o Supremo Tribunal Federal (STF), têm decidido que a proteção à pessoa com deficiência e seus cuidadores deve ser igual em todo o país, independentemente de onde o servidor trabalha. Isso é uma vitória para todos!

Como funciona a redução da jornada?

A principal característica desse direito é que a redução da jornada de trabalho ocorre sem diminuição do salário. Ou seja, você trabalha menos horas por dia (geralmente, 2 horas a menos), mas continua recebendo seu salário integral.

Exemplo: Se sua jornada normal é de 8 horas diárias, ela pode ser reduzida para 6 horas. Se for de 6 horas, pode ir para 4 horas.

A redução não exige compensação de horários. Isso significa que você não precisa “repor” essas horas em outros dias ou horários.

Como proceder: processo administrativo e judicial

Para solicitar a redução de jornada, o processo geralmente começa na esfera administrativa (dentro do seu órgão público) e, se necessário, pode evoluir para a esfera judicial.

O primeiro passo é sempre tentar resolver a questão diretamente com a administração pública onde você trabalha.

Siga este roteiro:

  • 1º. Prepare a documentação essencial: Reúna todos os documentos médicos e pessoais que comprovem o autismo e o seu vínculo.
  • 2º. Faça o pedido formal: Elabore um requerimento por escrito, endereçado à sua chefia imediata ou ao setor de Recursos Humanos/Gestão de Pessoas do seu órgão.
  • 3º. Fundamente com a lei: No requerimento, cite a Lei nº 8.112/90 (Art. 98, § 3º) e a Lei nº 12.764/2012, explicando que a pessoa com TEA é legalmente considerada pessoa com deficiência. Se houver lei específica no seu estado ou município, cite-a também.
  • 4º. Explique sua necessidade: De forma clara e objetiva, diga por que você precisa da redução de jornada – seja para acompanhar terapias, consultas médicas, ou para dar o suporte e cuidado adequado ao filho autista.
  • 5º. Protocolo é seu amigo: Protocolize o requerimento no seu órgão e guarde o número do protocolo. Isso é essencial para acompanhar o andamento e ter prova de que você fez a solicitação.
  • 6º. Acompanhe o andamento: Fique de olho no processo administrativo. Pode ser que peçam mais informações ou agendem uma perícia médica.

Documentação necessária para o processo administrativo:

  • Cópia da Carteira de Identidade (RG) e CPF do Servidor.
  • Cópia da Carteira de Identidade (RG) e CPF da pessoa com autismo (se for o filho/dependente).
  • Laudo médico atualizado: Emitido por profissional habilitado (neurologista, psiquiatra, geneticista, pediatra do desenvolvimento etc.), que contenha:
    • Diagnóstico de Transtorno do Espectro Autista (TEA) conforme o CID-10 (Código Internacional de Doenças) ou o DSM-5 (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais).
    • Nível de suporte (se aplicável).
    • Atestado da necessidade de acompanhamento contínuo e/ou terapias específicas (ex: ABA, fonoaudiologia, terapia ocupacional, psicomotricidade).
    • Data, carimbo e assinatura do médico.
  • Comprovante de vínculo: Certidão de nascimento ou documento que comprove a filiação ou dependência (termo de tutela/curatela, se for o caso).
  • Comprovante de residência.
  • Comprovantes de matrícula e frequência em terapias (se houver).
  • Qualquer outro documento que demonstre a necessidade da redução de jornada.

Se o seu pedido administrativo for negado ou demorar demais para ter uma resposta, você pode e deve buscar seus direitos na Justiça.

Siga este roteiro:

  • 1º. Procure um advogado especializado: Este é um passo crucial. Um advogado com experiência em direito público e direitos da pessoa com deficiência saberá como analisar seu caso, reunir a documentação e preparar a melhor estratégia para o processo judicial.
  • 2º. Entre com a ação judicial: Seu advogado vai protocolar uma ação judicial (geralmente um Mandado de Segurança ou Ação Ordinária) contra o órgão público.
  • 3º. Peça a liminar (o “socorro rápido”): Uma das grandes vantagens da via judicial é a possibilidade de pedir uma liminar. Isso significa que, se o juiz entender que seu direito é claro e urgente, ele pode determinar a redução da jornada imediatamente, mesmo antes do processo terminar. É um “socorro” rápido da Justiça!
  • 4º. Acompanhe o processo: O processo seguirá os trâmites legais. Seu advogado manterá você informado sobre cada etapa.

Documentação necessária para o processo judicial:

Toda a documentação reunida para o processo administrativo será útil e necessária para o processo judicial, incluindo:

  • Todos os documentos listados para o processo administrativo.
  • Cópia do requerimento administrativo que você protocolou.
  • Cópia da decisão de indeferimento (se houver) do seu pedido administrativo ou prova da ausência de resposta (protocolo e comprovante de que o prazo expirou).
  • Qualquer correspondência ou comunicação trocada com o órgão sobre o pedido.
  • Documentos adicionais que o advogado possa considerar relevantes para fortalecer o seu caso (ex: relatórios pedagógicos, relatórios de evolução terapêutica, recibos de gastos com terapias não cobertas).

Uma curiosidade: como era antes da Lei Berenice Piana

Lei Berenice Piana (Lei nº 12.764/2012) é um marco tão importante que vale a pena destacar uma curiosidade sobre ela. Antes dessa lei, muitas pessoas com autismo e suas famílias enfrentavam uma dificuldade enorme: a falta de um reconhecimento legal claro. O autismo não era explicitamente considerado uma deficiência para fins de direitos e benefícios.

Com a Lei Berenice Piana, essa lacuna foi preenchida, garantindo que as pessoas com TEA tivessem acesso a todos os direitos previstos para pessoas com deficiência. Isso abriu portas para uma série de conquistas, desde o acesso a tratamentos até o direito à educação inclusiva e, claro, à possibilidade de solicitar a redução de jornada para servidores. Foi um passo gigante na luta por mais reconhecimento e inclusão!

Por que esse direito é tão importante?

A redução da jornada é mais do que um benefício, é uma ferramenta de inclusão e apoio. Ela permite:

  • Melhora na qualidade de vida: Menos tempo no trabalho significa mais tempo para terapias, lazer e cuidado pessoal ou familiar.
  • Acompanhamento adequado: Para pais e responsáveis, é a garantia de poder acompanhar de perto o desenvolvimento de seus filhos autistas, participando ativamente de terapias, reuniões escolares e consultas médicas.
  • Redução do estresse: A rotina de trabalho e os cuidados com uma pessoa com autismo podem ser intensos. A redução da jornada ajuda a diminuir o nível de estresse e esgotamento.
  • Efetivação de direitos: É uma forma de garantir que a lei seja cumprida e que as pessoas com autismo e suas famílias tenham o suporte necessário para viver com dignidade.

Esse direito não é um favor, mas uma conquista legal! Buscar a redução da sua jornada é investir na sua qualidade de vida e, principalmente, no bem-estar da pessoa com autismo que você ama ou que você é. Não hesite em dar esse passo! Se precisar de ajuda, procure o RH do seu órgão ou um advogado especializado.

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Rodrigo Vitor Couto do Amaral é pai de autista e advogado formado pela PUC Goiás há mais de 20 anos.

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